301-350|pt|347 - A Vida Consagrada Hoje

Egídio Viganò


O Simpósio dos Superiores Gerais sobre

A VIDA CONSAGRADA HOJE”


Atos do Conselho Geral


Ano LXXV – janeiro-março, 1993


N. 347



Introdução – Importância do Simpósio – Organização original dos temas – Dinâmica dos trabalhos –Núcleos centrais da Vida consagrada – A missão – A comunhão – A identidade – A formação e as vocações – O que dirão os Bispos na próxima reunião sinodal? – A caminho para o Sínodo


Roma, 8 de dezembro de 1993

Solenidade da Imaculada


Queridos irmãos,

estamos no clima litúrgico da vinda do Senhor: esperamos o advento do Natal e o início de um ano novo de vida e de trabalho. Vem espontâneo desejar-lhes os mais cordiais votos de crescimento na novidade de Cristo e de fecunda operosidade numa posterior etapa cronológica de responsabilidades. Juntos agradeçamos ao Senhor por quanto nos deu no ano que termina, e peçamos-lhe luzes e energias para todo 1994.

Será o ano do desejado Sínodo episcopal sobre a Vita consagrada. Um Sínodo chamado a tornar-se histórico nos anais da Igreja.

Para nós será de interesse particular para sabermos confirmar e desenvolver o processo de renovação já iniciado há anos.

Como um passo no caminho para o Sínodo e contribuição para ele, realizou-se em Roma, entre 22 e 27 de novembro de 1993, um Simpósio internacional sobre “A Vida consagrada hoje. – Carismas na Igreja para o mundo”, organizado pela União dos Superiores Gerais. Participei dessa reunião com outros seis irmãos e uma Filha de Maria Auxiliadora.

Acredito que seja útil oferecer à vossa consideração alguns dados e reflexões surgidos durante o encontro, esperando que sirvam para intensificar o clima de preparação ao nono Sínodo ordinário de outubro próximo.



Importância do Simpósio



Numa circular anterior com o significativo título Convidados a testemunhar melhor a nossa consagração,1 coloquei em relevo a importância que assume na Igreja o próximo Sínodo sobre a Vida consagrada.

Consciente desta importância, a União dos Superiores Gerais (USG) quis preparar um simpósio, que oferecesse ocasião para uma reflexão ampla e realista, e levasse a formular algumas propostas atuais e concretas a serem oferecidas ao Sínodo. O Simpósio, embora partindo da experiência dos Institutos propriamente “religiosos”, quis estar aberto à reflexão sobre toda a Vida “consagrada” pelas fortes convergências que tem, apesar das diferenças na comunhão da Igreja.

Dela participaram mais de 500 pessoas de cerca de 150 nações: 200 eram Superiores-Gerais, muitos acompanhados por membros de seus conselhos, 50 presidentes ou representantes das Conferências internacionais e nacionais dos religiosos/as e uma centena de teólogos. Estavam também presentes vários membros dos dicastérios romanos e alguns cardeais, bispos e leigos. Deve-se acrescentar ainda a consistente participação das Superioras-Gerais e teólogas da União Internacional das Superioras Gerais (UISG). Note-se que as Superioras-Gerais já tinham celebrado uma reunião semelhante, dado que, em vista do elevado número e da diversidade das avaliações, não lhes parecera nem possível nem oportuno uma reunião única.

A celebração de um Simpósio destas dimensões sobre a Vita consagrada pós-conciliar representou um momento de alegre tomada de consciência de nossos carismas na Igreja e abriu horizontes de esperança diante dos desafios do momento atual.

Foi uma profunda experiência de comunhão, diálogo e confronto entre diferentes carismas, tradições, continentes e culturas.

Manifestaram-se a mundialidade, a multiformidade cultural, a diversidade dos carismas, o sentido das Igrejas particulares, as experiências positivas, as perspectivas de futuro, a essencialidade da consagração, o valor teologal da missão, a riqueza da dimensão comunitária, a chama do ardor a ser acendida nas novas gerações.

O Santo Padre quis receber todos os participantes, na sexta-feira, 26 de novembro, e falou-lhes sobre temas apropriados e geradores de esperança para os mesmos consagrados e para toda a Igreja.

O Simpósio teve um êxito globalmente positivo, não só pela numerosa e constante participação, mas também pela qualidade das contribuições de estudo, pela intensidade do diálogo e pelas observações e propostas elaboradas.

Concluído o Simpósio, as “propostas” foram avaliadas pelos Superiores-Gerais em dois dias sucessivos (1 e 2 de dezembro) para serem enviadas oficialmente à Secretaria do Sínodo.

Creio que este foi o maior compromisso dos Institutos masculinos em preparação à reunião dos Bispos em outubro.



Organização original dos temas



A originalidade e o realismo na organização dos trabalhos do Simpósio constituem um aspecto interessante a ser sublinhado.

Desejou-se partir da situação presente do caminho vivido no período pós-conciliar, manifestando os valores constitutivos da Vida consagrada como respostas já em ato, mesmo se acompanhadas de fraquezas, aos desafios da mudança epocal que estamos vivendo.

Em vista disso percorreu-se um caminho diferente daquele dos “Lineamenta”, de certo modo complementar, oferecendo uma visão mais experiencial, fundada sobre as situações concretas destas décadas e sobre o momento atual muito diferente daquele em que o Vaticano II dispôs e estimulou “a atualização” dos Institutos religiosos.

