301-350|pt|325 - A Carta Juvenum Patris de S.S. João Paulo II (Comentário)


Viganò Egídio



A CARTA “JUVENUM PATRIS” DE S.S. JOÃO PAULO II

(Comentário)



Atos do Conselho Geral

Ano LXIX – abril-junho, 1988

N. 325




Introdução: as celebrações centenárias — O presente da Carta do Papa — Dom Bosco apre­sentado como Mestre para a educação — O Sistema Preventivo, patrimônio eclesial — Signi­ficado da sua atualidade — O atual desafio educacional — A ação do Espírito Santo e a proteção de Maria — Importância desta Carta para nós.


Roma, 24 de fevereiro de 1988.



Queridos irmãos,



iniciamos as celebrações centenárias do “dies natalis” do nosso Pai e Fundador S. João Bosco.

Recebi, com relação a isso, notícias bem positivas de várias Inspetorias.

Em Turim e nos Becchi os atos comemorativos foram de alto nível e comoventes, com uma divulgação inesperada nos meios de comunicação social italianos. A presença dos nossos cardeais, ar­cebispos e bispos destacou a universalidade e a eclesialidade.

A santidade original de Dom Bosco, a atualidade da sua missão, a sua estrutura histórica, civil e social, foram projetadas com uma mensagem e um estímulo que nos incentivam a uma fidelidade criativa mais audaz.

Fomos impulsionados a preparar com sincera atitude de filhos o expressivo gesto pessoal e comunitário do dia 14 de maio, em que todos os irmãos, olhando com amor a Dom Bosco Modelo e Guia, renovarão, como opção fundamental da própria vida, a Profissão salesiana.

Penso que o período do triunfalismo tenha sido afastado e ultrapassado pela seriedade histórica, pela profundidade espiri­tual e pela dignidade artística das comemorações. Acentuou-se a sabedoria teologal de Dom Bosco, a sua autenticidade eclesial, a sua dimensão social, a sua fecundidade de Fundador de uma Fa­mília espiritual e apostólica.



O presente da Carta do Papa



O presente mais bonito que recebemos exatamente no dia 31 de janeiro foi a Carta “Juvenum Patris” do Santo Padre João Paulo II. É verdadeiramente um presente extraordinário com o qual o Sucessor de Pedro quis apresentar a figura de Dom Bosco, como Mestre para a educação.

A Carta está endereçada não só a nós e à Família Salesiana, mas também aos jovens, aos educadores cristãos e aos pais.

Na sua conclusão o Papa sublinha de maneira especial seu chamado — dirigindo-se aos educadores — aos presbíteros: “a educação dos jovens — de fato — os interpela em primeiro lugar; ... sejam ‘os jovens’ o primeiro cuidado dos sacerdotes!”.1

A nós e à nossa Família, depois, concede uma Bênção Apostó­lica “augúrio e mensageira dos dons celestes, testemunho do ‘Seu’ amor, (que) confirme na fé, e console e proteja todos os membros da grande Família Salesiana”; como se ele quisesse nos dizer que, na fidelidade a Dom Bosco, temos como responsabilidade e tarefa especial também a de saber comunicar a todos os educadores os valores da experiência espiritual e pedagógica que o Espírito do Senhor inspirou ao nosso Fundador.



Dom Bosco apresentado como Mestre para a educação



O Papa, reconhecendo os vários aspectos da figura de Dom Bosco, concentrou a reflexão sobre o seu “trabalho educativo”, como aspecto característico e qualificador da sua originalidade eclesial e social.

Sublinha dois elementos peculiares da sua contribuição peda­gógica: a característica e intensa atitude de interioridade que tem seu centro na “caridade pastoral” (que é como a condição fun­damental para a personalidade de todo educador cristão); e depois, a experiência fundamental do Oratório, considerada como critério pastoral e pedagógico permanente, a ponto de guiar o sucessivo crescimento das indispensáveis estruturas, das necessidades orga­nizativas no tempo e das múltiplas possíveis instituições.



