251-300|pt|300 - Perfil salesiano no sonho dos dez diamantes


Egídio Viganò



Perfil salesiano no sonho do personagem

dos dez diamantes



Atos do Conselho Superior



Ano LXII – abril-junho, 1981



N. 300





Introdução. — “O modelo do verdadeiro Salesiano”. — Importância que Dom Bosco dava ao sonho. — Sua importância na nossa tradição. — P. Rinaldi, o mais perspicaz intérprete do sonho — Descrição do nosso perfil espiritual. O personagem; a dupla perspectiva. — O rosto: fisionomia; traços fundamentais; feições atraentes de Cristo. — A estrutura: centralidade da Obediência; concretude da Pobreza; exigências da Castidade; sentido do Paraíso. — O “específico” salesiano. — A ruína da sua identidade: adulteração do rosto; desmantelamento da estrutura. — Apelo à formação e ao discernimento vocacional em vista do o futuro. — Conclusão.



Queridos Irmãos,



Convido-vos em primeiro lugar a vos unirdes ao júbilo e à esperança dos numerosos irmãos da Espanha, que celebram, a partir de 16 de fevereiro e durante todo este ano, o centenário do transplante do Carisma de Dom Bosco para a Espanha. Junto com a quarta expedição missionária, em fins de janeiro de 1881, partia de Turim o P. João Branda com outros quatro irmãos e um leigo para se fixa­rem na Andaluzia, onde, em Utrera, haviam de iniciar a presença salesiana. Acompanhava-os e guiava-os o intrépido P. João Cagliero, já “expe­rimentado no transplante” pelos cinco anos de América Latina.

A Espanha tem hoje mais de 3.200 Salesia­nos e Filhas de Maria Auxiliadora, numerosos missionários e missionárias, milhares de Coope­radores, incontáveis Ex-alunos, bom grupo de Voluntárias de Dom Bosco e muitos Amigos espalhados por toda a península. Os “primei­ros” levavam consigo o segredo da fecundidade e a coragem do futuro. Formados em Valdocco, tinham como modelo o coração de Dom Bosco!

Congratulamo-nos com os irmãos da Espa­nha pela intuição e generosidade com que captaram e souberam partilhar tão magnanimamente essa “experiência de Espírito Santo”, semeada humildemente numa pequena cidade do Sul. Além disso, quereríamos aprofundar, imitando o seu compromisso espiritual deste ano, o segredo do “modelo do verdadeiro sale­siano” que os nossos grandes da primeira geração souberam testemunhar com intensi­dade.

Para tanto poderá ser útil refletir atenta­mente sobre outra data para nós significativa: no próximo mês de setembro fará cem anos que Dom Bosco teve um sonho que mostrava com clareza o futuro do seu Carisma. É o sonho do “augusto personagem” coberto de “rico manto à guisa de capa”, sobre o qual bri­lhavam intensamente “dez diamantes de tama­nho e fulgor extraordinário”. Foi em San Benigno Canavese, na noite de 10 para 11 de setembro de 1881.



O modelo do verdadeiro Salesiano”



O sonho desenrola-se em três cenas. Na primeira cena, o personagem encarna o perfil do Salesiano: na parte anterior do manto há cinco diamantes, três sobre o peito, que são “Fé”, “Esperança” e “Caridade”, e dois nas costas, que são “Trabalho” e “Temperança”; na parte posterior estão outros cinco diamantes, que indicam “Obediência”, “Voto de Pobreza”, “Prê­mio”, “Voto de Castidade”, “Jejum”.

O P. Rinaldi define o personagem com os dez diamantes como o modelo do verdadeiro Salesiano.1

Na segunda cena, o personagem mostra a adulteração do modelo. “Seu manto estava desbotado, puído e rasgado. Onde antes esta­vam os diamantes, via-se agora profundo estrago causado por traças e outros pequenos insetos”.

A cena triste e deprimente mostra “o opos­to do verdadeiro Salesiano”,2 o antisalesiano.

Na terceira cena, aparece “gracioso menino vestido de um hábito branco tecido de ouro e prata (... de) aspecto majestoso, mas doce e amável”. É portador de uma mensagem. Exor­ta os Salesianos a “escutar”, “entender”, manter-se “fortes e corajosos”, “testemunhar” com as palavras e com a vida, “ser prudentes” na aceitação e na formação das novas gerações, fazer crescer de maneira sadia a sua Congre­gação.

As três cenas do sonho são instrutivas e cheias de vida. Apresentam-nos uma síntese ágil, personalizada e dramatizada, da espiritua­lidade salesiana.

O conteúdo do sonho apresenta sem dúvida, na mente de Dom Bosco, um importante quadro de referência para a nossa identidade vocacio­nal. A escolha e apresentação orgânica de determinadas características deve ser conside­rada como documento autorizado da identidade do perfil salesiano. Encontramos nelas um esboço qualificado da nossa fisionomia. Por isso, Dom Bosco nos diz que zelar por essas características garante o futuro da nossa voca­ção na Igreja, ao passo que negligenciá-las e descuidá-las destroem a sua existência.

Ao narrar o sonho Dom Bosco assinala dois dados. Primeiro: 10 de setembro era o “dia que a Santa Igreja consagra ao glorioso Nome de Maria”;3 segundo: os Salesianos reu­nidos em San Benigno Canavese “faziam os Exercícios Espirituais” e parecia-lhe “estar andando com os Diretores”. São duas observa­ções que podem inspirar a nossa reflexão. O que Dom Bosco está a narrar tem especial liame mariano, e o tema tratado é especialmente oportuno para “tempos fortes” de recolhimento e aprofundamento, tais como os Exercícios Espirituais, e para animadores particularmente responsáveis como são os Superiores. É um sonho oferecido ao Salesiano enquanto tal. Nele não se fala diretamente dos jovens, muito embora, evidentemente, tudo para eles se orien­te. Dom Bosco dirige-se a nós, em casa; a nós, reunidos em Exercícios Espirituais; a nós, ani­madores e educadores; trata de um importante tema de intimidade; pede-nos uma revisão de vida.



Importância que Dom Bosco dava ao sonho



O sonho impressionou de tal modo nosso Pai “que não se contentou em apresentá-lo de viva voz, mas colocou-o também por escrito”.4

Possuímos no arquivo o texto autógrafo, que o P. Ceria não conseguiu encontrar para a redação do volume XV das Memórias Biográficas, e, graças ao trabalho paciente e valioso de uma Filha de Maria Auxiliadora, poderemos servir-nos também da edição crítica.5

O texto é posterior de algumas semanas a 11 de setembro. Mostra a preocupação de Dom Bosco em garantir o conhecimento do sonho e sua aplicação na nossa tradição viva.

O rascunho autógrafo apresenta várias correções e manifesta não só “as angústias que Dom Bosco costuma enfrentar quando redige páginas destinadas à divulgação escrita”,6 mas também o esforço que faz para lembrar com exatidão o que viu em sonho: um “esforço de fidelidade” ao que ele próprio pensa humildemente ser um aviso do alto. Dom Bosco, já no início, dá uma solenidade misteriosa e uma dimensão profética ao sonho: “A graça do Espírito Santo ilumine os nossos sentidos e os nossos corações. Amém”.

O complicado rascunho foi passado a lim­po pelo P. Berto e revisto pelo próprio Dom Bosco, que acrescentou ainda uma apostila ou “pró-memória” em que anota: “O sonho durou quase toda a noite, e, de manhã, achei-me com as forças esgotadas. Temendo, porém, esque­cê-lo, levantei-me às pressas e tomei algumas notas, que me serviram para lembrar o que hoje, dia da Apresentação de Nossa Senhora no Templo (21 de novembro) vos acabo de expor”.

Observemos a solicitude de Dom Bosco: toma logo notas, e em seguida redige pessoal­mente por escrito o sonho. Vê-se que o consi­dera importante! Não é supérfluo acrescentar que ele mesmo reconhece que “não me foi possível lembrar de tudo”.

Cumpre notar ainda que também na apos­tila Dom Bosco se refere, com delicada e insis­tente atenção, a uma data mariana.

Considerando o grande cuidado de Dom Bosco em não deixar que o sonho caia no esquecimento, o P. Ceria, nas Memórias Biográficas, acertadamente qualifica o sonho de S. Be­nigno Canavese como “um dos sonhos mais importantes” do nosso Pai.7



Sua importância na nossa tradição



Mostra-se ainda hoje em S. Benigno Cana­vese o quarto e a cama onde Dom Bosco sonhou. Procurou-se conservar sempre a memória desse fato.

Pode-se dizer que o conteúdo do sonho serviu quase imediatamente para orientar a reflexão, a revisão de vida e a formação dos Salesianos.

A mais antiga edição impressa que possuí­mos traz o título em latim: Futura Salesianorum Societatem respicientia...”. Foi objeto de conferências e pregações, sobretudo de Exercí­cios Espirituais.

O P. Albera alude ao sonho como a um tema familiar, numa célebre circular de 1920. É sin­tomático que o argumento nela desenvolvido seja “Dom Bosco nosso modelo”!8

Dele falou com frequência o P. Rinaldi, e mais de uma vez escreveu nos Atos do Conselho (então “Capítulo”) Superior;9 e até publicou duas vezes o sonho, em 192410 e em 1930:11 a pri­meira vez reproduzindo todo o texto ao qual aludimos acima; a segunda vez adaptando a sua apre­sentação tipográfica, introduzindo a tradução das expressões latinas e eliminando algumas datas que podiam fazer com que o conteúdo perdesse a atualidade. Foi distribuída uma cópia do sonho a todos os irmãos.