Os “Lineamenta” partem do patrimônio doutrinal do Magistério, delineando em primeiro lugar a natureza e identidade da Vida consagrada e sua variedade carismática, para em seguida passar ao empenho de renovação realizado no pós-concílio, embora através de algumas ambiguidades e imperfeições; apresentam enfim, a Vida consagrada em sua vital participação da Igreja-comunhão e da Igreja-missão, com as exigências da nova evangelização.

Trata-se em definitivo de um resultado positivo o fato de o Simpósio ter seguido um caminho diverso, com a intenção de chegar à mesma meta. As duas óticas convergem substancialmente em suas conclusões, reforçando-se assim mutuamente no aprofundamento e orientação da Vida consagrada hoje.

Certamente o método do Simpósio supõe na base uma clara consciência da própria identidade, vivida na experiência do tempo e nos empenhos pós-conciliares de renovação.

O fato de o encontro ter começado com a apresentação dos resultados de uma pesquisa sociológica sobre a Vida consagrada nos USA (onde alguns consagrados estão em particular dificuldade) e com um estudo científico elaborado pelo Centro Loyola da Espanha, sobre cerca de 200.000 religiosos/as ocidentais, entendia oferecer um estímulo para tomar consciência da situação real a partir de uma base mais objetiva.

Os dois estudos sociológicos, limitados a algumas áreas e, portanto, um pouco redutivos, não foram oferecidos como leitura global da realidade da vida consagrada, que deve referir-se também a outros parâmetros. Mas realçaram a utilidade de uma mediação sociológica quando se busca descobrir, numa ótica de fé, o que Deus está dizendo através dos fatos, positivos ou negativos, em vista de um discernimento evangélico do processo de renovação em um momento não fácil de transformação.

A opção de “partir da realidade” quis convidar os participantes a privilegiarem esta mesma perspectiva em suas reflexões e abordagens, tanto mais que se tratava sobretudo de superiores empenhados quotidianamente na complexa responsabilidade de um caminho de renovação e, portanto, competentes numa experiência direta daquilo que é vivido.

Após as duas pesquisas sociológicas, enriquecidas pela experiência dos participantes, passou-se a analisar a Vida consagrada sob três aspectos fundamentais: missão, comunhão, identidade, na ordem indicada. Tratou-se, em concreto, de uma espécie de busca de autocompreensão da identidade da “vocação consagrada” diante das múltiplas interpelações das mudanças culturais e eclesiais; de uma tentativa de resposta à questão: “Qual é hoje a imagem transmissível da Vida consagrada?”. Sabendo que a identidade tem necessidade não só de uma apresentação doutrinal, mas também de uma descrição segundo uma linguagem teológico-narrativa, que leve em conta o fato de a Vida consagrada ser “vida” e “história”.

Durante a reflexão sobre os temas indicados e no momento da síntese, sublinhou-se também, como aspecto de particular urgência na atualidade, o argumento a formação e as vocações, retomado com particular cuidado pela assembleia dos Superiores-Gerais nos dois dias posteriores ao Simpósio.

Neste encontro “mundial”, no confronto de experiências e nas intervenções de pessoas com mentalidades e culturas diversas, não faltaram afirmações “discutíveis”, avaliadas nos interessantes e vivazes trabalhos de grupo. De outra parte, várias contribuições eram pensadas a maneira de estímulo e de informação para tornar presentes e fazer entender situações e mentalidades existentes de fato. Nem tudo o que foi afirmado nas contribuições e nas mesas redondas representa o pensamento conclusivo da assembleia.

Pode-se afirmar, contudo que através do diálogo, na variedade das situações, na multiplicidade dos carismas, nas diferenças das espiritualidades, na riqueza da experiência de Deus, percebeu-se com clareza uma convergência fundamental e uma rica perspectiva de pluralidade teológica.



Dinâmica dos trabalhos



É útil acenar à organização dos trabalhos, para se ver como foram realmente envolvidos tantos participantes.

Pela manhã, antes de tudo, eram apresentadas as amplas contribuições, nas quais confluiu o trabalho de bem dois anos por parte da USG; desenvolveram-se em seguida, em relação aos temas, quatro “mesas redondas” para oferecer estímulos do ponto de vista tanto “geográfico-cultural” como “carismático”.

Assim, por exemplo, no dia dedicado ao tema da “missão” intervieram, entre outros: o Pe. João E. Vecchi – nosso Vigário geral – com uma contribuição de tipo “geográfico-cultural” sobre a “missão” na América Latina durante estes anos de transformação; e o nosso irmão Pe. Ricardo Ezzati – adido à Congregação para os institutos de Vida consagrada, seção Religiosos – com uma contribuição de tipo “carismático” sobre os desafios à “missão” nos carismas de vida apostólica segundo a experiência vivida após o Concílio.

No período vespertino havia dois tempos de trabalho: o primeiro de reuniões, em bem 27 grupos linguísticos, para aprofundar as exposições da manhã em referência a quatro perspectivas ou aspectos particulares: “cultura”, “carismas”, “formação”, “futuro”, distribuídos entre os grupos.

No segundo tempo, os vários grupos linguísticos convergiam para amplas “constelações” (eram 5) a fim de concentrar as reflexões feitas nos grupos segundo duas direções sintéticas: os “aspectos doutrinais” e as “propostas” práticas. Dois diversos secretários em cada grupo levavam a síntese à constelação e, de aqui, um secretário anteriormente designado levava o fruto das jornadas de trabalho à equipe da secretaria central.

Um trabalho intenso e complexo do qual participaram todos os presentes ressaltando a capacidade de colaboração e de chegar a visões suficientemente compartilhadas entre pessoas com tanta variedade de carismas e provenientes de numerosas situações profundamente diferenciadas.