O Sistema Preventivo, patrimônio eclesial



A contribuição pedagógica de Dom Bosco faz parte hoje da tradição educativa da Igreja que, sendo perita em humanidade, “com razão pode também dizer-se ‘perita em educação’”.2 A ex­periência do nosso Pai aparece como um carisma do Espírito de Deus, que veio enriquecer o trabalho evangelizador da Igreja no alvorecer de uma mudança social, onde “a tarefa primária e essencial da cultura é a educação”.3

O Santo Padre lembra a famosa afirmação de Paulo VI sobre a “originalidade e genialidade que atraem a admiração” nas atividades dos Religiosos; e acrescenta, referindo-se a Dom Bosco: “pode-se dizer que o traço peculiar da sua genialidade está ligado àquela práxis educativa que por ele mesmo foi chamada ‘Sistema Preventivo’”.4

A Carta aprofunda esta contribuição que “representa, num certo modo, a síntese da sua sabedoria pedagógica e constitui a mensagem profética por ele deixada aos seus e à Igreja toda”.5 Depois de ter considerado brevemente o significado positivo da “preventividade”, comenta o já célebre trinômio “razão, religião, amabilidade”, como herança que vai permanecer no tempo.



O significado da sua atualidade



Certamente a condição juvenil no mundo atual mudou muito e apresenta inúmeros aspectos inéditos em comparação com a do século passado em Turim. Porém “também hoje permanecem aquelas mesmas perguntas” fundamentais que se fez Dom Bosco.6 Não se pode largar no passado a mensagem deste grande Educa­dor; ela “exige que seja ainda aprofundada, adaptada, renovada com inteligência e coragem, precisamente em razão dos mudados contextos socioculturais, eclesiais e pastorais. O essencial do seu ensinamento permanece, as peculiaridades do seu espírito, as suas intuições, o seu estilo, o seu carisma não perdem valor, porque inspirados na transcendente pedagogia de Deus”.7

Considero particularmente significativas, queridos irmãos, estas afirmações do Papa, porque com elas nos exorta a saber­mos comunicar, de maneira renovada, criativa e fiel, os elementos e os critérios fundamentais que a mensagem de Dom Bosco propõe hoje para uma “nova educação”, da qual tanto necessitam a socie­dade e a Igreja.

Lembrando o tradicional canto do “Don Bosco ritorna” o Papa exorta a sabermos também “voltar a Dom Bosco” e espera que saibamos “reencontrar na sua herança as premissas para responder também hoje às dificuldades e às esperanças (dos jovens)”.8

É exatamente nesta linha que a Congregação caminhou nos anos do após Concílio Vaticano II através do trabalho de três Capítulos Gerais de grande influência. Seria lamentável que alguns de nós, esquecidos da caminhada feita pela Congregação, estivessem dis­traídos ou fossem incapazes de sintonizar o progresso das ciências da educação com a renovação do carisma de Dom Bosco.



O atual desafio educacional



A sociedade e a Igreja sentem-se hoje fortemente questionadas pelo desafio educacional. Partindo do testemunho vivo que nos deixou Dom Bosco, a Carta sublinha algumas urgências que é bom focalizar. Apresento-as simplesmente:

  • o amor de predileção pela juventude: “vamos aos jovens”;9

  • o saber “estabelecer, pela força de uma energia interior, uma síntese entre atividade evangelizadora e atividade educativa”; porque a preocupação de evangelizar situa-se dentro do processo de promoção humana;10

  • portanto, “uma especial sensibilidade pelos valores e as instituições culturais, adquirindo um aprofundado conhecimento das ciências humanas”, em síntese vital com a preocupação de “ordenar todo o processo educativo com a finalidade religiosa da salvação”:11 ou seja, evangelizar educando e educar evangelizando;

  • o compromisso para recuperar “uma pedagogia realista da santidade”, que é “algo intrínseco na arte educativa de Dom Bosco, que pode ser justamente definido ‘Mestre de espirituali­dade juvenil’”;12