Pensa o P. Rinaldi que as luzes dos dez diamantes “encontram seu natural, mais amplo e genuíno comentário prático nas obras de S. Francisco de Sales, particularmente no ‘Teótimo’, nos ‘sermões’ e nos ‘Entretenimentos espi­rituais’,12 que eram alimento quotidiano para a formação sale­siana. Além disso, em duas das suas circulares mais conhecidas, ligou a reflexão dos irmãos sobre os ensinamentos do sonho às fontes mais altamente qualificadas da nossa espiritualidade: primeiro, com as Constituições, por ocasião do jubileu de ouro delas, e também com os Regu­lamentos revistos havia pouco, ou seja com os textos qualificados e autorizados que constituem como “a alma da nossa Sociedade”;13 além disso com as nossas mais genuínas tradições, pois elas “dão colorido e imprimem caráter em nossa sociedade e missão. Se essa cor se esvair, se esse caráter se perder, poderemos ser ainda religiosos, educadores também, praticando pura­mente a letra das Regras, mas já não seremos Salesianos de Dom Bosco”.14

Fez do sonho um argumento de suas conferências e pregações, sobretudo nos últimos anos do seu Reitorado.

O sonho, então, é apresentado pelo P. Ri­naldi juntamente com as Constituições e as Tradições vivas, como quadro de referência para fotografar a identidade salesiana.

Também o P. Renato Ziggiotti, quinto su­cessor de Dom Bosco, chamou a atenção dos irmãos para o sonho por ocasião da Lembrança de 1964. Distribuiu-o a todos e ofereceu-o qual medida válida para um processo de revisão e conversão e para um crescimento no delicado processo de identificação: “o sonho dos dez diamantes — escrevia — convida-nos a praticar as virtudes que são as mais essenciais para nós”.

Com razão, pois, afirmou-se do sonho que “está entre os mais conhecidos e meditados na tradição salesiana”.15 Julgo útil voltar a refletir hoje sobre os pontos significa­tivos que nos apresenta.

Alguém, talvez, ante as exigências de certo tipo de estudos, poderá observar com razão que “é preciso avaliar a tradição documental dos sonhos, antes de começar a fazer a sua análise psicológica, teológica ou pedagógica”. Não entendemos aqui pôr em questão os níveis científicos do estudo crítico do texto ou da natureza específica dos sonhos de Dom Bosco. Conservamo-nos, ao invés, num nível mais alto e mais importante, que é o da experiência viva e qualificada da nossa espiritualidade. A vida, com efeito, é anterior a qualquer estudo dela, e os elementos que a podem nutrir e estimular devem poder intervir e agir não simplesmente para uma bem-proporcionada programação científica (chegaria demasiado tarde!), mas para uma autorizada e oportuna mediação ca­rismática. Assim como fizeram, com autoridade Dom Bosco e os seus Sucessores, particular­mente o P. Rinaldi, e seus colaboradores na formação salesiana, ou seja, através dos canais de transmissão viva da nossa experiência espiritual.

As seguintes palavras do P. Rinaldi devem-nos fazer refletir: o modelo apresentado pelo sonho “deve ser estudado e aprofundado com a meditação quotidiana. Fale-se dele em todas as circunstâncias; expliquem-se conveniente­mente os vários aspectos da visão (...). Peço encarecidamente aos queridos Inspetores e Diretores que façam suas conferências focalizar esse modelo; igualmente, os pregadores dos Exercícios Espirituais, os quais encontrarão aí argumentos para as instruções, de modo que a espiritualidade salesiana fique bem impressa no espírito dos ouvintes”.16



P. Rinaldi, o mais perspicaz intérprete do sonho



Quem, mais do que qualquer outro, parece ter refletido sobre o sonho e usado muitas vezes como tema de orientação para toda a Congregação foi certamente o P. Felipe Rinaldi. Ele residia em San Benigno quando Dom Bosco teve e narrou o sonho. E ficou vivamente impressionado.

Como Reitor-Mor, terceiro sucessor de Dom Bosco, escreveu várias vezes, como dissemos, aos irmãos sobre o sonho. Há ainda muitos na Congregação que ouviram diretamente suas explicações. Por exemplo na pregação das lem­branças feita aos jovens irmãos de casas de formação em Foglizzo, no início do verão de 1931, da qual se conservam no arquivo alguns apontamentos fiéis.

Uma leitura diligente dos textos do P. Ri­naldi deixa perceber um processo de atenta reflexão e progressivo aprofundamento. Assim, em suas últimas intervenções, ele apresenta uma interpretação original e orgânica do sonho, amadurecida num esclarecimento penetrante, fruto de longa meditação e assídua observação. Isto é, identificou para nós a figura do perso­nagem e esclareceu a disposição dos diaman­tes. Pois, engastados sobre o peito e nas costas e com o relevo de luz e posição de cada um, apresentam a visão “orgânica” e “dinâmica” da característica espiritual do Salesiano. “Faça-se ressaltar — escreve o P. Rinaldi — a dis­posição dos diamantes, que, deslocados, já não haveriam de reproduzir o esplendor da nossa vida”!17

Afirma repetidas vezes que no sonho se descreve “o modelo do verdadeiro Salesiano” ou “do perfeito Salesiano”,18 como Dom Bosco viu e “transmitiu-o para nós, a fim de que mais do que uma lembrança fosse a realidade da nossa vida”.19

Por conseguinte: o personagem do manto e a própria disposição dos diamantes têm (segun­do o P. Rinaldi) um significado relevante porque concorrem para traçar o perfil espiritual da nossa “índole própria”. É esta uma observação de grande interesse, confirmada por quanto afirmam os estudiosos das várias espiritualida­des religiosas a respeito da especificidade de cada vocação.

Sendo o P. Rinaldi, uma das testemunhas mais fiéis da nossa espiritualidade salesiana e havendo exposto suas reflexões sobre o sonho sobretudo nos últimos anos de vida como Reitor-Mor, é nossa convicção que ele chegou a essa interpretação como a uma maturação de síntese, após longa meditação feita em sintonia e responsabilidade vocacional, com a oração e talvez com especiais luzes do alto.

As reflexões que aqui procuro apresentar e oferecer-vos, movem-se nessa visão “rinaldiana”, aguda e penetrante. Desejo desenvolver alguns de seus aspectos.

Espero que sirvam para fazer-nos crescer na fidelidade à nossa vocação na Igreja e aprofundar sempre mais a sua identidade.



Descrição do nosso perfil espiritual



A primeira cena do sonho apresenta-nos o modelo do Salesiano, não tanto em cada dia­mante, diria, quanto no conjunto da visão.



O personagem



O protagonista do sonho é “um homem de aspecto majestoso” que representa a imagem ideal da nossa espiritualidade. Nele “cada Sale­siano, presente e futuro, deve espelhar-se”.20 Hoje, à distância de um século, podemos afirmar que o próprio Dom Bosco “foi sempre em toda a sua vida a encarnação viva desse personagem simbólico”. Podemos até repetir, de maneira ainda mais sugestiva, com o P. Rinaldi, que “todos os dia­mantes têm uma luz própria, mas todas estas luzes não são senão uma só luz: Dom Bos­co!”.21

Nosso Pai não explicou o sonho nessa pers­pectiva, é claro. Isso nem sequer lhe passou pela mente. Mas a interpretação perspicaz do P. Rinaldi precisa e concretiza o seu verdadeiro significado.

Também o texto das Constituições renova­das nos fala de “Dom Bosco, nosso modelo concreto”, afirmando que “o Salesiano estuda e imita mais de perto a Dom Bosco, que lhe foi dado como pai por Deus e pela Igreja”.22



A dupla perspectiva: “na frente” e “nas costas”



A visão do sonho mostra o personagem em duas posições bem diferentes, mas complemen­tares, visto antes de frente e depois de costas.

Pareceria uma observação mais do que óbvia, mas é mais aguda e fecunda do que pare­ce à primeira vista. Por outra parte é uma consideração original do P. Rinaldi, que não se mostrara a todos igualmente sugestiva e rica. Ele a expôs em mais de uma conferência a viva voz (p. ex., na citada pregação das Lembranças em Foglizzo, em 1931) e encontramo-la descrita, de forma sucinta, mas suficientemente clara, também na sua circular de abril desse mesmo ano: a vida salesiana primeiramente “na sua atividade” (os diamantes do lado anterior) e, depois, “na sua espiritualidade interior” (os diamantes do verso).23

Trata-se, digamos assim, das duas faces do medalhão salesiano. Se quisermos, na frente, a sua figura social, o rosto, o “da mihi animas”; e no verso, o segredo da constância e ascese, a estrutura, o “coetera tolle”!



O rosto



Na frente, a luz dos cinco diamantes (Fé - Esperança - Caridade - Trabalho - Temperança) apresenta o Salesiano no testemunho público da sua doação visível aos jovens.

Aqui, nesta óptica frontal, ele não aparece com as notas características do estado religioso enquanto tal, mas, sim, com as do crente, exu­berante de entusiasmo pelo mistério de Cristo e impregnado de bondade, com um coração forjado pela caridade; ele é, então, dinâmico e equilibrado, trabalhador e temperante, criativo e de bom senso. Esse “trabalho” e “temperan­ça” sustentam o seu manto.