Considerando o elevado número dos participantes, pode-se dizer que a dinâmica favoreceu o intercâmbio e a participação, e foi avaliada positivamente.



Núcleos centrais da Vida consagrada



Desde há dois anos a USG vinha dedicando-se em suas assembleias anuais (duas por ano, com duração de três dias) aos temas considerados e sentidos como fundamentais na realidade vivida: a missão, a comunhão, a identidade. Um esforço comum para buscar em concreto os problemas suscitados de fato nestes anos de transformação; e para individuar quais os pontos firmes a garantir, os passos positivos de renovação, as ambiguidades e eventuais desvios. Uma reflexão sobre a práxis vivida nos Institutos na fidelidade aos Fundadores, seguindo as orientações do Vaticano II e do Magistério posterior para poder responder como consagrados às exigências concretas das situações.

Uma temática, portanto, já inicialmente enfrentada na ótica da responsabilidade de animação e de condução dos Superiores-Gerais.

Em suas reuniões, a USG havia constatado uma multiplicidade de interpretações teológicas a respeito da natureza eclesial da Vida consagrada, talvez também na dependência da variedade dos carismas: cada qual tende na prática a interpretar o conjunto partindo da ótica da experiência carismática do próprio Instituto. Falou-se da radicalidade da sequela de Cristo, da prática e profissão pública dos conselhos evangélicos, da busca e pertença absoluta a Deus, da perspectiva escatológica da vida cristã, das várias formas de diaconia na missão da Igreja, da responsabilidade ascética de tender à santidade etc.

Interpretações todas, de per si, sem dúvida verdadeiras, mas que talvez não colhessem o núcleo original da identidade da Vida consagrada com que seria conveniente fosse ela apresentada ao próximo Sínodo. Não se tratava de dar uma definição teológica – coisa que não compete aos Superiores-Gerais – mas de individuar aquilo que é considerado como estando verdadeiramente na raiz de tudo e para todos.

O recente Simpósio, partindo dos exames e reflexões já preparados, propôs-se a caminhar ulteriormente nesta estrada.

Indicaremos mais adiante a meta alcançada; queremos aqui sublinhar que se deu um belo passo avante, refletindo sobre a experiência vivida pelos Institutos religiosos nestes anos pós-conciliares de transformação.

Vejamos, porém, os temas tratados no Simpósio. A respeito de cada um deles, ofereço apenas alguns acenos como estímulo.



A missão



O primeiro tema enfrentado foi o da “missão”, que brota com mais rigor no atual processo de transformação porque dele partem os desafios mais urgentes. Nós também o experimentamos nas intensas e prolongadas discussões do Capítulo Geral Especial e na reelaboração e reestruturação das Constituições: “a missão dá a toda nossa existência o seu tom concreto, determina a tarefa que temos na Igreja e o lugar que ocupamos entre as famílias religiosas”.2

A missão refere-se em primeiro lugar ao Reino de Deus proclamado por Jesus e aos seus valores, e do qual a Igreja é sacramento e fermento (“germe, sinal e instrumento”3).

O conceito de missão depende do modo com que pensamos a ação de Deus Pai, de Cristo e do Espírito na humanidade e na história. Do conceito de missão eclesial depende a maneira de ver a nossa missão específica e a nossa vocação de apóstolos. A missão é, ao mesmo tempo, responsabilidade e profecia, encarnação e escatologia; é caminhar na história com a humanidade ajudando a descobrir e a acolher a presença de Deus que salva.

Insistiu-se continuamente que a missão é da Igreja e que dela participamos segundo a nossa vocação específica, em virtude do batismo.

A missão vem de Deus e é participação no mistério.

A missão não é simplesmente uma atividade externa mais ou menos justaposta ao ser da Igreja; é-lhe absolutamente intrínseca e constitui a sua natureza. Não deve ser confundida com as atividades, as obras, os serviços etc., embora tudo isto constitua um seu aspecto não indiferente. Para entender-lhe a importância é preciso remontar com a fé ao mistério mesmo da Trindade, onde o Verbo é enviado pelo Pai, e o Espírito pelo Pai e pelo Filho em missão na história da humanidade. O Verbo encarna-se e, como homem, é consagrado pelo Pai com o Espírito para a grande missão de salvação que orienta o caminho dos povos para o Reino de Cristo e de Deus.

O Espírito, dom do Pai e do Filho, é fecundo e incansável promotor dos carismas comunitários que empenham os diferentes Institutos a participar com modalidades diferentes da complexa missão transmitida por Cristo à Igreja.

Na primeira origem de tudo encontra-se a iniciativa de Deus: o amor do Pai, que envia o Filho à história humana e com Ele envia o Espírito Santo; é toda uma história inefável de amor. Um Deus que quer tornar possível e genuína a resposta do homem. A tarefa do Espírito Santo, com efeito, é a de incorporar os homens em Cristo para reconduzi-los com Ele ao Pai: é o grande círculo da reciprocidade no amor.

A Vida consagrada é toda ela imersa neste grande mistério que constitui “a vida e a santidade” na Igreja.

Como diziam os Padres: do amor do Pai para com o homem através da encarnação do Filho e a missão do Espírito Santo; e, pelos homens, através da inabitação do Espírito Santo para tornar “filhos” no Filho (ou seja, “Christifideles”) e assim caminhar seguros para o Pai.

