301-350|pt|331 - A Nova Evangelização

Viganò Egídio



A “NOVA EVANGELIZAÇÃO”



Atos do Conselho Geral

Ano LXX – outubro-dezembro, 1989

N. 331





Introdução — A preocupação “pastoral” do Concílio — Novidade de fronteiras — No­vidade de perspectivas — A “suprema Novidade” — Novidade de pressupostos doutri­nais — Novidade de método e de linguagem — Novidade de agentes — Novidade também de perigos — A indispensável “interioridade apostólica” dos evangelizado­res — Conclusão.





Roma, 8 de setembro de 1989

Natividade da Bem-Aventurada Virgem Maria



Queridos Irmãos,

aproxima-se a celebração do CG23. Neste mês de setembro a Comissão pré-capitular “redigirá sob a responsabilidade do regulador, de acordo com o Reitor-Mor, as relações ou esque­mas a serem enviados, com suficiente antecedência, aos par­ticipantes do Capítulo Geral”.1

Nos meses passados chegaram e foram analisados pelo Conselho Geral os Atos dos Capítulos inspetoriais. Aproveito para congratular-me com cada Inspetoria pela seriedade, a participação ativa e a fraternidade com que foram preparados e realizados os trabalhos capitulares.

O tema da educação dos jovens à fé é vital e é uma das mais graves urgências para a Igreja e, de maneira toda parti­cular, para nós. “A Igreja — escreveu-nos o Papa — tem tantas coisas para dizer aos jovens, e os jovens têm tantas coisas para dizer à Igreja. Este diálogo recíproco, que deverá fazer-se com grande cordialidade, clareza e coragem, favorecerá o encontro e o intercâmbio das gerações, e será fonte de riqueza e de juventude para a Igreja e para a sociedade civil”.2

Penso ser iluminar uma tarefa urgente com algumas reflexões gerais e introdutivas sobre a “Nova Evangelização”, de que falam, hoje, o Papa e os Bispos.



A preocupação “pastoral” do Concílio



A absoluta urgência de uma nova evangelização para todos tinha sido proclamada no Concílio Ecumênico Vaticano II. Lembremos a impressão e as reações suscitadas pelo discurso de abertura do Papa João XXIII: “o espírito cristão, católico e apostólico do mundo inteiro — disse —, espera um impulso para frente. Uma coisa é o depósito da fé, e outra a forma com que são enunciadas as verdades contidas na nossa doutrina. Será preciso atribuir muita importância a esta forma, e, se for necessário, será preciso insistir com paciência na sua elaboração”.3

Respondendo a esta urgência apontada pelo Sucessor de Pedro, o Concílio assumiu uma ótica tipicamente “pastoral”, projetando toda a ação da Igreja para uma nova etapa apostólica.

Em 1985, o Sínodo extraordinário, vinte anos depois do Concílio, comentou e relançou esta laboriosa busca pastoral assegurando o seu vigor doutrinal e a sua continuidade dentro de uma Tradição viva: “Não é lícito separar a índole pastoral do vigor doutrinal dos documentos. De igual modo, não é legí­timo dividir espírito e letra do Concílio. Além disso, o Concílio deve ser compreendido em continuidade com a grande Tradi­ção da Igreja; e, simultaneamente, da mesma doutrina do Con­cílio devemos receber luz para a Igreja dos nossos dias e para os homens do nosso tempo”.4

Há, portanto, uma urgência de “novidade de forma” que exige uma conversão pastoral, mas com vigor e integri­dade de doutrina em profunda e consciente sintonia com a vitalidade da Tradição cristã sob a direção dos Apóstolos e dos seus sucessores.

Assim afirmou o mesmo Concílio: “Fica, portanto, claro que, segundo o sapientíssimo plano divino a Sagrada Tradição, a Sagrada Escritura e o Magistério da Igreja estão de tal ma­neira entrelaçados e unidos, que um não tem consistência sem os outros, e que juntos, cada qual a seu modo, sob a ação do mesmo Espírito Santo, contribuem eficazmente para a salva­ção das almas”.5

A nova evangelização, portanto, deverá se colocar no tra­çado secular da Páscoa e de Pentecostes, vivido pela Igreja sob a orientação dos Pastores, cultivando uma peculiar sensi­bilidade aos atuais sinais dos tempos.

É bom lembrar que com o Concílio aprofundou-se o pró­prio conceito de “pastoral”. Ela não é só uma atividade seto­rial da Igreja, limitada à catequese e à liturgia, mas envolve toda a obra educativa e promocional do homem. O Vaticano II proclamou a importância, a natureza e a autonomia das rea­lidades temporais que não devem ser instrumentalizadas, mas respeitadas, promovidas de acordo com as finalidades próprias determinadas por Deus Criador; o Concílio acrescentou, porém, que estas realidades devem ser endereçadas a uma síntese vital que as incorpore à obra evangelizadora da Igreja para a recapitulação de tudo no mistério de Cristo. É suficiente lembrar, entre tantas afirmações conciliares, uma bastante significativa da Constituição pastoral “Gaudium et Spes”: “alegrem-se os cristãos, a exemplo de Cristo, que exerceu a profissão de ope­rário, porque podem desempenhar todas as suas atividades terrestres, unindo os esforços humanos, domésticos, profis­sionais, científicos ou técnicos, em síntese vital com os valores religiosos, sob cuja soberana direção todas as coisas são coorde­nadas para a glória de Deus”.6

A pastoral, portanto, permeia o trabalho global do homem transfigurando-o com a fé; ela, a fé, é critério que orienta, é finalização que coordena e dá um significado cristão a tudo; refere-se não só à atividade interna da Igreja, mas também às atividades próprias da sociedade: de fato, o Povo de Deus deve ser “sacramento universal” de salvação no mundo: “pretender que um só elemento da vida humana — disse João Paulo II aos Bispos do Chile — seja autônomo em relação à lei de Deus é uma forma de idolatria”.7

Deve-se observar, porém, que o devir da sociedade trouxe aceleradamente nestes decênios algumas interpelações inéditas à pastoral.