  • o imperativo vital e social ao mesmo tempo de “fazer da educação a própria razão de ser ‘dedicando-se’ a ela como finali­dade prioritária” com a já mencionada interação entre evangeli­zação e promoção humana;13

  • a extraordinária importância educativa da “família”, da “escola”, da iniciação ao “trabalho”, e das “modalidades associa­tivas”;14

  • a indispensabilidade dos típicos “momentos educativos” do diálogo e do encontro pessoal que podem ser bem variados e que se tornam “ocasião para uma verdadeira direção espiritual”; é este um importante meio pedagógico oferecido aos jovens para organizarem suas vidas e para um criterioso discernimento voca­cional.15









A ação do Espírito Santo e a proteção de Maria



A conclusão da Carta nos lembra “a escondida e poderosa eficácia do Espírito” de Deus, que é “o animador do nascimento do homem novo e do mundo novo”. Se a educação, como dizia Dom Bosco, “é coisa do coração”, é na verdade exaltante lembrar que o “caminho da Igreja passa através do coração do homem”, aliás que Ela, animada pelo Espírito, “é o coração da humanidade”; envolve, portanto, os educadores cristãos no seu “amoroso exercício de maternidade eclesial”.

Será, portanto, conveniente que os pais e educadores acredi­tem e confiem na presença ativa do Espírito Santo e na sua silen­ciosa obra de transformação dos corações no seu não tão fácil trabalho.

Será benéfico neste sentido entregar-se a Maria, “a mais alta colaboradora do Espírito Santo” e pedir com insistência a Ela a verdadeira eficácia educativa e também autênticas e mais nume­rosas vocações a serviço da juventude.



Importância desta Carta para nós



A Carta “Juvenum Patris” que o Santo Padre quis em sua bondade nos mandar no Centenário de Dom Bosco é certamente muito importante para nós, queridos irmãos. Por isso incluímos o texto (que vocês já conhecem) nos Atos do Conselho Geral; estará assim à disposição de cada irmão como patrimônio de reflexão salesiana e como insistente convite a oportunos propó­sitos para uma mais intensa renovação espiritual, apostólica e pedagógica. Enquanto ilumina também a exigente Lembrança deste ano, nos impulsionará a redescobrir a atualidade do nosso carisma e a relançar a sua mensagem social e eclesial.

Somos profundamente agradecidos ao Santo Padre por este seu presente. Eu, interpretando os sentimentos de todos vocês, enderecei-lhe uma carta professando a nossa gratidão e a nossa cordial adesão, e incluindo uma oferta que simbolizasse concreta­mente os cem anos dos nossos esforços de fidelidade ao compro­misso de Dom Bosco na educação da juventude.

Que Maria Auxiliadora, Mãe da Igreja, nos ilumine e nos guie em guardar as reflexões e as orientações do Santo Padre.

Nas Constituições lemos: “para colaborar na salvação da ju­ventude... o Espírito Santo, com a maternal intervenção de Maria, suscitou S. João Bosco”;16 que “a Virgem Maria indicou a Dom Bosco o seu campo de ação entre os jovens e constantemente o guiou e sustentou”;17 e, por fim, Dom Bosco “guiado por Maria que lhe foi Mestra, viveu no encontro com os jovens do primeiro Oratório uma experiência espiritual e educativa que chamou ‘Sis­tema Preventivo’”.18

Renovemos, portanto, a nossa filiação a Maria, seguros que nos ajudará a desenvolver e testemunhar no mundo a sagrada herança de Dom Bosco.

Cordiais e fraternais saudações.

No Senhor,







P. Egídio Viganò

1 Juvenum Patris, 20.

2 Ib. 7.

3 Ib. 1.

4 Ib. 8.

5 Ib. 8.

6 Ib. 6.

7 Ib. 13.

8 Ib. 13.

9 Ib. 14.

10 Ib. 15.

11 Ib. 15.

12 Ib. 16.

13 Ib. 17.

14 Ib. 18.

15 Ib. 19.

16 Constituições 1.

17 Ib. 8.

18 Ib. 20.

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