O aprofundamento desta verdadeira natureza da Vida consagrada leva-nos à essência do Cristianismo, quer em relação à missão, quer à comunhão e à identidade. É então, aqui, que surge a indispensabilidade da dimensão contemplativa em qualquer carisma da Vida consagrada: a centralidade da oração e da contemplação, enquanto “filhos” no Filho.

A atual transformação em ato leva a Vida consagrada muitas vezes às fronteiras da vida social, em meio às suas problemáticas novas e a inúmeros espaços vazios de transcendência. Se os consagrados não cultivam a oração e a contemplação como propulsores para o mistério, correm o perigo de se esquecerem da realidade primeira e de adequar-se perigosamente a uma mentalidade e estilo de vida secularizados.

Ao contrário é necessário recordar constantemente que à base de tudo existe o fascinante mistério da Trindade: como dizem as Constituições renovadas: “nossa vida de discípulos do Senhor é uma graça do Pai que nos consagra com o dom do seu Espírito e nos envia para sermos apóstolos dos jovens”.4

Vemos logo que do aprofundamento do aspecto de mistério da missão (como também o da comunhão e da identidade) surgem como inseparáveis entre si, da parte de Deus, a “vocação”, a “consagração” e a “missão”. Esta é uma conquista conciliar que iluminou a identidade da Vida consagrada. Aquele famoso verbo “consecratur” da Lumen gentium deslocou a atenção dos Religiosos sobre a “consagração” e veio dar também o nome específico aos Institutos de “Vida consagrada”. Neste termo concentram-se as luzes do mistério, fazendo repensar, em particular, a relação vital da missão com a consagração.

O Santo Padre em seu discurso dirigido aos participantes do Simpósio também apresentou Cristo como “o consagrado por excelência” sendo por isso o “enviado” do Pai para a salvação do mundo. Na sinagoga de Nazaré Jesus aplicara a si a profecia de Isaías;5 o Papa comenta dizendo que “o Espírito não está simplesmente ‘sobre’ o Messias, mas ‘inunda-o’, penetra-o, atinge o seu ser e agir. O Espírito, com efeito, é o princípio da ‘consagração’ e da ‘missão’ do Messias6... Toda consagração na Igreja está intrinsecamente ligada a uma síntese radical e vital de consagração e missão”.7

Evidencia-se assim que a missão dos consagrados é medida não só pelos trabalhos diretos de apostolado ou de promoção, mas pela mesma vida dos consagrados, pelo dom total de si a Deus em Cristo, potenciados pela graça do Espírito que traduz o dom de si em operosa caridade para com os outros.

Indicaram-se depois os maiores desafios lançados à missão da Igreja hoje; cada Instituto carismático deverá interessar-se por eles e intervir segundo sua índole própria e em atenção aos contextos onde atua.

As principais urgências a serem consideradas hoje são:

  • as exigências da Nova Evangelização;

  • a opção preferencial pelos pobres;

  • a não-violência como estilo de vida e de atividade na busca da justiça;

  • o diálogo inter-religioso e intercultural que ajude a romper os abusos dos fundamentalismos e dos totalitarismos;

  • os vários areópagos desprovidos da luz do Evangelho.



Falou-se ainda mais de uma vez de um aspecto apresentado com um termo que está entrando agora em uso, o de “liminalidade”; trata-se de um conceito que indica como a Vida consagrada se coloca numa “situação de fronteira”. Pode ser relacionado com àquela “originalidade” e “criatividade” própria dos Fundadores e transmitida aos seus discípulos, de que falou Paulo VI na Exortação apostólica Evangelii nuntiandi: graças à sua consagração os religiosos “são empreendedores, e o seu apostolado é muitas vezes marcado por uma originalidade, uma genialidade que levam à admiração. São generosos: encontram-se muitas vezes nos postos avançados da missão, e assumem os maiores riscos para sua saúde e a mesma vida”.8

A missão, portanto, é um forte estímulo de transformação que provém da mesma fonte da vocação e da consagração: ou seja, em definitivo, do Espírito do Senhor.



A comunhão



Outro aspecto em que a Vida consagrada viveu um forte impulso de transformação foi o da renovação da comunidade. De um tipo de comunidade tradicional, baseado prevalentemente na observância regular, àquele em que se tende e se preocupa por uma verdadeira “comunhão” numa vida de maior fraternidade.

Aqui também o aprofundamento do conceito eclesial de comunhão (posto marcadamente em relevo pelo Vaticano II e pelo Sínodo extraordinário de 85) tem levado a refletir sobre a sua dimensão de mistério. É preciso referir-se, de novo, à vida trinitária em Deus, com distinção de pessoas e unidade de comunhão numa inexaurível reciprocidade de dons.

Não se quis, porém, fazer do Mistério a medida das experiências vividas, mesmo se ele permanece a grande luz orientadora; a experiência da vida não leva certamente a mitizar a comunidade religiosa, e nem mesmo a comunhão na Igreja. Na peregrinação eclesial ao longo dos séculos e na experiência existencial das casas religiosas jamais existiu a comunidade perfeita, nem existirá: ela é uma meta escatológica.

Esta constatação realista, contudo, não desencoraja de olhar para o mistério trinitário em vista do esforço para construir comunhão: quer na vida fraterna dos Institutos quer na convivência orgânica da Igreja.

De aqui a necessidade de incluir neste tema a educação ao dom de si, ao diálogo, à escuta, ao perdão, à revisão de vida, à prática da misericórdia, ao incremento constante da bondade, à paciência, à emulação recíproca etc., não simplesmente como metodologia a ser aplicada numa tarefa difícil, mas como elemento constitutivo da condição humana no tempo e, portanto, essencial ao mesmo conceito realístico de comunhão.