Perguntamo-nos nestes anos, quais seriam as novidades que desafiam a pastoral. O Evangelho não muda; a fé é sempre adesão sincera a Cristo; o que há que traz essas novidades que interpelam?

A resposta não é simples. Apresento à reflexão de vocês algumas destas novidades com as quais será preciso que hoje a nossa atividade de evangelizadores se confronte.



Novidades de fronteiras



Um primeiro elemento de novidade é o atual devir humano com os complexos problemas da cultura emergente e da pre­mente reestruturação social. O homem de hoje necessita, como o de ontem, do Evangelho, mas como resposta de Deus aos novos desafios.

A recente Exortação Apostólica sobre os fiéis leigos, em seu capítulo III,8 indica algumas fronteiras particularmente ne­cessitadas hoje da luz da Palavra de Deus: elas são “cultural­mente” novas.

Lembremo-las rapidamente indicando as vastas áreas: a dignidade da pessoa humana, os invioláveis direitos à vida, a li­berdade religiosa, a família como primeiro espaço para o enga­jamento social, a solidariedade em suas várias dimensões, o compromisso político próprio de uma convivência democrática, a complexa problemática econômico-social e, por fim, como sín­tese de tudo, a cultura (ou as culturas).

Trata-se, afinal, de resolver o angustiante drama do divór­cio entre cultura e Evangelho denunciado na “Evangelii Nuntiandi”. Isto requer que se assuma decididamente a “guinada antropológica” de que falou Paulo VI: o Concílio “dirigiu-se” e não “desviou-se” para o homem; e lembrar a afirmação de João Paulo II de que o caminho da Igreja é o homem. Deve-se considerar com discernimento de fé o crescente processo de secularização e os outros sinais dos tempos; eles, em si, são ambí­guos; mas, também se voltados de fato para interpretações re­dutoras e fora de rumo, carregam, todavia, especiais valores e precisam abrir-se à luz de Cristo para descobrir a plenitude de verdade do seu Evangelho. Prescindir deles com insensibilidade ou julgá-los negativamente com unilateralidade torna-nos inca­pazes de evangelizá-los. É preciso reconduzir a inteligência à fé, não apesar, mas graças à cultura.

Mas, valorizando a cultura emergente, não se corre talvez o perigo de cair no secularismo? Isto poderia também acontecer nos casos de falta de preparação; mas é preciso não esquecer que todos os fiéis vivem no devir do século e que a “dimensão secular” da Igreja é inerente à sua condição de peregrina no mundo. Por outro lado, os nossos jovens destinatários (que são ‘leigos’) devem ser formados em seu ambiente histórico e saber testemunhar a vocação cristã nos compromissos da sua “índole secular”.9

Portanto, é preciso adquirir todas as competências neces­sárias para responder evangelicamente às interpelações que surgem destas novas fronteiras do século.



Novidade de perspectivas



A mentalidade que veio se afirmando com o progredir dos sinais dos tempos está prevalentemente voltada para o futuro. Os processos de socialização, de libertação, de secularização, de promoção da mulher ajudaram a fazer pensar que na projeção do futuro exprime-se a verdade profunda do homem; é sua tarefa natural agir para transformar o mundo, tanto mais se for de­turpado por desvios e por injustiças. As ideologias nascidas em nosso século proclamaram, também se em seu efêmero setorialismo, a urgência de determinadas mudanças talvez à custa de meios inumanos e sanguinários.

Pode-se dizer que o conceito de “história” que hoje agrada refere-se mais ao futuro do que ao passado: mais do que memória (que seria útil como ensinamento), considera-se a histó­ria como projeto a ser elaborado e realizado; as pessoas querem ser protagonistas de um futuro mais humano e superior. Cresce a sensação da necessidade de uma contínua renovação. Dá-se muita importância ao gesto concreto do compromisso e à capacidade operacional; aprofunda-se, assim, e desenvolve-se uma nova re­lação entre teoria e práxis. De fato, a primazia do futuro está na centralidade da práxis.

Tal novidade de perspectiva não deve ser con­siderada como moda superficial, mesmo devendo ser devida­mente redimensionada. Aqui, interessa-nos o fato cultural que essa mentalidade está espalhada e que o evangelizador deve fazer as contas com ela. É uma modalidade nova de considerar as situações e as prioridades a serem privilegiadas; sugere so­luções e decisões originais; faz olhar para a vida como um contínuo compromisso de libertação pessoal e social.

Neste clima, é preciso reencontrar no Evangelho as molas e os critérios de futuro que lhe são próprios; devem ainda ser repensados e explicados adequadamente certos valores fundamentais do Cristianismo expressados por meio de conceitos que parecem um tanto alheios à sensibilidade atual, como os de “tradição”, de “observância”, de “indissolubili­dade”, etc. Não é que eles não devam, ainda hoje, ser conside­rados fundamentais, mas a maneira de apresentá-los pode trazer o perigo de considerá-los obsoletos e fechados, incapazes por­tanto de transmitir os seus verdadeiros e preciosos conteúdos.

Dar um lugar privilegiado à perspectiva de futuro, acompa­nhá-la com a criatividade e o trabalho, iluminá-la com novos ideais de crescimento, significa mudar os esquemas psicológi­cos do pensar social, sobretudo entre os jovens. Isto incide não pouco sobre a busca de uma “nova forma” de evangelização que não atraiçoe a integralidade da mensagem.

É interessante observar como esta mentalidade abre pers­pectivas sobre novos horizontes: mais do que de guerra e de poder, fala-se de paz, de justiça, de ecologia, de solidarie­dade, etc., e disso nasce o projeto de modelos diferentes aos quais aspirar; vários movimentos sociais surgiram para procla­mar essa originalidade.

É como se se devolvesse na humanidade uma hora de pri­mavera com fantasia juvenil. É um sinal particularmente expressivo das profundas mudanças culturais em andamento. Em resumo, é esta uma novidade em si entusiasmante.

Infelizmente, porém — como já observamos —, as coisas humanas costumam ser de fato ambíguas, e o que num primeiro momento parece fascinante, pode transformar-se em utopia passageira ou em desvio enganador.