Vista de frente, escreve o P. Rinaldi, “a vida salesiana, considerada na sua atividade, é tra­balho e temperança, vivificados pela caridade do coração na luz cada vez mais luminosa da fé e da esperança”.24

Não tenho intenção de desenvolver aqui uma reflexão salesiana sobre os primeiros cinco diamantes. Creio, entretanto, útil sugerir algu­mas observações mais gerais, que poderão ser tomadas em consideração por cada um em sua meditação pessoal.



Fisionomia



Uma primeira observação: os diamantes do sonho não devem ser interpretados mui simples­mente como uma espécie de “lista de virtudes” genéricas, a serem consideradas uma por uma segundo os esquemas de um tratado. Nem mesmo interessa que seus nomes entrem todos na lista clássica das virtudes. Eles devem ser considerados como atitudes existenciais e, em particular (estamos falando aqui da parte ante­rior do manto), como traços externa e clara­mente perceptíveis. Os diamantes constituem, na realidade, as feições fotográficas da fisiono­mia salesiana; explicitam os traços que caracte­rizam o rosto do discípulo de Cristo assim como Dom Bosco quis que aparecesse numa sociedade que já não parecia apreciar as formas então clássicas da vida religiosa.

Recentemente, na circular sobre o Salesia­no Coadjutor, escrevi que a nossa Congregação foi fundada com uma insólita “abertura secular”.25 Pois bem, lendo os escritos do P. Rinaldi, impressionou-me a sua insistência sobre certos “princípios novos de modernidade — são palavras dele — que (Dom Bosco) fora inspira­do a colocar na base de todo o seu Instituto e que são o nosso mais precioso patrimônio”.26

A melhor maneira de ilustrar esses “princí­pios” é citar as “memoráveis palavras” que Pio IX disse ao nosso Pai na audiência de 21 de janeiro de 1877, que lhe foi concedida justamen­te em seu quarto de dormir: “Creio revelar-vos um mistério — disse o Papa —estou certo de que a vossa Congregação foi suscitada pela Divina Providência para mostrar o poder de Deus: estou certo de que Deus quis conservar escondido até o presente um importante segre­do, desconhecido há muitos séculos e a muitas outras Congregações passadas. A vossa Congregação é nova na Igreja, porque de gênero novo, porque surgiu nestes tempos de maneira que possa ser ordem religiosa e secular; que tenha voto de pobreza e ao mesmo tempo possa possuir; que participe do mundo e do claustro, cujos membros sejam religiosos e seculares, claustrais e cidadãos livres. (...) Foi instituída para que se veja e tenha o modo de dar a Deus o que é de Deus e a César o que é de César”.27

Portanto, os traços do rosto salesiano indi­cados pelos primeiros cinco diamantes não evidenciam primariamente a nossa mo­dalidade religiosa, ainda que, como veremos, sejamos verdadeira e plenamente religiosos.

O aspecto primeiro e principal do persona­gem é o do cidadão trabalhador e leal, forte­mente animado pelas riquezas do mistério de Cristo. O fato que seja também cem por cento religioso não deveria causar nenhuma repulsa ou mal-estar a ninguém. O Salesiano deveria encontrar-se em situação normal e quase à von­tade também numa sociedade secularizada. Rosto de cidadão ativo e responsável, mas com toda a carga de conteúdo cristão que vem de uma interioridade valentemente cultivada.

Essa observação perspicaz encontra também uma projeção fecunda no círculo mais amplo da Família Salesiana, na qual grupos assaz numerosos de não-religiosos “empenham-se em viver e praticar todo o espírito dos Salesianos, num pluralismo de formas, segundo a situação concreta de cada um e as necessidades reais da juventude em determinado lugar, em determi­nada hora”.28



Traços fundamentais



Outra observação: o manto do personagem pende nas costas e é sustentado pelos dois gran­des diamantes do Trabalho e da Temperança. Encontramos aqui o famoso lema proclamado várias vezes por Dom Bosco: “trabalho e tem­perança”.29 No sonho do touro furioso (1876), leem-se as condições para o futuro da nossa vocação: “Olha: é preciso que faças imprimir essas pala­vras que serão como o vosso lema, a vossa pa­lavra de ordem, o vosso distintivo. Anota-as bem: O trabalho e a temperança farão flores­cer a Congregação Salesiana. Farás explicar essas palavras, repeti-las-ás, insistirás. Farás imprimir um manual que as explique e faça com­preender bem que o trabalho e a temperança são a herança que deixas à Congregação, e ao mesmo tempo serão também a sua glória”.30

O diamante do Trabalho está colocado sobre o ombro direito, como a nos indicar o primado do “êxtase da ação” de que fala S. Francisco de Sales no Teótimo,31 e que é animado pelos pro­fundos dinamismos da Fé, da Esperança e, sobretudo, da Caridade. Esse tipo de ação não iguala o Salesiano a um simples factótum, mas a um genuíno “promotor da salvação”, ainda que agindo na área da educação através da contínua e atualizada pro­moção humana.

O diamante da Temperança, posto no outro ombro, não deve confundir-se com o do Jejum (situado no verso), precisamente porque estes dois diamantes, à primeira vista semelhantes, estão dispostos em duas posições muito diferentes, um à frente e outro atrás.

Se, como veremos, o “Jejum” quer indicar a ascese da mortificação dos sentidos, a “Tem­perança” indica antes um domínio geral de si num estilo de vida espartano, feito de sacrifício, de horário exigente, e acompanhado de come­dimento e equilíbrio como fruto da capacidade de refrear as próprias reações. Essa atitude de temperança deve unir-se a um porte geral de simpático estilo popular, rico de bom senso e com suficientes espaços para uma dose sadia de esperteza. “O Salesiano — dizia o P. Rinaldi — deve saber dominar-se, não anda de olhos fechados, abre-os, mas não vai mais além: se algo não está bem, para. Senhor de si tam­bém na diversão; comedido com o menino que o faz desesperar; capaz de calar, dissimular, falar no devido tempo, de ser esperto!”.



Características atraentes de Cristo



Uma terceira observação: os três magnífi­cos diamantes sobre o peito testemunham a fonte perene de toda a personalidade do Sale­siano. Sua constante abertura ao mistério de Deus no seguimento de Cristo. É esse o segredo fundamental da vocação de Dom Bosco e, pois, de toda a espiritualidade salesiana.

Já se salientou, na circular sobre o Sistema Preventivo,32 que o espírito salesiano brota da adesão entusiasta e total a Jesus Cristo e tende, sob a guia de Maria, a tornar presente no mundo, hoje, o mistério do Cristo “a abençoar os me­ninos e fazer o bem a todos”, como afirma o Concílio.33

Não podemos desenvolver aqui os conteú­dos salesianos proclamados pelos três diamantes “Fé — Esperança — Caridade”.

Devemos, porém, notar que o diamante da Fé quer indicar toda uma visão sobrenatural da realidade na qual estamos imersos, visão per­meada de otimismo: “é a nossa fé que nos dá a vitória sobre o mundo”!34 Ela ofe­rece com clareza as motivações pastorais da nossa ação e impregna e sustenta o tom de sadio humanismo que caracteriza o apóstolo salesiano.35

O diamante da Esperança aponta para a certeza da ajuda do alto (... também Maria é vista como “Auxiliadora”!) numa vida toda criativa, isto é, empenhada em projetar quoti­dianamente atividades práticas para a salvação sobretudo da juventude.36

O diamante da Caridade merece particular atenção: está “sobre o coração”; e a primeira cena do sonho encerra-se justamente apresen­tando o P. Costamagna a ditar ao P. Fagnano as seguintes palavras: “A caridade compreende tudo, suporta tudo, vence tudo; preguemo-la com palavras e fatos”.

Para Dom Bosco, a caridade é uma atitude constante de sincero amor para com as pessoas, enquanto toda pessoa ou é o próprio Deus ou é a Sua imagem. É imersão no Cristo para viver n’Ele a filiação em relação a Deus Pai (= ininter­rupto espírito de oração), e testemunhar com Ele a dedicação mais generosa ao próximo (= dedicação total aos jovens). Encontramos aqui todo o coração de Dom Bosco, exuberante de bondade e revestido do dom especial “da predileção para com os jovens”.

Para a caridade caracterizada por esse “dom” não basta ao Salesiano, escreve o P. Albera, “sentir certa atração natural pelos jovens, mas é preciso de fato amá-los com predileção. A predileção, no seu estado inicial, é um dom de Deus, é a própria vocação salesiana, mas cabe à nossa inteligência e ao nosso cora­ção desenvolvê-la e aperfeiçoá-la”.37

Trata-se, enfim, da “caridade pastoral” que é o centro do “espírito salesiano”38 e a fonte perene de uma “bondade” original que caracteriza toda a sua pedago­gia ao mesmo tempo em que a envolve num clima de contentamento espontâneo.

E, assim, os cinco diamantes do lado ante­rior mostram como uma fotografia essencial do “rosto salesiano”: um cidadão trabalhador e temperante, dedicado a levar à sociedade sua específica e útil vocação cristã; um homem prudente e otimista, graças à Fé que o anima; dinâmico e criativo pela Esperança que o move; sempre orante e humanamente bom pela Ca­ridade que o impregna.

No triângulo luminoso dos três diamantes “Fé - Esperança - Caridade” podemos ver escrito ainda, qual síntese desse documento de identidade espiritual: “Jesus Cristo ontem, hoje e sempre, como grande amigo dos jovens!”.



A estrutura



Na parte posterior, a luz dos cinco diaman­tes (Obediência - Voto de Pobreza - Prêmio - Voto de Castidade - Jejum) apresenta o Salesiano na sua estrutura oculta e robusta, onde se descobre concretamente o significado da segunda parte do nosso lema: “coetera tolle!”, e onde se apoia o nosso estilo especial de vida consagrada.