Embora vivida na imperfeição – mais como tarefa a ser desenvolvida do que como meta alcançada – a comunhão é essencial na Igreja e na Vida consagrada: ela testemunha a presença redentora de Cristo e o papel unificador do Espírito Santo.

O mundo lança hoje inúmeros desafios ao ideal eclesial de que todos juntos constituam uma única grande família humana: parece uma utopia inalcançável. Entretanto constitui uma tarefa da Igreja trabalhar neste sentido. E os consagrados “religiosos” são chamados a testemunhar na Igreja uma forte experiência de comunhão em comunidade de vida, segundo as diferentes modalidades de seus carismas.

Entre os pontos evidenciados para garantir a autenticidade da renovação podemos recordar sobretudo estes:

  1. os Institutos religiosos devem crer no valor da comunidade; devem, portanto, empenhar-se numa real vida de comunhão nas casas, numa mais ativa participação do projeto comunitário, num esforço maior para chegar ao “um só coração e uma só alma” como nas origens do Cristianismo. Isto comporta também, em concreto, que seja assegurada uma “consistência” da comunidade, evitando o perigo da atomização que danifica perigosamente a própria missão. Tudo isto em conformidade com a índole característica de cada Instituto;

  2. a comunhão dos consagrados está vitalmente inserida na comunhão orgânica do Povo de Deus; melhor ainda, deveria contribuir para uma mais viva comunhão eclesial: ser especialistas e agentes de comunhão! Ressaltou-se, de um lado, o empenho dos consagrados em vista de uma genuína inserção na Igreja local levando a ela as riquezas do próprio carisma; e, de outro lado a atenção por parte dos Pastores às possibilidades de contribuição de cada um dos carismas, dos quais os Bispos são chamados a serem defensores;9

  3. a comunhão entre os carismas dos vários Institutos, sobretudo dos mais homogêneos: um “intercâmbio de dons” que torne mais incisiva a missão de cada um;

  4. foi evidenciada sobretudo a comunhão dos consagrados com os fiéis leigos; esta é uma prometedora fronteira de futuro em que empenhar-se com esperança.



Falou-se de uma “irrupção dos leigos” na Igreja, como um dos fatos caracterizantes do nosso tempo. Isto desafia também os carismas dos consagrados.

Entre as propostas que os Superiores gerais entregaram ao Sínodo está a seguinte: “somos do parecer que seja preciso animar os leigos para que participem adequadamente do mesmo carisma dos religiosos, criando formas diversas de associação e colaboração, conservando autonomia de encarnação e de desenvolvimento segundo o estado laical”.

Também o Santo Padre, em seu discurso, falando do empenho dos Religiosos na nova evangelização, faz um aceno especial a este tipo de maior comunhão: “será necessário, afirma, aprofundar e precisar as relações espirituais e apostólicas existentes entre Religiosos e leigos, promovendo novos métodos e novas expressões de cooperação para facilitar em nosso tempo o anúncio de Cristo”.10

Ao se falar da comunhão acenou-se também às novidades que ela comporta no exercício da autoridade carismática, centrado sobretudo na animação e promoção do carisma, favorecendo uma maior corresponsabilidade, uma renovada espiritualidade e um novo senso apostólico.11



A identidade



Falou-se também neste Simpósio da identidade, partindo do que foi vivido nestas décadas em resposta às profundas mudanças socioculturais, levando em conta a diversidade dos carismas e dos problemas sugeridos pelos vários processos de inculturação já iniciados.

Uma identidade em movimento, não plenamente realizada; ela se encontra ainda a caminho e provavelmente ainda não tenha disponível um novo modelo já comprovado.

Recordaram-se os esforços feitos após o Vaticano II: a celebração dos Capítulos gerais especiais, o retorno ao Fundador, a reelaboração das Constituições, o maior peso da missão, a abertura a novas experiências, a renovada coragem missionária, o diálogo entre os diversos Institutos, o incremento das Conferências nacionais e internacionais etc.

Relacionou-se também a Vida consagrada – na perspectiva das Religiões – a fenômenos externamente semelhantes que nelas se encontram; não se descuidou assim do momento histórico-cultural e do religioso-antropológico.

Em seguida, porém, individuou-se a sua suprema originalidade ligada à unicidade do mistério da Encarnação. Pensando na “sacramentalidade” de toda a Igreja, muito sublinhada pelo Concílio, falou-se da função simbólico-transformadora da Vida consagrada, em suas variadas formas carismáticas, como se fosse uma “parábola escatológica” para a fé de todo o Povo de Deus. A sua significatividade, segundo este papel simbólico-profético, não a eleva acima dos demais membros da Igreja como se possuísse uma dignidade maior, mas distingue-a e a faz subsidiária, porque destinada a um serviço peculiar. Ela proclama alguns aspectos do multiforme mistério de Cristo, tornando perceptíveis aos contemporâneos os seus ricos conteúdos de salvação.

Sua identidade está assim vinculada, ao mesmo tempo, a Cristo e ao Espírito: a Cristo, como presença encarnada de Deus e sinal multiforme de salvação; ao Espírito, como potência divina que move e enche de graça toda a missão de salvação.

A descrição desta identidade pode ser expressa de vários modos que indicam um ou outro aspecto de discípulos especiais de Cristo, animados pelo seu Espírito.