O tempo não é só futuro; o próprio futuro nasce do pas­sado! A novidade que tem valor sempre precisa de raízes.

Em todo caso, o que é preciso ter presente neste caso é que o Cristianismo, por sua natureza específica, está profunda­mente voltado para o futuro, e é chamado a ser nos séculos peculiarmente “perito em novidade”. Com razão, os Padres dis­seram que a história da Igreja vai de início em início até o final: ao longo dos séculos a obra da evangelização inicia sem­pre e nunca termina.

É bonito observar aqui que Dom Bosco nos dá uma pre­ciosa lição de sensibilidade histórica, seja com a sua releitura da memória do passado, seja com o seu trabalho criativo em uma práxis pastoral de futuro. Soube, por um lado, considerar nos séculos a específica missão evangelizadora da Igreja (pen­semos nos seus escritos de história da Igreja e da Itália) e, de outro, iluminado por esta sabedoria secular, dedicou-se corajosamente e com criatividade a dar uma resposta evangelizadora aos novos desafios dos tempos: foi um pastor voltado para o futuro, podemos dizer também santamente “utópico”, porque procurou penetrar nos novos problemas da juventude neces­sitada estimulando a criatividade das suas qualidades e dos dons seus pessoais e do seu carisma de fundador, para formular uma res­posta adequada. Foi um santo suscitado pelo Espírito como válido profeta para os novos tempos. Devemos saber olhar para ele como mestre de um novo início da pastoral juvenil.



A “suprema” novidade



Não é suficiente considerar as novidades culturais de tipo cronológico que acompanham a evolução do devir humano. Hoje, como ontem e amanhã, permanece viva, fascinante e deci­siva a suprema novidade do Cristianismo na história: a Páscoa de Cristo. É uma novidade de tipo histórico-teologal. Não é suficiente reconhecer abstratamente a sua excepcionali­dade; é preciso apresentá-la como a mais importante “notícia” para o hoje, que causa impacto, que renova, que sabe responder aos interrogativos mais angustiantes, que abre a vida de cada um e a história da humanidade à transcendência: trata-se da misteriosa dimensão escatológica (ou seja, da meta final desde já presente de alguma maneira) que incide também sobre as culturas humanas, as ilumina, julga, purifica, discerne e pode promover seus valores emergentes.

A nova evangelização apoia-se totalmente sobre este acon­tecimento máximo: o “último” por excelência! Não existe, nem haverá jamais novidade maior do que esta: é a medida de con­fronto para toda e qualquer outra novidade; não envelhece; é a perene maior maravilha da inserção de Deus na história; é a nova criação que se antecipa ao nosso velho mundo. É pre­ciso saber tornar visível e comunicar esta suprema novidade.

O qualificativo “novo” relacionado com a cultura indica simplesmente uma emergência no devir, mesmo exigindo uma atenta e renovada modalidade de pastoral; relacionado, no entanto, com o mistério de Cristo, o qualificativo “novo” indica a plenitude da verdadeira e definitiva novidade. É nova não porque jamais ouvimos falar dela, ou porque é interpelada pelos problemas que antes não se conheciam, mas porque é o ápice maravilhoso da aventura humana; proclama, de fato, a meta suprema da história e a fonte de toda esperança em todos os séculos. Impressiona-nos sempre.

Grandes foram nos últimos tempos os progressos da ciên­cia e da técnica e grandes foram as repercussões que tiveram sobre a humanidade sem nunca chegar a dar respostas com­pletas e satisfatórias aos muitos interrogativos do homem”.10

Só Cristo revela ao homem o que é o próprio homem!

Evangelizar” significa, antes de tudo, saber anunciar ao homem de hoje a alegre e feliz notícia da Páscoa, que arrebenta e faz explodir o atrativo caduco das novidades que evoluem, que logo se transformam naquela monotonia insatis­feita caracterizadora da existência enjoada de uma civi­lização apenas horizontal.

É urgente, portanto, sermos comunicadores atualizados da grande “notícia” com os seus enormes valores históricos.

Há, sobretudo, duas mediações que, como duas bitolas, transmitem suas riquezas: a Palavra de Deus e a Liturgia; cons­tituem a grande trilha de “volta às fontes”: “voltar às fontes, em nosso caso — escreveu o Papa —, é retornar ao próprio ma­nancial da vida em que se nutre o ‘fervor dos Santos’. Por isso é bom escutarmos das primeiras testemunhas do Evangelho o impacto, a novidade e o dinamismo do primeiro anúncio. Ouça­mos o evangelista João na sua Primeira Carta: ‘O que era desde o princípio, o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos, e nossas mãos apalparam... vo-lo anuncia­mos, para que estejais também em comunhão conosco’”.11

Eis então que a nova evangelização terá necessidade de uma verdadeira “Escola da Palavra” (como faz, por ex., o Card. Mar­tini com os jovens de Milão ou como nós tentamos fazer com a mensagem das “Bem-aventuranças juvenis”) e de uma reno­vada e vivida “Experiência litúrgica” em que tudo se concentra em vista da Eucaristia (como foi insistido várias vezes na Congregação),12 para que a Páscoa seja considerada sempre a suprema novidade.

A nova evangelização deverá fazer compreender aos jovens a máxima notícia proposta por estas duas mediações, como es­tratégia pedagógica de iniciação ao mistério.



Novidade de pressupostos doutrinais



As três novidades que até aqui acenamos necessitam de todo um alicerce de pensamento que reconsidere e aprofunde certos aspectos da realidade e da história da salvação com uma visão objetivamente renovada.

De fato: as “novas fronteiras” pedem uma reflexão mais profunda sobre os valores da laicidade, de acordo com a va­lorização de toda a ordem temporal; as “novas perspectivas” precisam saber medir os valores do futuro histórico com o parâmetro do futuro absoluto (= a escatologia), ou seja, da Páscoa como o “novíssimo” por excelência; e por fim “a su­prema novidade” dos acontecimentos pascais exige um forte repensamento de todo o mistério da Igreja como Corpo de Cristo na história.