Também aqui devemos observar que os cinco diamantes não propõem tanto uma “lista de virtudes”, quanto linhas mestras que carac­terizam uma modalidade ascética na sequela de Cristo.

Parece-me importante, segundo a leitura do P. Rinaldi, notar que essas linhas mestras, dis­postas na parte posterior do manto, caracteri­zam interiormente o Salesiano; elas não se apresentam diretamente como delineamentos ou traços fisionômicos, mas antes como uma estru­tura oculta ainda que absolutamente indis­pensável.

Foi certamente preocupação de Dom Bosco (guiado nisto também pelos conselhos de Pio IX) não apresentar em público os seus filhos com uma fisionomia de monges ou frades; ele não queria (e há tantos fatos e textos que o comprovam) que o Salesiano aparecesse exterior­mente com as modalidades externas (hábito, costumes e estilo) do religioso de tipo tradicio­nal para não dar na vista e não provocar repulsa numa sociedade orientada pelo espírito laicista, ainda que quisesse depois que os seus fossem “padres” e “fiéis” cem por cento em qualquer tipo de sociedade.

Mas, quanto mais oculta tanto mais pro­funda devia ser para ele a consciência e o pro­pósito de um projeto ascético de seguimento do Cristo. Considerava-a como indispensável “vis a tergo” ou “vis ab intus”, um inexaurível e enérgico impulso brotado de posições estraté­gicas bem defendidas e que não dessem na vista, “o quadrilátero” da parte de trás (João Cagliero compreendeu-o bem: — Frade ou não frade, eu fico com Dom Bosco!).

Se a fisionomia visível do Salesiano se lê pela frente, porque é o seu rosto na sociedade e entre os jovens, o segredo da sua robustez espiritual, da sua constância e da sua capaci­dade de intervenção operosa encontra-se na solidez da sua consciência de consagrado, do consequente exercício de ascese.

Também aqui, mais que analisar os cinco diamantes, julgo útil fazer algumas observações gerais sobre eles.



Centralidade da Obediência



O que mais impressiona na visão da parte posterior é a centralidade dada ao diamante da Obediência: “a espiritualidade interior (do Sa­lesiano) — escreve o P. Rinaldi — é guiada pela obediência”.39

Nas Constituições, Dom Bosco colocou sem­pre a obediência como primeiro voto dos seus religiosos. Falando da formação ascética a ser dada aos irmãos, insistiu sobre a obediência como o primeiro valor religioso a cultivar: “na Congregação — dizia — a obediência é tudo”;40 “é a base e o apoio de toda virtude”;41 “é a alma das Congregações Religiosas”.42 Insis­tiu claramente sobre isso na Introdução às Regras, citando S. Jerônimo, S. Boaventura e S. Gregório Magno e acrescentando ainda que esse “primeiro lugar” da obediência se experimenta também em sentido negativo e contrário quando se provoca a queda da identidade e da pertença, substituindo à obediência a própria vontade: “a partir desse dia — escreve Dom Bosco — começareis a mostrar-vos desconten­tes com o vosso estado”.43

Podemos também encontrar uma inspira­ção mariana dessa centralidade no sonho da fita,44 onde Maria SS. sugere a Dom Bosco: “amarra-os com a obediência”.

Uma das principais razões da prioridade da obediência para o Salesiano deve-se buscar na importância peculiar que tem a “missão” na vida45 e na sua modalidade comunitária.46 Para um Salesiano a “disponibilidade” está na própria base da Pro­fissão religiosa;47 para Dom Bosco uma genuína e apro­priada virtude de obediência era exigida como elemento prioritário também nos jovens para a sua educação.48

E na redação do sonho, Dom Bosco afirma precisamente que o diamante “maior e mais fulgurante estava no meio como o centro de um quadrilátero, e trazia escrito Obediência”. Os outros quatro diamantes da parte posterior “faziam convergir seus raios luminosos para o diamante do centro”!

É também significativo observar que o dia­mante da Obediência está no centro, correspon­dendo ao da Caridade. Na realidade, a obediên­cia salesiana deve concorrer para exprimir o “um só coração e uma só alma” da nossa vida de comunidade, fruto do vínculo da caridade fraterna que fundamenta e vivifica a nossa comunhão.49



Concretude da Pobreza



Uma segunda observação refere-se ao dia­mante da Pobreza. Sobre os seus raios se lê: “A pobreza se obtém não com as palavras, mas com o coração e com as obras”. Depois, em seu lugar, a traça raivosa do manto descolorido e puído da segunda parte do sonho traz as pala­vras: “Leito, roupas, bebida e dinheiro”.

O voto de pobreza ao qual se refere esse diamante também deve ser considerado no con­junto do quadro característico da “parte poste­rior”, ou seja, do que não se expõe imediatamente à vista. Faz parte do compromisso de renúncia e ascese próprio de quem é consagra­do, quer individualmente como pessoa, quer comunitariamente na casa em que vive.

Dom Bosco dizia que “o decoro do religio­so é a pobreza”,50 “acompanhada, porém, do asseio da pessoa”;51 que nós devemos “fugir do abuso do supérfluo... o que temos não é nosso, mas dos pobres: ai de nós se não fizer­mos bom uso dele!”;52 e que “devemos amar a pobreza e os companheiros da pobreza;53 nada de comodidade, pois, mas vida espartana: devemos “ter a pobreza no coração para praticá-la!”.

O diamante da Pobreza recorda, portanto, uma atitude do coração e um estilo pessoal e comunitário de vida, pelo qual “como os Apóstolos ao convite do Senhor, nos libertamos da solicitude imediata dos bens terrenos, e, pondo nossa confiança na Providência do Pai, dedicamo-nos plenamente ao serviço do Evan­gelho”.54

O aspecto apostólico e mais diretamente visível da nossa pobreza reflete-se mais nos dia­mantes da parte anterior. Dom Bosco dizia que “devemos ter o espírito de pobreza não só no coração e no desapego das coisas materiais, mas demonstrá-lo também externamente perante o mundo”.55

Ora, essa demonstração se percebe não só no tipo de destinatários aos quais nos dedica­mos, mas, particularmente, em nosso estilo público de vida e de apostolado. Os diamantes do “Trabalho” e da “Temperança” devem considerar-se acertadamente como expressão social da nossa pobreza,56 não só porque com eles nos associamos aos pobres, mas também porque queremos com eles teste­munhar um tipo de convivência inspirada na pobreza de Cristo no discurso da montanha. Tal testemunho é chamado a sugerir ao mundo os elementos inspiradores de uma sociedade alternativa não materialista; como se afirmou em Puebla: “No mundo de hoje, esta pobreza (inspirada no Evangelho) é um desafio ao ma­terialismo e abre as portas a soluções alternati­vas da sociedade de consumo”.57 Nosso gênero de vida deve estar em antítese tanto com os esquemas capitalistas como com os sociopolíticos. Não por influência ideológica ou por escolha classista, mas por explícita e clara inspiração evangélica, alimentada e atualizada continuamente «pelo mistério de Cristo e expressa no equilíbrio do bom senso e na capa­cidade de diálogo com todos, que caracterizou a conduta de Dom Bosco numa sociedade ator­mentada pela procura de nova estruturação.



Exigências da Castidade



Outra observação refere-se ao diamante do voto de castidade: “Seu esplendor — lê-se no sonho — emitia uma luz toda especial e atraía o olhar como o ímã atrai o ferro”.

Dom Bosco insistia muitas vezes sobre o “esplendor” da castidade no Salesiano. Quer exprimir algo mais que a Regra beneditina onde se diz que se deve “amar a castidade”. Não só amá-la e praticá-la, mas fazê-la “brilhar”!

Bem sabemos como o nosso Pai insistia nos valores da castidade. O Salesiano é feito para os jovens e deve mostrar a todos um coração simpaticamente cheio de caridade pas­toral para construir amizade; para ele “não basta amar”; deve ainda “fazer-se amar”! Isso não é fácil.58 Por isso, a formação ascética do Salesiano exige que se saiba testemunhar uma castidade insuspeitável, e muitas precauções de prevenção e defe­sa: o carinho salesiano é impraticável sem a pureza!



A Castidade é para nós “a virtude suma­mente necessária” mesmo em relação à nossa missão educadora que deve trazer uma men­sagem especial sobre o amor no mundo juvenil, hoje tão erotizado. Por outra parte, como escreve Dom Bosco na Introdução às Regras, “essa pérola inestimável sofre muitos e insidio­sos ataques do inimigo de nossas almas, porque ele sabe que se no-la conseguir roubar, pode-se dizer arruinado o negócio da nossa santifi­cação”.59 De aí a necessidade de muitas precauções de preven­ção e de defesa que devem acompanhar inteli­gentemente a ascese salesiana.

Tais precauções podemo-las concentrar no diamante do “Jejum”.

No sonho, esse diamante aparece claramen­te distinto, como dissemos, do da “Temperança”. Sua colocação na parte posterior está a indicar um elemento indispensável de formação ascé­tica. O diamante da Temperança, ao invés, indi­ca um traço fisionômico que caracteriza o pró­prio rosto do Salesiano.