No documento entregue à Secretaria do Sínodo, os Superiores-Gerais são concordes no afirmar que “hoje a categoria teológica prevalente no magistério é a da consagração expressa na Igreja através da profissão pública dos conselhos evangélicos. Outra grande categoria teológica, que parece poder unificar a variedade das perspectivas, é a do carisma. Cada Instituto surge pelo impulso carismático do Espírito oferecido aos Fundadores e por eles transmitido aos discípulos. O carisma implica um modo específico de ser, de missão, de espiritualidade, de modos e estruturas do Instituto”.

Poderíamos dizer que estas duas categorias (consagração e carisma) se sobrepõem e se intercambiam reciprocamente. Trata-se, com efeito, vez por vez, não de uma consagração genérica, mas de uma consagração peculiar, especificada por uma missão e por um projeto evangélico que constitui aquela experiência de Espírito Santo que é a substância de todo carisma. De outra parte, um carisma nasce justamente, como fonte primeira, de uma peculiar consagração no Espírito do Senhor.

Das reflexões feitas no Simpósio podemos ressaltar aqui algumas exigências:

  1. a primeira de todas é aquela lembrada pelo Papa em seu discurso, a espiritualidade: “O primeiro valor de fundo a ser cuidado é o da ‘espiritualidade’, seguindo o carisma típico de cada Instituto. Na consagração religiosa, a intimidade, a riqueza e a estabilidade de uma ligação especial com o Espírito Santo estão à base de cada coisa. A Igreja, com efeito, não tem necessidade de Religiosos deslumbrados pelo secularismo e pelos apelos do mundo contemporâneo, mas de testemunhas corajosas e de infatigáveis apóstolos do Reino”.12 Uma espiritualidade renovada torna o carisma “significativo”, como testemunho vivo de novidade de vida;

  2. o testemunho profético e escatológico que manifeste as características cristológicas do Homem novo, e as características pneumatológicas da santidade, através do fervor da caridade. Isto comporta que para ser significativos em vista do Reino é preciso interrogar-se também sobre o aspecto da inculturação no testemunho da própria espiritualidade;

  3. a identidade da Vida consagrada é correlativa às demais formas de vida na Igreja; coincidem todas com uma identidade fundamental: ser “Christifideles”. No Povo de Deus, os discípulos do Senhor podem ser: “Christifideles laici”, “Christifideles ordinati” e “Christifideles consecrati”; a substância para todos é a de ser “Christifideles”. A Vida consagrada deve saber evidenciar alguns traços peculiares que lhe conferem uma especial significatividade do espírito das bem-aventuranças para o bem de todos: sentir-se como uma “parábola” existencial narrada pelo Espírito Santo: ser um símbolo estimulante com força profética.



Foi interessante escutar nas “mesas redondas” como considerar a Vida consagrada a partir das diversas perspectivas eclesiais: secular, feminina, histórica, cultural, clerical; em particular foi incisiva (em vista do Sínodo) a intervenção do teólogo Bruno Forte a partir da perspectiva do sacerdote ordenado, a quem é confiado, como sinal de Cristo-Cabeça, na Igreja, o ministério da unidade: “não síntese de todos os dons e ministérios, mas ministério da síntese”.



A formação e as vocações



Este tema, que constitui hoje um dos problemas práticos mais exigentes para a Vida consagrada, não fora escolhido como uma relação do Simpósio, mas constituía a ótica do trabalho de vários grupos. O momento de transição e de crise em que vivemos fazem senti-lo com extraordinária urgência e ele está estritamente vinculado a cada um dos temas tratados.

Estes, com efeito, devem tornar-se experiência de vida em cada religioso. De aqui a questão e o desafio: qual atitude de formação permanente, qual processo de formação inicial, qual percurso metodológico, podem levar o religioso a identificar-se vitalmente com um projeto carismático específico e a viver e testemunhar os valores do Reino com fidelidade renovada em sintonia com as exigências dos tempos?

Nos grupos e nas constelações ressoou muitas vezes esta questão e foram indicados caminhos de resposta. Esta preocupação fundamental foi também acolhida por uma intervenção especial em assembleia no último dia.

Os Superiores-Gerais em seguida trataram-no diretamente em seu documento. Eles sublinharam a necessidade de uma continuidade entre formação inicial e formação permanente; esta segunda, estendida a todos os membros da Igreja, chamados nestes anos a verificarem em profundidade a sequela de Cristo a partir dos limites da missão, da comunhão e da identidade repensada.

Em seu documento, os Superiores exprimem “convicções” e “propostas”.

As convicções são as seguintes:

  1. Afirmamos a importância de uma formação integral, segundo o próprio carisma. Esta formação, à luz da Palavra de Deus, deverá ser centrada na experiência de Deus, que encontra o seu ponto mais alto na liturgia eucarística. Seguindo Cristo e sob a ação do Espírito, a formação deverá ser humana, progressiva, inculturada; deverá ‘iniciar’ à comunidade, entendida como comunhão na Igreja; preparará os candidatos para a missão, em contato com experiências da vida real.

  2. A formação de hoje reconhece as seguintes exigências: a sequela radical de Cristo, que tem expressões típicas na Vida consagrada, o diálogo e o testemunho recíproco, a educação à afetividade e às relações interpessoais, o discernimento comunitário e pessoal, o respeito pelas pessoas e a compreensão dos dinamismos sociais, a opção pelos pobres e a atenção aos mecanismos de opressão.

  3. Precisamos preparar equipes de formadores que sejam, ao mesmo tempo, mestres, educadores e testemunhas; sejam originários das culturas locais e nelas enraizados, porque acreditamos que a formação deva realizar-se na medida do possível no próprio lugar; sejam, porém, providos de uma experiência transcultural de modo a poderem ‘transcender’ (purificar, discernir, desafiar) a cultura local.