Eis então três grandes setores que esperam uma reflexão doutrinal particularmente renovada: uma teologia mais atualizada da “criação”, uma criativa “teologia da esperança”, com uma visão mais envolvente da “escatologia” vendo o futuro a partir dos “novíssimos” ou melhor, do “novíssimo”; e uma “teologia da Igreja” repensada conciliarmente ao redor do conceito do Povo de Deus que vive em comunhão orgânica.

O evangelizador atual deve aprofundar estas ricas áreas doutrinais.



  • A “teologia da criação” deve ser repensada e desenvol­vida a partir da “ótica do laicato” e dando particular impor­tância à “guinada antropológica” enriquecida com os sinais dos tempos e com o progresso das ciências fenomenológicas. Abre-se, aqui, uma área de saber que é imensa e incide fortemente na progressiva elaboração de uma nova cul­tura. A laicidade, os valores da secularidade, as leis harmônicas da natureza, a singularidade da vida humana, da sua dignidade e da pedagogia do amadurecimento, os valores e os direitos da pessoa, as legítimas exigências da liberdade, os direitos e os deveres da família, a natureza e o desenvolvimento da socie­dade, a política do bem comum, a economia e o uso dos bens para todos, a solidariedade humana em seus múltiplos aspectos, são vastos temas a serem reestudados doutrinalmente do ponto de vista teológico renovado, capaz de contemplar as coisas de acordo com o projeto criador de Deus Pai em sintonia com a atual evolução da cultura.



  • A “teologia da esperança” ilumina as atitudes e a práxis com uma modalidade voltada para o futuro a partir das supre­mas novidades da Páscoa e de Pentecostes, que comportam a presença do Espírito Santo na história com a suave energia do seu poder. Faz entender a realidade objetiva e transcendente da ressurreição de Cristo — que é o fato concreto e supremo do “Homem-tipo” — como início da “nova criação” na qual Ele conquistou a condição de Segundo Adão e a realeza de Senhor da história.

O grande interesse da esperança cristã é o futuro, não um futuro genérico e transitório, mas aquele transcendente e definitivo de Cristo. O poder do Espírito vai construindo, já no futuro histórico, as premissas e as raízes do futuro absoluto imprimindo na história pós-pascal uma verdadeira dimensão escatológica, seja na ordem temporal da cultura e da política, seja no ambiente eclesial da pastoral. A Páscoa é como o “motor primeiro” que inicia um processo histórico voltado a transformar a realidade humana; é o princípio de uma con­tínua renovação animada pela esperança. Abre-se assim uma vasta área de reflexão para a doutrina cristã da ação.

Falou-se que o mistério cristão é como “uma flecha lan­çada no mundo para indicar o futuro”, de tal maneira que a fé nunca deva ser submetida e manipulada pela história, mas, ao contrário, a transcenda, julgue e guie.

Seja a ação dos leigos no temporal, seja a ação pastoral da Igreja, ambas devem olhar inteligentemente para o futuro (tanto mais em se tratando de pastoral juvenil) com a luz e a energia da esperança que projeta a suprema novidade da Páscoa sobre o devir humano através do poder do Espírito. A esperança cristã invade tudo com dinamismo operacional: não é só “expecta­tiva”, mas é “preparação projetada e laboriosa”, é incansabilidade de obreiros do Reino, é mais forte de todos os motivos de desânimo, pertence àquela fé que é vitória que transforma o mundo. A luz que ela irradia traz consigo a capacidade de discernimento crítico diante de todas as outras novidades culturais que vão emergindo e sabe avaliar os projetos de futuro histórico que vão sendo elaborados para o progresso da ordem temporal. Mesmo existindo uma “distância histórica” entre a cultura de hoje e a de ontem, e por isso existe uma diferença de critérios de ação diante da crescente complexidade social e eclesial, todavia o Espírito de verdade vai sublinhando constantemente no Evangelho novas modalidades de resposta cristã que derivam de maneira inexaurível daquele “primeiro motor” que é a ressurreição do Senhor.

De fato, a suprema novidade da Páscoa é uma dimensão sempre presente no cotidiano, na vida de fé, nas obras de cari­dade, nas múltiplas iniciativas do Espírito, em toda a vida do fiel; é fruto do Batismo que infunde a inata energia da nova criação, e é alimentada pela Eucaristia com a assimilação do próprio corpo do Ressuscitado.

Estávamos acostumados a reduzir os temas dos “novís­simos” à morte, ao juízo, inferno e paraíso. Sim, eles são temas escatológicos de particular importância, mas se apresentam mais como limites ao qual se chega do que como motor de vida: a visão mais envolvente da suprema novidade pascal es­tende, no entanto, as considerações da escatologia a todo o conjunto da existência vivida na esperança. Com a Páscoa mudou, de fato, o conceito de tempo: não o círculo repetitivo, embora em espiral, das estações dos séculos; não a linha reta sempre para frente, sem saber objetivamente qual é a meta de chegada; mas o paradoxo do “já” e do “ainda não”, onde está o progredir objetivo da história, e onde se encontra, ao mesmo tempo, a sua meta definitiva, o homem novo que vive em plenitude nos dois Ressuscitados, Cristo e Maria, que, quais protagonistas da nova humanidade, influem constantemente sobre o desenvolvimento das vicissitudes humanas e injetam desde já na história as energias da ressurreição.

A teologia da esperança, repensada na ótica pascal, apre­sentará ricas perspectivas à nova evangelização.



Por fim, a “teologia da Igreja” foi repensada e proposta substancialmente nos documentos do Concílio Vaticano II. Eles devem ser considerados organicamente, de acordo com as indi­cações do Sínodo extraordinário de 1985. A “Relação final” deste Sínodo ajuda a desenvolver uma eclesiologia de comu­nhão que não resulte como arbitrária e não apareça distanciada da Tradição viva.