Para o P. Rinaldi, o diamante do Jejum queria significar todo o vasto setor ascético da mortificação dos sentidos. Nunca se viu casti­dade sem mortificação. Dom Bosco falava fre­quentemente da “bela virtude”, mas sempre ligada a um espírito de mortificação feita de múltiplas e quotidianas iniciativas. Preocupava-o mais como se pode guardar a Castidade do que sua própria beleza, por outra parte clara e afirmada frequentemente por ele. Há aí uma confirmação do agudo sentido de praticidade pedagógica característico na mentalidade do nosso Pai.



Sentido do paraíso



Não pode faltar, enfim, uma observação sobre o diamante do “Prêmio”, que não se deve confundir com o da “Esperança”.

O diamante da Esperança está colocado bem na frente do peito e põe em evidência o dinamismo e a atividade do Salesiano na cons­trução do Reino; a constância dos seus esforços e o entusiasmo do seu empenho fundam-se sobre a certeza da ajuda de Deus, que se faz presente pela mediação e intercessão dos dois ressuscitados: Cristo e Maria.

Nas costas, ao invés, o diamante do Prémio salienta antes uma atitude constante da cons­ciência que impregna e anima todo o esforço ascético: “um pedaço de paraíso conserta tudo!”.

O Salesiano — dizia Dom Bosco — “está pronto a suportar o calor e o frio, a sede e a fome, as fadigas e o desprezo sempre que se tratar de Deus e da salvação das almas”.60 O esteio interior dessa exigente capacidade ascética é o pensamento do paraíso como reflexo da boa consciência com que tra­balha e vive, “Em qualquer cargo, trabalho, pena ou desgosto, nunca nos esqueçamos que (...) Deus tem em conta muito minuciosa as mais pequeninas coisas feitas em seu santo nome e é de fé que, a seu tempo, nos premiará superabundantemente. No fim da vida, quando comparecermos em seu divino tribunal, olhando-nos com olhos cheios de amor, dir-nos-á: ‘Muito bem, servo bom e fiel; já que foste fiel nas coisas pequenas, dar-te-ei a administração das grandes: entra no gozo do teu Senhor’ — Mt 25,21”.61 “Nas fadigas e nos sofri­mentos não esqueçamos nunca que temos um grande prêmio preparado no céu”.62 E quando o nosso Pai diz que o Salesiano extenuado pelo muito trabalho representa uma vitória para toda a Congregação, parece sugerir precisamente uma dimensão de comunhão fraterna no Prêmio. Um como sen­tido comunitário do paraíso!

O pensamento e a consciência contínua do paraíso é uma das ideias soberanas e um dos valores estimulantes da espiritualidade típi­ca e da pedagogia de Dom Bosco. E como ilumi­nar e aprofundar o instinto fundamental da alma que tende vitalmente ao próprio fim último (cf. as sete Boas-noites dadas sobre “por que deve­mos ter certeza de que Deus quer dar-nos o paraíso”).63



O específico Salesiano



Se à luz da unidade complementar das duas perspectivas do personagem nos perguntarmos qual é a nossa especificidade ou — como dizia o P. Rinaldi — a originalidade própria da “espi­ritualidade da vida salesiana”,64 parece-me que não é difícil responder com a ajuda do sonho: é todo o con­junto harmônico dos dez diamantes, na unidade viva e luminosa do personagem que veste o manto. É bastante evidente que “parte ante­rior” e “parte” posterior” indicam realidades complementares inseparáveis. Trata-se de uma pessoa (ou de uma comunidade fiel), toda vol­tada para o mistério de Deus, convencida da vitória final do bem sobre o mal, empenhada incansavelmente na construção do Reino, com o coração impregnado de uma caridade pastoral que é amor traduzido em bondade e decidida a um constante e bem concreto exercício de ascese. Tudo isso exprimiu-se historicamente, de forma sensível e viva, na obra-prima do Espírito Santo que é a pessoa de Dom Bosco. Como acima indicávamos, citando o P. Rinaldi: “todos os diamantes têm luz própria, mas todas essas luzes não são senão uma só luz: Dom Bosco!”.

O “específico”, pois, do espírito salesiano, mais que uma nota ou uma virtude, é um con­junto de atitudes, de convicções profundas e de experiências metodológicas bem comprovadas, que confluem harmonicamente na criação de um estilo original e peculiar de santidade e apostolado. Para individuar essa especificidade mais serve a descrição do sonho de S. Benigno que uma definição abstrata. Mais vale olhar para Dom Bosco que uma esquematização teórica.

Para pôr em prática as características do salesiano específico, ou seja, para nos tornar­mos — como escreve o P. Rinaldi — “uma ver­dadeira encarnação desse personagem vivo”,65 é preciso todo um clima de convivên­cia e de formação inspirado nas Constituições e nas genuínas Tradições. Elas nos ajudam a transmitir de maneira vital e genuína a “expe­riência de Espírito Santo” que foi suscitada e vivida nas origens em comunhão com o nosso Pai e Fundador.

Exorta-nos o P. Rinaldi a copiar o modelo do sonho (não só individual, mas também comunitariamente) “nos seus mínimos parti­culares, para que a Sociedade Salesiana refulja como deve ser em todo o mundo. Porque no augusto personagem da visão, o ‘Bem-aventurado’ contemplou precisamente a Sociedade Salesiana em toda a magnificência do seu man­to e das suas luzes, que somos nós (...). Ora, nós salesianos devemos, sim, zelar individual­mente por adquirir e lavrar progressivamente preciosos diamantes. Mas se quisermos que eles brilhem em todo o seu esplendor, devemos ser UM SÓ, como o rico manto do personagem-modelo com a observância das Constituições, praticadas em conformidade com os Regulamen­tos e as tradições paternas”.66



A Ruína da sua identidade



A segunda cena do sonho é dramática. Des­creve “o contrário do verdadeiro Salesiano”:67 o Antisalesiano! Lança-nos nos olhos a terrível dialética “salesianidade — antisalesianidade”, que é como uma espada de Dâmocles que ameaça a nossa vida e da qual devemos saber defender-nos continuamente.

A cena pareceu muito deprimente às nossas primeiras gerações. Para nós, hoje, após a grave crise sobretudo dos anos 60 e 70, ela deve constituir um quadro especial de referência para refletir sobre certos abandonos, muito numerosos nestes anos.

Entre os que me pediram que oferecesse aos irmãos algumas reflexões sobre o sonho, um houve que insistiu em observar a possibilidade de perceber uma sugestão especial para nós na data “1900” posta no início da segunda cena: “A Pia Sociedade Salesiana como corre o perigo ser no ano 1900”.

Poderia ser — dizia-me — uma advertência de atualidade, se aquele “1900” significasse uma data aberta pelas primeiras duas cifras, mas a definir-se ao longo do século. Faltaria hoje menos de vinte anos para individuá-la. E não lhe parece que a grave crise destes últimos tempos poderia também ser aprofundada com a grave advertência que provém do manto puído?

Prescindindo dessa hipótese curiosa, é igualmente atual e frutuoso pormo-nos a medi­tar sobre o que Dom Bosco quis dizer-nos Advertências severas sobre o futuro da nossa vocação fê-las Dom Bosco mais de uma vez nas conferências e nos sonhos. Lembremos, como exemplo, o dos demónios reunidos para destruir a Congregação.68 A cena desconcertante do nosso sonho tem uma força dramática e admoestadora que não há necessidade de ligar a uma data. Em tempos preocupantes como o nosso, a adver­tência do sonho pode adquirir sem mais uma atualidade mais incisiva, mas ele ultrapassa por certo a contingência também desta conjuntura histórica.

Já meditamos sobre o tema alarmante da crise da vida religiosa, hoje, na carta circular “Dar força aos irmãos”, apresentada no ano passado nos Atos.69 Aqui nos limitamos simplesmen­te a sublinhar a gravidade e seriedade da adver­tência do sonho.

O personagem tem agora um “aspecto me­lancólico, como de quem está para chorar. O manto estava desbotado, puído e rasgado. Onde antes estavam os diamantes, via-se agora profundo estrago causado por traças e outros pequenos insetos (...), os dez diamantes haviam-se transformado em traças que estavam a roer o manto”.



Adulteração do rosto



Na frente: em vez dos diamantes da Fé, Esperança e Caridade, há inscrições que indicam o enfraquecimento absoluto do sentido sobre­natural com a consequente grave decadência espiritual. Sabemos também que ele costuma ser substituído por opções ideológicas do mo­mento, tendentes a justificar de várias maneiras a profunda mudança de identidade em curso. Isso leva facilmente à consequência última do abandono.

Evidentemente, no lugar do Trabalho e da Temperança estarão o Ócio com a negligência pastoral, e o Aburguesamento com as levian­dades e superficialidades das modas consumistas e de alguma bandeira ideológica do momento.



Desmantelamento da estrutura



No verso, há o progressivo desmantelamento de toda a estrutura ascética, começando pela marginalização da Obediência. Destrói-se assim o fundamento prático da nossa espiritualidade, cortam-se os laços da comunhão, agiganta-se o individualismo e afasta-se até mesmo a possibilidade de recuperação.

Em vez da Castidade surge a concupiscên­cia com uma necessidade imatura e compulsiva de afeto sensível que leva facilmente às quedas mais impensadas.

A Pobreza, com as suas exigências concre­tas de desapego, de dependência, da colocação em comum e das regras de uso, é julgada culturalmente superada e em seu lugar aparece um contínuo afã de comodidades, guiado só pelo egoísmo e acompanhado de uma independência malsã no uso do dinheiro.

No lugar do Prêmio, não se eleva mais o olhar ao Paraíso porque não se sente absolutamente a necessidade de amparar e alimentar quotidianamente um empenho de ascese. Vai, ao contrário, crescendo uma visão temporal, de acordo com um mais ou menos elegante horizontalismo, que acredita saber descobrir o ideal de tudo no próprio interior do devir humano e na vida presente.