  4. É indispensável para o crescimento das pessoas e a inculturação dos carismas, uma formação permanente que respeite o indivíduo e leve em conta as diversas fases da vida e dos diferentes contextos socioculturais e eclesiais.

  5. Consideramos urgente tentar novas formas de ‘iniciação’ na Vida consagrada dos jovens provenientes de minorias étnicas e de grupos marginalizados”.



Após elaborar estas convicções, os Superiores expuseram algumas “propostas”. Cito duas delas que parecem mais significativas para o Sínodo.

A primeira é a seguinte: “A formação exige estima pelas demais vocações eclesiais; propomos por isto que exista maior colaboração entre os Institutos de Vida consagrada e os Bispos na formação de todas as vocações; particularmente, propomos a criação de institutos de estudos e a realização de encontros em colaboração entre os membros de diversos institutos, do Clero diocesano e do Laicato”.

E a segunda: “Propomos que nos seminários diocesanos e nas faculdades teológicas existam cursos sobre a Vida consagrada e que, em nossos centros de formação, se promovam estudos sobre as diversas Vocações”.



O que dirão os Bispos na próxima reunião sinodal?



Sabemos que um Sínodo ordinário desenvolve uma tarefa propriamente “pastoral” em vista do bem de toda a Igreja; ele se move na ótica da eclesialidade, da comunhão e mútua complementaridade das diferentes vocações. As óticas dos Bispos são: a pastoralidade, a universalidade e a urgência.

É evidente que aquilo que este Simpósio oferece, embora em sua mundialidade é, de fato, parcial: no sentido de não tratar de toda a Vida consagrada; depois, porque propõe reflexões provenientes fundamentalmente da experiência dos Institutos religiosos apenas masculinos; finalmente, porque representa a sensibilidade dos responsáveis da União dos Superiores-Gerais que, por necessidade concreta, podem ter tido uma perspectiva e uma organização de estudo não plenamente partilhada por todos os representantes. Não se enfrentaram os horizontes da Vida consagrada não-religiosa; foi apenas acenada a delicada problemática feminina.

Será também necessário aprofundar com maior cuidado o assim chamado “ordenamento comunhonal” na Igreja, com o sentido vivo do “intercâmbio de dons” numa “comunhão orgânica”: os Bispos têm, neste âmbito, uma particular sensibilidade e responsabilidade e falarão a partir da ótica de seu ministério de unidade.

O Sínodo enfrentará, pois, um conjunto mais vasto de orientações, partindo sobretudo da perspectiva dos Pastores. Já acenamos a isto, em parte, na circular de outubro 92.13

Aqui, encorajados pelo Simpósio, podemos desejar que estejam presentes algumas orientações fundamentais que garantam a autenticidade e a fecundidade da Vida consagrada na Igreja, do ponto de vista de sua pastoralidade, universalidade e urgências. Penso nas seguintes:

- Um aprofundamento da doutrina conciliar sobre a Vida consagrada, enquanto ela pertence à vida e à santidade da Igreja; reconhecendo também que os consagrados demostraram sua natureza historicamente ao longo dos séculos nas fronteiras mais necessitadas e difíceis.

Que os vários carismas sejam acolhidos e favorecidos no Povo de Deus, segundo sua multiforme natureza e complementaridade: tanto de tipo contemplativo, como de especificidade apostólica ou secular. Os Pastores ajudem a fazê-los viver na fidelidade aos Fundadores, com a coragem da criatividade do Espírito em resposta aos sinais dos tempos e com um esforço concreto de inculturação.

Que seja favorecida a comunhão e o diálogo fraterno entre consagrados e Bispos, entre consagrados e clero, entre os consagrados dos vários Institutos, e em particular se promova uma comunhão mais intensa entre consagrados e fiéis leigos, de forma que muitos destes possam participar, segundo o próprio estado, das riquezas do carisma dos Fundadores.

Que para o incremento da comunhão se tenha, nos institutos de vida propriamente “religiosa”, um cuidado especial pela dimensão comunitária, segundo o espírito de cada carisma. Uma vida comunitária que assegure a significatividade específica da própria vocação e a corresponsabilidade no projeto da própria missão, a ser repensada de acordo com os desafios da nova evangelização.

Que o Sínodo se torne uma oportunidade para promover a figura e o papel da mulher consagrada na Igreja.

Que a urgência do cuidado das vocações e a indispensabilidade de uma sólida formação, tanto inicial como permanente, sejam assumidas como empenho prioritário.

Que o Sínodo sublinhe a insistência do Santo Padre a respeito da espiritualidade: “O primeiro valor de fundo a ser cuidado é o da ‘espiritualidade’, seguindo o carisma típico de cada Instituto. Na consagração religiosa a intimidade, a riqueza e a estabilidade de uma especial ligação com o Espírito Santo estão à base de cada coisa... Que necessidade há, hoje, de uma autêntica espiritualidade!”.14



A caminho para o Sínodo



Pode-se dizer que neste Simpósio já se pregustou o “tempo” do Sínodo. Mas podemos ainda influir em sua preparação.