O Concílio superou uma leitura societária da Igreja evidenciando o seu caráter central de “mistério” que a torna “Corpo de Cristo” e “Templo do Espírito” na história. Ela é, portanto, “Sacramento universal de salvação”. É apre­sentada como “Povo de Deus” através dos séculos; um “Povo” nascido do Batismo com dignidade profética sacerdotal e régia, que vive numa comunhão orgânica constantemente guiado por Cristo “Pastor eterno” através do Papa e dos Bispos, esco­lhidos como seus Vigários para apascentá-lo colegialmente. Neste Povo, todos os membros têm uma comum vocação à santidade e estão comprometidos numa mesma missão evan­gelizadora, porém com diferentes modalidades de testemunho e com variados serviços de acordo com a pertença: Laicato, Vida consagrada ou Ministério da Ordem.

As consequências pastorais desta renovação eclesiológica estão sendo atuadas e são os alicerces da nova evangelização. É indispensável assumir esta mudança eclesiológica com uma mentalidade verdadeiramente renovada em relação à teologia da Igreja. Sem esta autêntica conversão de perspectiva resul­taria impossível o famoso “impulso para frente” do Papa João XXIII.

Infelizmente apareceram, nos últimos anos, algumas in­terpretações eclesiológicas bastante arbitrárias, que se afastam da doutrina conciliar e geraram, mais de uma vez, perigo­sas confusões. Será preciso saber julgá-las com atento discer­nimento em sintonia com o Magistério vivo dos Pastores.

Portanto, como se pode ver, a novidade de perspectivas doutrinais, especialmente de uma renovada reflexão teológica sobre os temas da criação, da esperança cristã e da Igreja-mistério, compromete fundamentalmente os agentes da nova evangelização com exigentes tarefas de cuidadosa formação permanente.



Novidade de método e de linguagem



Já faz uma dezena de anos que as disciplinas do método fizeram e estão fazendo grandes progressos: entre as ciências humanas ocupa um lugar eminente, sobretudo numa época de mudanças, a pedagogia enriquecida pelos progressos da bio­logia, da psicologia e da sociologia. É verdade que o “método” se situa no nível dos “meios” e que precisa, portanto, ser pen­sado e avaliado em vista do fim e dos conteúdos. Porém, tem importância verdadeiramente extraordinária na busca da “forma nova” de abordagem pastoral e de diálogo cultural a que se alude quando se fala de nova evangelização.

Intimamente vinculado ao método está o aspecto da “lin­guagem”. A experiência ensina que sem linguagem ade­quada (que não pode ser reduzida a simples palavras a serem ditas) não é possível comunicar e transmitir. É este, hoje, um assunto “quente” que nos pode colocar em crise pelo nosso tipo de formação mental e por certa falta de flexibilidade cultural. É suficiente pensar que seria preciso usar um tipo de linguagem adaptado aos intelectuais, outro para as pessoas simples e comuns, outro ao nível da comunicação oficial, outro para os analfabetos, etc.: uma linguagem que conhece bem a verdade integral dos conteúdos e que sabe co­municá-la escutando sobretudo os clamores dos últimos. Santo Agostinho escreveu, exatamente visando este problema, o seu célebre “De catechizandis rudibus”.

Haverá necessidade, portanto, da diversidade de métodos e de linguagens visando as diferenças de idade, cultura, situações, etc. A multiplicidade e variedade de métodos é uma exigência da “forma nova”; não é um defeito, mas um sinal de flexibilidade pedagógica, e, portanto, uma riqueza de co­municação.

Trata-se de exigências pedagógicas a serviço da evange­lização. Evidentemente a finalidade deve ser a de transmitir claramente o Evangelho na sua totalidade.

Os métodos também podem pecar pela infiltração de preconceitos ou de teorias arbitrárias. A tentação de misturar inde­vidamente neles alguns aspectos ideológicos infelizmente não é uma fantasia. A nova evangelização exige a busca de métodos capazes de dar uma contribuição eficaz para a educação à fé e da fé, seguindo a integridade do depósito da Igreja, assegu­rando algumas certezas fundamentais, bem definidas, simples, sólidas e mais fortes das recorrentes suspeitas racionalistas.

Nesta busca é importante lembrar que existe também uma “originalidade pedagógica”, própria e característica da educação à fé. Sublinhou-a o Papa João Paulo II após o Sínodo de 1977 sobre a catequese: “A originalidade irredutível da iden­tidade cristã — afirmou — tem como corolário e condição uma pedagogia não menos original da fé... A ciência da educação e a arte estão sendo objeto de contínuos reexames em vista de se conseguir uma melhor adaptação ou uma maior eficácia das mesmas, com resultados também diversos.

Ora, sucede que há também uma pedagogia da fé... E ao longo de toda a história sagrada, e sobretudo no Evangelho, o próprio Deus serviu-se de uma pedagogia que deve continuar a ser modelo para a pedagogia da fé. Uma técnica não será válida na catequese senão na medida em que ela é posta a serviço da fé para transmitir e para educar”.13

O tema do método e da linguagem deveria representar para nós, à escola de Dom Bosco Educador, um argumento privile­giado em que deveríamos aparecer como protagonistas exatamente na educação da juventude popular à fé. Será uma me­todologia inspirada naquela do nosso Fundador que, no Siste­ma Preventivo, nos transmitiu uma pedagogia vital e conscien­temente ligada à irredutível originalidade da revelação e da identidade cristã: uma pedagogia que aponta nada mais nada menos para a santidade.14



Novidade de agentes



A Exortação apostólicaChristifideles Laici” lembrou-nos que a tarefa evangélica é própria de todo o Povo de Deus. No seu capítulo IV o documento apresenta os diferentes grupos de “trabalhadores da vinha” e conclui citando uma bonita página da “Introdução à vida devota” de São Francisco de Sales: “Na criação, Deus ordenou às plantas que produzissem os seus frutos, cada uma segundo a própria espécie. A mesma ordem dá aos cristãos, que são as plantas vivas da Sua Igreja, para produzirem frutos de devoção, cada um segundo o seu estado e a sua condição”.15

A Exortação está toda voltada para a vocação e missão dos leigos. Devem, portanto, ser eles mesmos os evan­gelizadores concretos dos seus ambientes de vida e de trabalho. São cha­mados a colaborar também em outras iniciativas evangeliza­doras da Igreja. A missionariedade do laicato foi relançada pelo Concílio Vaticano II e constitui, de fato, uma “novidade” pastoral que precisa de um impulso mais decidido.