Enfim, onde se achava o diamante do Jejum, vê-se apenas “um estrago, sem nada escrito”. Com a supressão da vigilância dos sentidos abre-se a porta a todo o gênero de ten­tações e desvios.

Como se vê, o quadro da crise está dessa maneira mais que suficientemente representa­do. Hoje diríamos:

na frente, sobre o rosto: enfraquecimen­to do sentido sobrenatural; com substituições ideológicas para uma pseudojustificação da mudança que se deu; e com o aburguesamento no estilo de vida;

atrás, em vez da estrutura ascética: individualismo; concupiscência; dinheiro; horizontalismo; proscrição da mortificação.

Há aqui todo um material de advertência para uma exigente revisão de vida!



Apelo à formação e ao discernimento vocacional em vista do futuro



A terceira cena do sonho apresenta um jovem vestido de branco que anima e exorta os Salesianos.

Lembra-nos que não trabalhamos sozinhos, mas que somos “servos e instrumentos” do Senhor. Por isso, ainda que o desafio seja angustiante, podemos de fato resistir e vencer: “sede fortes e corajosos!”, diz ele.

Sabemos muito bem que, de nós mesmos, somos frágeis e volúveis. Lembramo-lo na cir­cular “Dar força aos irmãos”;70 só Deus é forte. Só ele, por conseguinte, pode fortificar-nos. Só ele nos manterá firmes até o fim, porque nos colocou no sólido fundamento de Cristo. Ele é fiel, por essência, e nos protegerá do mal; a Ele pertence a potência pelos séculos!

Portanto, a primeira exortação que o jovem nos dirige é a da coragem e da esperança.

Mas depois lembra alguns meios indispen­sáveis de defesa e crescimento, que sentimos particularmente atuais após a recente publica­ção da “Ratio”.

O primeiro meio é dedicar-nos a traduzir os múltiplos ensinamentos do sonho em formação permanente: “prestai atenção”, “entendei bem”, “prevede e pregai”, “praticai as coisas que pregais para que vossas obras sejam luz”, “amai a tradição e transmiti-a de geração em geração”!

O segundo meio lembrado pelo jovem é o cuidado das vocações e a formação das novas gerações: “sede prudentes ao aceitar os noviços”, “sede fortes na formação deles”, “sede pruden­tes em admiti-los”, “provai-os”, “mandai embora os levianos e volúveis”!

Por fim, o terceiro grande meio apontado é a fidelidade ao Fundador vivida concreta e quotidianamente através do conhecimento, do amor e da prática das Constituições, que deve estar sempre no centro da consciência pessoal e comunitária como argumento de reflexão “da manhã e da noite”!

O Salesiano de hoje, a comunidade de cada casa, ouvirá essas advertências? Eis uma per­gunta angustiante que se apresenta no horizonte do futuro e propõe o problema do porvir da Con­gregação. É uma dúvida que, primeiro de todos, Dom Bosco levantou para si próprio. Quando sonhou, em 1881, sua vida encaminhava-se para o ocaso; na Itália, caíra o poder temporal dos Papas; a Igreja enfrentava novas e graves dificuldades; morto o Fundador, um Instituto incipiente poderia continuar? Não era, por certo, uma pergunta retórica: sabemos que, morto Dom Bosco, fez-se sob o pontificado de Leão XIII, a proposta de nossa anexação aos Escolápios.71

Pois bem: o sonho, nessa perspectiva, garan­tia então, em forma de vaticínio concreto, o futuro da nossa Congregação até o fim do século XIX e o começo do presente.

Com razão, pois, o sonho foi lido pela pri­meira geração dos Salesianos com intensa ótica profética. Ajudavam a interpretá-lo neste sen­tido as várias datas nele inseridas, tanto assim que era designado como o sonho do Futuro da Congregação.

Esse aspecto é um dado mais que interessante. Pode-nos sugerir também hoje, uma ocasião para desvendar um pouco o futuro da nossa vocação. A identidade vocacio­nal e o futuro, a fidelidade e o futuro, estão estreita e reciprocamente vinculados a uma vocação.

Esta reflexão pode ser feita de diferentes maneiras.

Uma, à maneira de santa utopia, como fizeram mais ou menos, algumas vezes, Pio IX e o próprio Dom Bosco. Pio IX, por exemplo, falando quase como um vidente, considerou com intuição pastoral a atualidade e a origina­lidade do Carisma de Dom Bosco. Dotado de sua aguda sensibilidade de homem de Deus: “Posso predizer — disse a Dom Bosco em 1877 — e escrevei a vossos filhos, que a Congregação florescerá, dilatar-se-á milagrosamente, durará nos séculos por vir (...), enquanto se procurar promover o espírito de piedade e de religião, mas especialmente de moralidade e de castida­de”.72

Também Dom Bosco afirmou em sentido profético em dois níveis distintos, o dos séculos (como Pio IX) e o dos decênios imediatamente futuros. Fê-lo a partir de inspirações do alto e convencido de profetizar o desenvolvimento de uma vocação suscitada por Deus e tão útil à nova sociedade. No primeiro nível, são vários os textos, digamos assim, “utópicos”, nos quais o nosso Pai nos oferece afirmações que parecem quase inacreditáveis, se não partissem da sua firme convicção de estar tratando com uma iniciativa do próprio Deus: “Se pudesse embal­samar e conservar vivos uns cinquenta Salesia­nos dos que agora estão entre nós — exclamou um dia —, daqui a quinhentos anos veriam que estupendo destino a Providência nos reserva, se formos fiéis (...). Poderá acontecer que alguma cabeça insana nos queira destruir, mas serão projetos isolados e sem apoio dos demais. Tudo está em que os Salesianos não se deixem levar pelo amor às comodidades e, assim, fujam ao trabalho”.73

No segundo nível há também numerosas afirmações e vários sonhos, com indicações concretas e explicitações inexplicavelmente exatas.74 O sonho de S. Benigno foi considerado por ele próprio como “o sonho sobre o estado futuro da Congregação”. Colocou nele até mesmo algumas dadas. “1881” na primeira parte, “1900” na segunda. E na nota: “pude observar ainda que muitos espinhos, muitas fadigas imi­nentes serão seguidas por grandes consolações. Por volta de 1890 grande temor, de 1895 grande triunfo”.75

É certo que a Congregação superou esses decênios gozando de boa saúde. Não foi anexa­da a outro Instituto religioso. Cresceu tanto no mundo que fez o Papa Paulo VI exclamar que no último século de história da Igreja deve-se reconhecer o surgimento do “fe­nômeno salesiano”.

Já dissemos que mais tarde, 50 anos depois, o P. Rinaldi, considerando que Dom Bosco teve uma preocupação especial em transmitir este sonho “para nossa instrução e para a preserva­ção da Sociedade no futuro”, fê-lo publicar nos Atos de dezembro de 1930, omitindo todas as datas então já superadas: “encontrá-lo-eis a seguir — escrevia — na sua primeira redação, sem as observações pessoais do Bem-aventurado que na limitação do tempo diminuíam-lhe a importância universal”.76

Assim apresentado, o sonho tornou-se men­sagem viva e ensinamento premonitório para o futuro da Congregação em todos os tempos, uma visão original sobre a qual refletir e um tema rico a ser estudado como quadro de refe­rência da salesianidade dos filhos de Dom Bosco nos séculos.

É preciso, pois, também hoje, “prestar atenção e entender bem” o que nele se diz.

E, dessa forma, outra maneira de refletir sobre o futuro da Congregação, a única praticamente realista para nós, é a que tentamos fazer juntos ao meditar a circular “Dar força aos irmãos”.77 Insinuamos ali uma leitura da crise que estamos atravessan­do, propondo-nos perceber os seus sintomas posi­tivos e aprofundando a hora extraordinária de Espírito Santo que a Igreja está a viver; mas também tivemos que deter-nos seriamente sobre o fenômeno das negligências. Será sem dúvida útil meditar este sonho a partir da nossa situação crítica destes anos.

O contraste entre a primeira e a segunda cena do sonho é verdadeiramente dramático: “corruptio optimi pessima”. Cada um de nós também pôde ver nestes tempos com os próprios olhos “o contrário do Salesiano”, aqui e ali, em carne e osso. O risco que a Congre­gação corre não é imaginário. Algumas linhas funda­mentais, tão intensamente cultivadas nas ori­gens, como o “Trabalho” e a “Temperança”, têm, hoje, a densidade e clareza dos tempos de Dom Bosco?

O clima sobrenatural e a genuinidade do impulso pastoral, ou seja, o amor que é dom do Espírito do Senhor, ainda é a verdadeira alma das nossas atividades e a atmosfera quoti­diana das nossas casas? Na raiz de todos os nossos compromissos há deveras um motivo de obediência religiosa? Acreditamos ainda na indispensabilidade de uma sadia disciplina que nos faça ser na prática de cada dia autênticos discí­pulos do Cristo, casto, pobre, obediente?

Eis, então, que o sonho de cem anos atrás ainda nos inter­pela. De certa maneira, o “qualis esse periclitatur” é mais atual hoje do que então.

Meditemos, pois, individualmente e na co­munidade este sonho premonitório; reflitamos sobre o apelo angustiado do jovem; e, sobre­tudo, entusiasmemo-nos pelos valores da nossa vocação, cultivemo-los com cuidado e transmi­tamo-los com fidelidade. Consideremos sempre o crescimento da nossa vocação como uma iniciativa do Alto e também nos sintamos convidados a cantar com sincera gratidão: “Glorifica, ó Senhor, o teu nome, não a nós”.