É convicção comum que está em ato um movimento de nova Evangelização, determinado por vários fenômenos externos e internos da Igreja: alargamento da visão geográfica do mundo, novas fronteiras a serem iluminadas com o Evangelho, consciência comunhonal de todo o Povo de Deus, complementaridade das vocações entre si. Tudo isto incide fortemente sobre a transformação da Vida consagrada. Encontramo-nos, de fato, numa mais avançada temperatura secular: fala-se, por exemplo, de modernidade e de pós-modernidade; trata-se de uma mudança epocal. De suas tendências vem uma espécie de provocação; deve-se, então, perguntar: a presença dos consagrados fala hoje ao povo como nos tempos de cristandade? O que eles conseguem comunicar com clareza? Qual a sua concreta significatividade? O que esperam, sobretudo os jovens, daqueles que se dizem discípulos radicais de Cristo: um sinal vivo do Espírito para o homem de hoje?

O nosso CG23 já havia individuado quatro desafios a serem enfrentados para poder propor um testemunho que se tornasse eficaz numa educação integral: o afastamento, a insignificância ou irrelevância da fé, a pluralidade de religiões, as pobrezas.

A resposta a dar ainda está em elaboração; já existem pontos firmes, solidamente individuados, mas embora fundados neles, ainda se está em busca. O Simpósio não ofereceu modelos pré-fabricados, mas indicou o caminho a ser percorrido. Entre as indicações mais fortes sugeridas por ela, recordaria as seguintes:

  1. O fato da presença ininterrupta da Vida consagrada na história da Igreja, com multiplicidade de formas e criatividade constante, faz pensar que o Espírito Santo anima vigorosamente a Igreja e jamais a deixará desprovida de carismas comunitários, mesmo se isto não seja indiscutível para o futuro de cada Instituto.

  2. É impressionante a mudança que se está operando na geografia da Vida consagrada: ela está se mudando para o Sul e para o Leste. Isto suscita, entre outros, o problema da inculturação. Quando este processo estiver mais avançado, a Vida consagrada terá uma face multicultural e deverá reforçar a unidade de uma comunhão mais convicta e claramente definida.

  3. Apesar da crise, vivemos um tempo de esperança. Ela provém:

  • da fé na presença do Espírito Santo, fonte dos multiformes carismas; Ele não cessa – como apenas dissemos – de sacudir o coração dos homens e de mover continuamente a Igreja;

  • da fecundidade do carisma dos Fundadores (alguns com mais de 15 séculos de vida) quando é reacendido o fogo das origens;

  • da lógica do mistério pascal que ilumina também o florescimento da Vida consagrada: de tudo que generosamente morre no Senhor, nascem novas realidades cheias de vida. Nós não podemos projetar o futuro com sofisticações técnicas. Ele está vitalmente conservado no interior da fidelidade ao Fundador e aos sinais dos tempos. É preciso ter a audácia e a confiança de criar também pequenas realidades genuínas, que sejam fecundas e constantes diante de obstáculos que pareçam superiores às próprias forças. Pensemos, por exemplo, em nosso projeto-África lançado em tempo de crise.

  1. O conjunto dos valores positivos recolhidos no Simpósio reforça a convicção de que toda esperança de futuro deve ser colocada na qualidade do testemunho e da operosidade: qualidade dos indivíduos, qualidade das comunidades, qualidade das atividades e obras. Sem qualidade, mesmo que ainda sejamos muitos, caminha-se em descida, para o ocaso. Contrariamente, de uma pequena semente, embora pequena, mas rica de vitalidade, caminha-se para o crescimento também quantitativo.



Caminhemos, pois, para o Sínodo. Conosco, na estrada, está também Maria, mãe e guia de toda Vida consagrada. Ela, disse-nos o Papa, “vos guie e acompanhe nesta difícil e vasta tarefa de renovação e interceda para o bom êxito do próximo Sínodo. A Ela, Virgem Imaculada, modelo supremo na obediência da fé, peço que reavive na Igreja o testemunho dos conselhos evangélicos, para que transpareça a todos a beleza do visual cristão no espírito das bem-aventuranças. Maria Santíssima assista também os Pastores para que tenham da Vida consagrada uma visão e uma estima que fortaleçam sua presença e missão no Povo de Deus”.15

Espero, queridos irmãos, que a rápida apresentação do Simpósio estimule a todos, nos meses que antecedem o histórico Sínodo, a intensificar a oração em vista deste acontecimento eclesial, a renovar a consciência de nossa vocação e a vivê-la na missão e na comunhão, aprofundando o empenho prioritário de formação permanente que nos foi indicado pelo CG23.

Durante o encontro, fez-se muitas vezes referência aos Fundadores, que acolheram por primeiro o carisma e o viveram com toda a sua existência, encarnando-o num determinado contexto histórico e eclesial, e o comunicaram vitalmente como semente a ser cultivada para que mantenha viva sua fecundidade. Sentimo-nos acompanhados pelo nosso Fundador e Pai Dom Bosco num caminho traçado e iluminado por Maria que, com sua intervenção materna, quis o nosso carisma para a juventude.

A todos, de novo, os mais cordiais votos para 1994.

Com afeto no Senhor que vem,

Pe. Egídio Viganò

Reitor-Mor





1 Cf. ACG 342.

2 Const. 3.

3 Redemptoris missio 18.

4 Const. 3.

5 Lc 4,16-19.

6 Pastores dabo vobis 19.

7 L’Osservatore Romano, 27 de novembro de 1993.

8 EN 69.

9 Cf. MR 8 e 9.

10 L’Osservatore Romano, 27 de novembro de 1993.

11 MR 13.

12 L’Osservatore Romano, 27 de novembro de 1993.

13 Cf. ACG 342.

14 L’Osservatore Romano, 27 de novembro de 1993.

15 L’Osservatore Romano, 27 de novembro de 1993.

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