Percebe-se claramente, por conseguinte, que um sério “Projeto-Leigos”, de nossa parte, não é só fidelidade à ideia apostólica do Fundador, mas exigência fundamental da­quela renovada eclesiologia, que constitui o estímulo doutrinal de uma profunda mudança pastoral. Precisará, portanto, inten­sificar com maior convicção o trabalho em favor de nossas associações laicais.

A nova Evangelização é solicitada e avaliada mais pela própria missão do que pelo funcionamento de obras progra­madas em tempos anteriores; é a exigência atual da missão que deve guiar, de fato, a específica renovação dessas obras.

É importante para nós sublinhar, ainda, que no mesmo capítulo IV a Exortação reserva uma atenção particular aos jovens. Eles “não devem ser considerados simplesmente como objetos da solicitude pastoral da Igreja; são de fato e devem ser encorajados a serem sujeitos ativos, protagonistas da evan­gelização e artífices da renovação social”.16

São afirmações corajosas! Elas indicam a meta da nossa pastoral juvenil. O CG23 nos ajudará a sermos, neste setor, competentes educadores que sabem envolver — na variedade das obras — muitos jovens agentes da nova evangelização.

Deve-se rever de modo especial, por exemplo, a nossa incisividade pastoral no associacionismo juvenil. O “Confronto DB88” fez-nos experimentar a importância e a atualidade de saber animar um verdadeiro Movimento entre os jovens mais comprometidos, permeado pelo espírito de Dom Bosco “pai e mestre da juventude”. O critério oratoriano que deve caracte­rizar o relançamento deste compromisso associativo su­gere não só uma modalidade original de animação dos grupos atuantes, como também nos lembra que o “oratório” — como critério permanente de renovação — não é só um lugar geo­gráfico; ele subsiste também numa associação e num movimento que ultrapassa os limites do ambiente material e local, até se estender a toda a Inspetoria e a todo o País.

Também isto é repensar com novidade o nosso trabalho pelo Evangelho entre os jovens.



Novidade também de perigos



A convergência de tantas novidades também traz consigo um outro enfoque no cuidado preventivo contra os possíveis perigos. Se alguém toma outra estrada, deverá saber adequar-se às novas condições da viagem e observar com atenção o terreno, que apresentará naturalmente outros perigos, diferentes daque­les da estrada anterior.

Uma vez excluída a atitude birrenta do integrismo tradi­cionalista, que consiste em não querer mudar o caminho (nega, de fato, a necessidade de uma “nova modalidade” de pastoral), a escolha da nova evangelização exige que se enfrentem muitos problemas inéditos, que se criem respostas adequadas, que se superem particulares dificuldades, e também que se saiba identificar e desmascarar novos perigos que poderiam fazer sair da estrada. Portanto: nem ortodoxia fechada, nem erros geniais!

Este é um risco inerente à escolha feita. De fato, nestes poucos anos de busca pastoral constatamos o surgir de dese­quilíbrios diferentes dos anteriores. Antes do Concílio, o eixo dos perigos encontrava-se principalmente do lado de uma mo­dalidade evangelizadora fixa; depois do Vaticano II encontra­mo-lo do lado da criatividade pastoral, louvável enquanto busca uma nova forma, mas que pode ser perigoso ou levar longe do rumo por causa de algumas de suas propostas específicas: lem­bremos, por exemplo, algumas posições intemperantes na re­novação litúrgica e eclesiológica, ou certas interpretações ideo­lógicas do processo de libertação.

Convido-os a ler com atenção a Carta que João Paulo II enviou aos religiosos por ocasião da XV Assembleia Geral Ordi­nária da CRB.17 Afirma ele entre outras coisas: “A fé que se apoia na revelação e no magistério da Igreja salvaguarda a evangelização da tentação das utopias humanas; a esperança cristã não confunde a salvação com as ideologias de qualquer denotação; a caridade que há de animar a tarefa evangeliza­dora preserva o anúncio evangélico da tentação da pura estra­tégia de uma transformação social ou da violência desenfreada que leva à luta de classes. Fé, esperança e amor são a garantia desta nova evangelização”.18

Acredito, portanto, ser conveniente, sem pretender esgotar um argumento tão delicado, indicar algumas áreas mais nocivas de perigo à nossa pastoral juvenil.



  • Uma primeira área de perigo procede da “diferença ou distância histórica” que existe entre o mundo bíblico e eclesial dos séculos passados e a cultura emergente no mundo de hoje. Este é um dado evidente, mas que pode prestar-se a um ataque radical aos fundamentos da fé através de uma leitura demitizadora da Bíblia e da Tradição: colocar-nos-ia numa atitude pós-cristã. Graças a Deus, os defensores da fé nos alertam e orientam. Os ataques que, por causa desta diferença histórica, são dirigidos hoje contra o Magistério da Igreja não conside­ram a objetiva vontade de Cristo de firmar a permanência da fé sobre pessoas vivas e contemporâneas, assistidas pelo Es­pírito Santo, para que nunca enfraqueça a autenticidade do Evangelho para todas as gerações dos crentes. O ministério de Pedro e dos Apóstolos, do Papa e dos Pastores, é hoje — como ontem — mediação indispensável para assegurar a identidade da fé no interior das distâncias históricas. Os agentes da nova evangelização deverão reservar uma atenção particular e cuida­dosa ao Magistério da Igreja.



  • Uma segunda área de perigo manifesta-se em não saber assumir com equilíbrio as novidades culturais. Certamente, destacam-se entre os principais sinais dos tempos os processos de socialização e de personalização, que trazem visões e va­lores novos. Deles nasce toda uma busca pastoral impregnada de problemáticas específicas. A comunhão eclesial impul­siona-nos à evangelização destes sinais dos tempos, seja com o ensino social do Magistério, seja com a intensificada docilidade pessoal do Espírito Santo numa hora particularmente rica de sua presença carismática.

Aqui, porém, podemos encontrar um duplo perigo: de um primado do social que leva à hipervalorização do aspecto político (embora tão importante) prejudicando a transcendência da fé e a autonomia da laicidade; ou de um intimismo espiritual, que favorece atitudes de alienação diante dos graves e urgentes problemas da ordem temporal e da re­novação da sociedade.