Queridos irmãos, eis aí um pequeno patri­mônio espiritual a ser novamente tomado em consi­deração, meditado, aplicado.

Imaginemos que a voz admoestadora da terceira cena do sonho se erga até nós de nume­rosos jovens necessitados que nos interpelam.

A vocação salesiana foi suscitada para os jovens. Dom Bosco é um presente de Deus feito aos jovens; é o amigo deles, sinal e portador para eles da predileção de Cristo. Eles têm grande necessidade da sua amizade. Deus deu como dote à juventude que nos rodeia uma espécie de “direito” à vocação salesiana, no sen­tido que Cristo e Maria quiseram esta vocação justamente para eles. Basta lembrar o sonho dos nove anos!78 Urge, pois, oferecê-la aos jovens de hoje nos seus mais autênticos valores, testemunhados com robusta vitalidade.

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Aproveitemos da ocorrência do centenário do sonho para renovar-lhe a lembrança e o aprofundamento. Entesouremos seus ensina­mentos e admoestações.

Inspire-nos e ajude-nos Nossa Senhora, de cujo santo nome Dom Bosco comemorou a memória litúrgica antes de iniciar o sonho.

A cada um de vós envio minhas mais cordiais saudações, ao mesmo tempo que garanto uma lembrança diária na Eucaristia e no Terço.

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Com estima e afeto,

O SONHO DO PERSONAGEM DOS DEZ DIAMANTES



S. Benigno Canavese: noite de 10 para 11 de setembro de 1881



O texto que apresentamos baseia-se na cópia passada a limpo pelo P. Berto com as correções de Dom Bosco, confrontado com a primeira redação autógrafa (cf. Archivio Salesiano Centrale A2230308). Servimo-nos também da edição crítica de Cecília Romero (“I sogni di Don Bosco — Edizione critica” Torino 1978 LDC). Tomamos a liberdade de:

  • traduzir as expressões latinas (como na publicação do P. Ziggiotti);

  • deixar de lado algumas datas já superadas (como na segunda publicação do P. Rinaldi);

  • colocar um título e subtítulos que nos parecem mais apropriados e que ajudam a apre­sentar o sonho com maior clareza e agilidade tipográfica. [Obs.: Ver nos Atos do Conselho Superior 300, pp. 40-41, uma ilustração da localização dos diamantes]





A graça do Espírito Santo ilumine os nossos sentidos e os nossos corações. Amém.

PARA INSTRUÇÃO DA PIA SOCIEDADE SALESIANA.

Em 10 de setembro do corrente ano (1881), dia que a Santa Igreja consagra ao glorioso Nome de Maria, os Salesianos reu­nidos em S. Benigno Canavese faziam os Exercícios Espirituais.



  • O modelo do verdadeiro Salesiano”



Na noite de 10 para 11, enquanto eu dormia, achei-me com o espírito numa grande sala esplendidamente ornamentada.

Parecia-me estar passeando com os Diretores das nossas casas, quando apareceu entre nós um homem de tão majestoso aspecto que não podíamos fitar os olhos nele. Depois de lançar-nos um olhar, sem dizer palavra, pôs-se a caminhar a alguns passos de distância de nós.

Um rico manto à guisa de capa cobria-o todo. A parte pró­xima ao pescoço era uma como faixa que se atava na frente, e sobre o peito pendia um laço.

Na faixa estava escrito em caracteres luminosos: “A Pia Socie­dade Salesiana”, e na borda dessa faixa liam-se as palavras: “Qual deve ser”.

Dez diamantes de tamanho e fulgor extraordinário mal nos permitiam fitar o augusto personagem.

Três deles achavam-se sobre o peito. Num deles estava escrito “Fé”, noutro “Esperança” e no que estava sobre o coração, “Caridade”.

Um quarto diamante, no ombro direito, trazia a palavra “Trabalho”. Outro, no ombro esquerdo, “Temperança”.

Os outros cinco ornavam a parte posterior do manto e esta­vam assim dispostos:

O maior e mais resplandecente era como o centro de um quadrilátero, e tinha escrito “Obediência”.

No primeiro da direita lia-se “Voto de Pobreza”.

No segundo, mais abaixo “Prêmio”.

À esquerda, no que ficava mais alto, lia-se “Voto de Casti­dade”. Seu esplendor emitia uma luz toda especial e atraía o olhar como o ímã atrai o ferro.

No segundo, da esquerda, estava escrito “Jejum”.

Os quatro faziam convergir os seus luminosos raios para o diamante do centro.



  • Algumas máximas ilustrativas



Para não causar confusão deve-se notar que esses brilhantes despediam raios que se elevavam quais pequenas chamas e traziam escritas cá e acolá várias sentenças:

Sobre a Fé: “Tomai o escudo da fé a fim de poderdes com­bater contra as insídias do demônio”. Em outro raio: “A Fé sem obras é morta. Não os que escutam a lei, mas os que a praticam é que possuirão o reino de Deus”.

Sobre os raios da esperança: “Esperai no Senhor e não nos homens. Estejam sempre fixos os vossos corações onde estão os verdadeiros gozos”.

Nos raios da Caridade: “Suportai-vos uns aos outros, se que­reis observar a minha lei. Amai e sereis amados. Mas amai as vossas almas e as do que vos são confiados. Recitai com devoção o ofício divino; a missa seja celebrada com atenção; visitai com muito amor o Santíssimo Sacramento”.

Sobre a palavra Trabalho: “Remédio da concupiscência. Arma poderosa contra todas as insídias do demónio”.

Sobre a Temperança: “Se tiras a lenha, o fogo se apaga. Fazei um pacto com vossos olhos, com a gula, com o sono, para que tais inimigos não se assenhoreiem de vossa alma. Intemperança e Castidade não podem viver juntas”.

Nos raios da Obediência: “Fundamento de todo o edifício e compêndio da santidade”.

Nos raios da Pobreza: “Deles é o reino dos céus. As riquezas são espinhos. A pobreza se obtém não com as palavras, mas com o coração e com as obras. Ela nos abrirá a porta do céu”.

Nos raios da Castidade: “Junto com ela vêm todas as vir­tudes. Os puros de coração penetram os segredos de Deus e um dia verão o mesmo Deus”.

Nos raios do Prêmio: “Se nos agrada a grandeza dos prêmios, não nos amedronte a multidão das fadigas. Quem sofre comigo, comigo há de gozar no céu. É momentâneo o que se padece na terra; eterno o que no céu hão de gozar os meus amigos”.

Nos raios do Jejum: “Arma poderosíssima contra as insídias do inimigo. Guarda de todas as virtudes. Por meio dele será lan­çada fora toda a classe de inimigos”.



  • Advertência autorizada



Uma larga faixa cor de rosa servia de orla à parte inferior do manto. Nela estava escrito: “Argumento de pregação, de manhã, ao meio-dia e à noite. Praticai as pequenas virtudes e erguereis um grande edifício de santidade. Ai de vós que desprezais as coisas pequenas. A pouco e pouco caireis nas grandes”.

Até esse ponto alguns Diretores mantinham-se de pé, outros de joelhos; mas todos atônitos e ninguém falava. Então o P. Rua, como se estivesse fora de si, exclamou: “É preciso tomar nota de tudo para não nos esquecermos”. Procura uma caneta e não encontra; toma a caderneta, procura um lápis e não encontra. “Eu me lembrarei”, disse o P. Durando. “Vou tomar nota”, acres­centa o P. Fagnano, e pôs-se a escrever com a haste de uma rosa.

Todos olhavam e compreendiam a escrita. Assim que o P. Fagnano acabou de escrever, o P. Costamagna continuou a ditar: “A Caridade tudo entende, tudo suporta, tudo vence; preguemo-la com as palavras; e com os fatos”.



  • O contrário do verdadeiro Salesiano”



Enquanto o P. Fagnano escrevia, a luz desapareceu, e ficamos imersos em densa treva. “Silêncio, disse o P. Ghivarello, ajoelhemo-nos, rezemos, e a luz voltará”. O P. Lasagna começou o “Veni Creator”, depois o “De Profundis”, “Maria Auxilium, etc.”, ao que todos respondemos.

Quando dissemos “Ora pro nobis”, reapareceu uma luz, ro­deando um cartaz em que se lia: “A Pia Sociedade Salesiana qual corre perigo de se tornar”. Após um instante a luz se fez mais viva, de sorte que nos podíamos ver e reconhecer uns aos outros.

No meio desse resplendor apareceu de novo o Personagem de antes, mas com aspecto melancólico, como de quem está para chorar. O manto estava desbotado, puído e rasgado.

Onde antes estavam os diamantes, via-se agora profundo estrago causado pelas traças e por outros pequenos insetos.

Olhai — disse o personagem — e entendei”.

Vi os dez diamantes transformados em traças que estavam a roer o manto.

Em lugar do diamante da Fé, agora se lia: “Sono e indo­lência”.

Em vez de Esperança: “Risadas e vulgaridades”.

Em vez de Caridade: “Negligência nas coisas de Deus. Amam e buscam o que lhes interessa e não o que interessa a Jesus Cristo”.

Em vez de Temperança: “Gula, e aqueles cujo Deus é o próprio ventre”.

Em vez de Trabalho: “Sono, furto e ociosidade”.

No lugar da Obediência não havia senão uma falha larga e profunda, sem nada escrito.