O estilo de pastoral juvenil herdado de Dom Bosco afasta-se, sem criar polêmicas, destes desequilíbrios; procura har­monizar, com a sabedoria do bom senso, seja a responsabilida­de política, seja a interioridade pessoal, “o honesto cidadão e o bom cristão”, promovendo com equilíbrio uma evangelização verdadeiramente nova na sensibilidade social dos valores po­líticos e numa espiritualidade juvenil que busque corajosa­mente a santidade de cada um.



Por fim, uma terceira área de perigo é a dos desvios eclesiológicos. O Vaticano II colocou como fundamento da nova evangelização a eclesiologia do Povo de Deus. Há todo um aprofundamento a esse respeito que destaca a dignidade e a responsabilidade batismal, a vocação e a missão dos fiéis leigos, a especial profecia da vida consagrada e o precioso e indispen­sável papel dos Pastores. A missionariedade de todo o Povo de Deus foi descrita cuidadosamente na Exortação apostólica “Christifideles Laici”.

Mas ao lado deste progresso eclesiológico nasceram ten­dências de afastamento, por exemplo, em relação à chamada “Igreja-instituição”, ou em relação ao conceito de Povo de Deus, ou em relação à doutrina do ministério sacerdotal e do magis­tério, ou em relação à interpretação do simbolismo das celebra­ções sacramentais sobretudo da Eucaristia e da Penitência.

A nova pastoral, se não se fundamentar claramente numa autêntica eclesiologia conciliar, não poderá ser verdadeira evangelização.

Em particular, interessa-nos saber recuperar com os jo­vens os valores vitais da Eucaristia e da Penitência, que são colunas básicas do Sistema Preventivo. Assistimos nestes anos a um baque na celebração destes sacramentos na pastoral juvenil, ou a uma alteração (às vezes dessacralizada) do seu simbolismo pascal, rebaixando-a até à expressão de luta de classe ou a crítica e denúncia contra instituições sociais e eclesiais. É necessário, no entanto, levar os jovens a um conhe­cimento e participação consciente da Eucaristia e da Penitência, como centro vital prático da nova evangelização. É eludir a absoluta importância deste tema tentar justificar o fato de não levar em conta estes dois sacramentos através de variadas ra­cionalizações que não levam à autenticidade do Evangelho! Não se forma um cristão sem Eucaristia e sem Penitência. Devería­mos saber buscar uma “nova forma” de introdução pedagógica à sua celebração, profundamente convencidos que a nova evangelização deve levar os jovens à vida eucarística e aos compromissos da reconciliação.

Superar os perigos do desinteresse pelos sacramentos ou da mudança do seu simbolismo deveria ser nossa competência peculiar.



A indispensável “interioridade apostólica” dos evangelizadores



Acredito ser muito importante chamar a atenção sobre outra “novidade” — porque é sempre tal — que está no início de tudo: a condição de renovação pessoal dos evangeliza­dores. Há vários anos estamos insistindo sobre a “interioridade apostólica”.19 É bom reconsiderar brevemente aqui este argu­mento na ótica da nova evangelização.

O Papa falou, a esse respeito, de um “novo ardor”. Trata-se do coração e da mente daquele que “evangeliza”. Nunca houve nem poderá haver evangelização sem válidos evangelizadores: pensemos nos apóstolos e em todos os discípulos.

A nova evangelização é testemunho. “A força da evangeli­zação — escreve o Papa — se enraíza, ao mesmo tempo, na verdade que se anuncia e na convicção do testemunho com que se propõe. Por isso, hoje, a nova evangelização exige que os arautos sejam fiéis na pregação da verdade e sejam testemu­nhas da força salvadora da Palavra da vida. Diante do desafio da nova evangelização, a Igreja precisa hoje de mestres e santos, abertos ao poder iluminante do Espírito Santo, que afina a capacidade de discernimento da realidade e faz brotar uma generosa criatividade de palavras e obras aptas para dar vida ao Evangelho que se anuncia, nas diversas circunstâncias dos tempos.

Por isso, os Religiosos na nova evangelização têm de primar pela fidelidade à verdade e pelo ardor na missão, pela trans­parência do testemunho e pela força sobrenatural da santidade. Nunca hão de esquecer que, em comunhão com os Fundadores, são ‘filhos e filhas dos Santos’ que anunciaram o Evangelho com a santidade de sua vida”.20

Assim é importante concentrar a atenção sobre nós mes­mos como educadores cristãos “renovados”.

Esta ótica deve considerar uma característica inerente à modalidade própria do Sistema Preventivo: a de “evangelizar educando”.21

João Paulo II lembrou-nos que Dom Bosco soube “estabe­lecer uma síntese entre atividade evangelizadora e atividade educativa”; a sua preocupação evangelizadora —escre­veu — “abraça todo o vasto setor da condição juvenil; situa-se, portanto, no interior do processo de formação humana”.22

Penso ser claro para todos que as atividades educativas propriamente culturais (ciências, profissionalismo, teatro, mú­sica, esporte, disciplina, etc.) pertencem pela própria natureza ao nível do amadurecimento humano; não são, por si, evange­lização; cultivam-nas também os não-cristãos. O que as eleva de significado, sem mudar sua natureza, é a síntese vital a que o evangelizador que educa as incorpora. São por ele organi­zadas existencialmente a finalidade cristã de formação integral que leva o jovem à plenitude pascal. “O educador — disse-nos o Papa — deve ter a clara percepção do fim último, pois na arte educativa os fins exercem uma função determinante”.23

Na circular já citada sobre o nosso Projeto educativo24 fiz observar que “no Sistema Preventivo podem-se distinguir dois níveis ou aspectos diferentes profundamente unidos entre si: o princípio inspirador (= impulso pastoral do evangelizador, o seu formar ‘paróquia’ segundo o artigo 40 das Constituições) e o critério metodológico que orienta as modalidades concre­tas da sua ação (= o método pedagógico da ‘casa’, ‘escola’ e ‘pátio’). Entre ‘impulso pastoral’ e ‘método pedagógico’ pode-se perceber uma delicada distinção útil à reflexão e ao aprofundamento de aspectos setoriais, mas seria ilusório e perigoso esquecer a íntima ligação que os une tão radicalmente entre si, a ponto que se torna impossível a sua separação. Quem separa o método pedagógico de Dom Bosco da sua alma pastoral destrói a ambos”.25