Em vez de Castidade: “Concupiscência dos olhos e soberba da vida”.

Em vez de Pobreza: “Leito, roupas, bebida e dinheiro”.

Em lugar de Prêmio: “Nossa herança serão os bens da terra”.

Onde antes estava Jejum havia outra grande falha, sem nada escrito.

Diante dessa visão ficamos todos estarrecidos. O P. Lasagna caiu desmaiado. O P. Cagliero tornou-se pálido como cera e apoiando-se numa cadeira exclamou: “Possível que as coisas tenham chegado a esse ponto?”. O P. Lazzero e o P. Guidazio estavam como fora de si e deram-se as mãos para não caírem. O P. Francesia, o Conde Cays, o P. Barberis e o P. Leveratto estavam de joelhos e rezavam com o terço na mão.

Foi quando se ouviu uma voz cavernosa: “Como esvaeceu aquela esplêndida cor!”.



  • Mensagem de um jovem



À escuridão seguiu-se um fenômeno singular.

Vimo-nos de repente rodeados de densas trevas, no meio das quais apareceu logo uma luz vivíssima que tinha a forma de corpo humano. Não podíamos fixar nela os olhos, mas percebemos que era um gracioso menino vestido de um hábito branco tecido de ouro e prata. Ao redor de todo o hábito havia uma faixa de dia­mantes muito luminosos.

Com aspecto majestoso, mas doce e amável, aproximou-se um pouco de nós e dirigiu-nos estas palavras textuais:

Servos e instrumentos de Deus onipotente, atendei e ficai sabendo. Tende coragem e sede fortes.

O que vistes e ouvistes é um aviso do céu dado agora a vós e a vossos irmãos: atendei bem e compreendei as minhas palavras.

Quando previstos, os golpes ferem menos e podem ser evi­tados.

Todas as palavras aqui escritas sejam argumento de pregação. Pregai sem descanso, oportuna e importunamente.

Mas praticai constantemente o que pregais, para que vossas obras sejam luz, que se transmita como tradição segura aos vossos irmãos e filhos, de geração em geração.

Atendei bem e ficai sabendo.

Tende muito tino ao aceitar os noviços: sede fortes na for­mação deles; prudentes na admissão. Provai a todos, mas só con­servai os que forem bons. Despedi os levianos e inconstantes.

Atendei bem e ficai sabendo.

A meditação da manhã e da noite seja constantemente sobre a observância das Constituições. Se assim fizerdes, jamais vos faltará o auxílio do Onipotente. Sereis alvo dos olhares do mundo e dos anjos e então a vossa glória será a glória de Deus.

Os que virem o findar deste século e o início do outro hão de dizer de vós: esta é obra de Deus, admirável aos nossos olhos. Então os vossos irmãos e os vossos filhos hão de cantar a uma só voz: Glorifica, ó Senhor, o teu nome, não a nós”. Estas últimas palavras foram cantadas, e à voz de quem falava uniu-se uma multidão de outras vozes tão harmoniosas e sonoras que ficamos sem sentidos, e para não cairmos desmaiados pusemo-nos a cantar juntos.

Terminado o canto, a luz escureceu. Então acordei e percebi que ia amanhecendo.



  • Apostila de Dom Bosco



O sonho durou quase toda a noite, e de manhã achei-me com as forças esgotadas.

Temendo, porém, esquecê-lo, levantei-me às pressas e tomei algumas notas, que me serviram para lembrar o que hoje, dia da Apresentação de Nossa Senhora no Templo, vos acabo de expor.

Não me foi possível lembrar tudo.

Entre as muitas coisas pude notar com segurança que o Senhor usa de grande misericórdia para conosco. Nossa sociedade é abençoada pelo céu, mas ele quer que contribuamos com o nosso trabalho.

Havemos de prevenir os males que nos ameaçam se pregar­mos sobre as virtudes e os vícios aqui apontados, se praticarmos o que pregamos e o transmitirmos aos nossos irmãos com uma tradição prática do que se tem feito e do que havemos de fazer.

Maria, Auxílio dos Cristãos, rogai por nós!



1 ACS 55, 1930, p. 923

2 Ib., p. 924

3 A festa do S. Nome de Maria foi instituída pelo Bem-aventurado Inocêncio XI em memória da vi­tória dos exércitos cristãos contra os turcos em Viena, a 13 de setembro de 1683. Fixou-a no primeiro domingo após a Natividade de Maria. O ano 1881, do qual Dom Bosco fala no “Sonho”, o domingo depois da Natividade de Nossa Senhora (isto é, depois do dia 8 de setembro) era justamente o dia 10 e, por conseguinte, “o dia que a Santa Igreja consagra ao glorioso nome de Maria”. Mais tarde, no início do nosso século, S. Pio X, para não ocupar um domingo, fixou a festa do Nome de Maria no dia 12 de setembro.

4 MB XV, 182.

5 Cecilia Romero: “I Sogni di Don Bosco — Edizione critica”, Torino, 1978 LDC.

A Autora apresenta o sonho juntamente com outros que Dom Bosco teve no último período de sua vida: 1870-1887. “Essa circunstância — escreve Ir. Romero à p. 10 — reflete-se de maneira evidente sobre o conteúdo dos próprios so­nhos.

O momento histórico em que se situam, após o fim do poder temporal dos papas, caracteriza-se por pro­funda mudança sociopolítico-religiosa. Entre os pro­blemas que de aí derivam, é dos mais graves o das vocações religiosas e sacerdotais.

Além disso, era para Dom Bosco um período de reflexão sobre sua obra educativa e a Congrega­ção. Ela deve consolidar-se a fim de corresponder às expectativas da Igreja e da sociedade do presente e do futuro; tem, pois, necessidade de vigoroso desenvolvimento, também para adaptar-se à rápida e grande expansão missionária que caracteriza a segunda parte do século XIX.

Tal conjuntura de reflexão evidencia-se outrossim em várias obras que Dom Bosco escreveu nesse período. Basta citar, entre outras: as ‘Memórias do Oratório’ (1873-1875), e o opúsculo sobre o ‘Sistema Preventivo’ (1877).

Vistos sob esse ângulo, os sonhos assumem parti­cular importância, quer pelo conteúdo em si, quer pelas características comuns e particulares, que dão a possibilidade de análise em diversas dimensões: psicológi­ca, parapsicológica, pedagógica, teológica, histórica, etc.”.

6 P. Stella, Don Bosco nella storia delia religiosità cattolica, vol. II, p. 527

7 MB XV, 182.

8 Lettere circolari di Don Paolo Albera ai Salesiani — edizione 1965, p. 370

9 cf. ACS 23, 1924, 197; 55, 1930, 923-924; 56, 1931, 933-934; 57, 1931, 965

10 ACS 23, p. 200-203.

11 ACS 55, p. 925-930.

12 ACS 23, p. 175.

13 ACS 23, p. 174ss.

14 ACS 56, p. 933ss.

15 Romero, “I sogni di Don Bosco”, cf. nota 5.

16 ACS 56, p. 934.

17 ACS 56, p. 934.

18 ACS 57, 965.

19 ACS 56, p. 933-934.

20 ACS 55, p. 923.

21 Ib.

22 Const. 49.

23 ACS 56, p. 934.

24 Ib.

25 Cf. ACS 298, p. 629-680.

26 ACS 23, p. 184.

27 Citado pelo P. Rinaldi, ACS; ver MB XIII 82-83

28 CGE, 729.

29 Cf. Const. 42, 43, 87.

30 MB XII, 466-467.

31 Traité de l’amour de Dieu, 1. 7, cap. 7, em Opera Omnia V, 29-32.

32 ACS 209, 1978.

33 LG, 46.

34 Cf. 1Jo 5,4.

35 Cf. Const. 47.

36 Cf. Const. 43.

37 Lettere circolari di don Paolo Albera ai Salesiani, edizione 1965, p. 372).

38 Const. 40. Cf. 41, 48.

39 ACS 56, p. 934.

40 MB X, 1059.

41 MB XVII, 459.

42 MB XII, 459.

43 Const., Apêndice, p. 237.

44 MB II, 298ss.

45 Const. 3.

46 Const. 34. 50.

47 Cf. P. Stella, Don Bosco nella storia delia religiosità cattolica, vol. II, p. 402-407.

48 Cf. no mesmo volume, p. 227-240.

49 Const. 51.

50 MB XIV, 549.

51 MB XV, 682.

52 Ib.

53 MB X, 1046.

54 Const. 81; cf. 82 e 83.

55 MB V, 675.

56 Cf. Const. 87.

57 Documento de Puebla, 1152.

58 Recordemos o sonho do caramanchão de rosas: MB III 32ss.

59 Const., Apêndice, p. 237.

60 Const. 42.

61 Const., Apêndice, Introdução às Regras, p. 256-257.

62 MB VI, 442.

63 MB V, 554-556.

64 ACS 55, p. 923.

65 Ib., p. 924.

66 ACS, 506, p. 934-935.

67 Padre Rinaldi, ACS 55, p. 924.

68 MB XVII, 385ss.

69 Cf. ACS 295, 1980.

70 Cf. ACS 295.

71 Cf. E. Ceria: Annali delia Società Salesiana, I, p. 747-748.

72 Cf. ACS 23, p. 184-185.

73 MB XVII, 645.

74 Cf. p. ex., o sonho da roda, MB VI, 897ss.

75 ACS 15, p. 187.

76 ACS 55, p. 923.

77 ACS 295.

78 BM I, 123ss.