Portanto, o protagonista estratégico da nova evangeli­zação é verdadeiramente o evangelizador com sua interioridade apostólica. É preciso que ele tenha assimilado vitalmente a verdade revelada e que leve em consideração as várias “novidades” culturais de que falamos, mas que também considere absoluta­mente indispensável a renovação pastoral do seu coração. Há verdadeira urgência de um “novo ardor” apostólico, como alma do evangelizador. Não criemos ilusões; o segredo está também no método, mas não para por aí. Sem um especial cuidado pela interioridade apostólica em nós, nos leigos e nos jovens não teremos a auspiciada nova evangelização. É pela caridade pas­toral do coração, centro vital do espírito salesiano, que brota a “graça de unidade” que torna mutuamente inseparáveis o “evangelizar educando” e o “educar evangelizando”.

A nova evangelização será fruto de interioridade ou realmente não existirá: isto é lógico; e disso brota a possibilidade de uma “forma nova”.

Dom Bosco foi “pastor” sempre e em todo lugar; ele esco­lheu a educação como atividade primordial para evangelizar os jovens. Permeou-a cotidianamente com o ardor do “da mihi animas”. Imitemos a arte pedagógica da sua síntese vital, nas­cida do ardor apostólico do seu coração.



Conclusão



Queridos Irmãos, o argumento tratado nesta circular é complexo e em contínua evolução; e, portanto, não fácil; mas nele encontramos o grande desafio dos novos tempos, cuja res­posta foi confiada pelo Vaticano II a toda a Igreja.

Proponhamo-nos começar a meditar serenamente seus vários aspectos e recolher quanto o Papa e os Palores nos indicaram e nos indicarão sobre o assunto.

Parece-me poder dizer que a Congregação já está a caminho para a nova evangelização; já foram vistos frutos prometedores. Não só o “Confronto DB88”, mas toda uma série de experiências pastorais, especialmente através do critério oratoriano26 e as iniciativas surgidas em vários campos, por exemplo, a qualidade pastoral da escola, a orientação cristã da comunicação social, a associação de jovens e de leigos (Grupos juvenis, Cooperadores, Ex-alunos, devotos de Maria Auxilia­dora, etc.), que deveriam atrair mais a atenção de todos os irmãos. Após o Concílio Vaticano II, a Congregação entrou realmente na órbita da nova evangelização.

Recordemos as grandes diretrizes capitulares; em parti­cular, o documento “Evangelização e Catequese” do Capítulo Geral Especial XX; “Os Salesianos evangelizadores dos jovens” do Capítulo Geral XXI; o texto definitivo das Constituições do Capítulo Geral XXII.

Estes Capítulos introduziram na Congregação também mu­danças estruturais significativas para a nova evangelização.

Vejamos ainda as orientações do Reitor-Mor com seu Con­selho, as Cartas circulares escritas para a aplicação concreta dos Capítulos Gerais. Apresento na nota 2727 algumas das Cartas circulares indicativas do nosso “impulso para frente” na dire­ção da nova evangelização dos jovens. Foram publicados nume­rosos subsídios, particularmente do dicastério de Pastoral ju­venil, que apontam os passos concretos a serem dados para traduzir na prática as grandes orientações.

Certamente, há ainda muito a ser feito: de fato a Congre­gação encontra aqui o seu desafio mais urgente, hoje.

O próximo CG23 enfrentará este vasto problema de ma­neira prática e concreta. Rezemos muito, em comunidade, para o seu feliz êxito e peçamos com insistência a Dom Bosco que nos obtenha sermos portadores válidos do seu carisma para a efi­cácia de uma nova evangelização da juventude: revivamos ver­dadeiramente com ele, muito além da diferença histórica que nos distingue culturalmente do seu tempo, a força unificadora que brota do “da mihi animas”.

A preocupação assídua com a nossa interioridade apostólica, jun­tamente com a nossa atenta consideração do devir humano, nos fará olhar com esperança para o futuro.

Cordiais saudações.

Com afeto no Senhor,









1 Regul. 113.

2 Christifideles Laici, 46.

3 Alocução em 11 de outubro de 1962.

4 Relação final, 5.

5 Dei Verbum, 10.

6 Gaudium es Spes, 43.

7 L’Osservatore Romano, 28-29 de agosto de 1989.

8 Christifideles Laici, 37-44.

9 Ib. 15.

10 João Paulo II aos Bispos do Chile – L’Osservatore Romano, 28-29 de agosto de 1989.

11 1Jo 1,1-3. Carta do Papa aos religiosos por ocasião da XV Assembleia Geral ordinária da CRB – L’Osservatore Romano, 30 de agost6o de 1989.

12 Cf. Atos do Conselho Geral, 324, janeiro-março 1988.

13 Catechesi Tradendae, 58.

14 Cf. Iuvenum Patris, 15-16.

15 Christifideles Laici, 56.

16 Ib. 46.

17 Vaticano, 11 de julho de 1989.

18 L’Osservatore Romano, 30 de agosto de 1989.

19 Cf. Interioridad Apostólica, Ediciones Don Bosco Argentina, 1989: traz as palestras dos Exercícios Espirituais feitas pelo Reitor-Mor em Fortín Mercedes no mês de fevereiro de 1988.

20 Carta do Papa aos religiosos por ocasião da XV Assembleia Geral Ordinária da CRB – L’Osservatore Romano, 30 de agosto de 1989.

21 Cf. a circular sobre o assunto. ACG n. 290, julho-dezembro 1978.

22 Cf. Iuvenum Patris, 15.

23 Ib. 16.

24 ACG 290.

25 Ib. p. 14.

26 Cf. Const. 40.

27 Entre as Cartas-circulares dos Reitores-Mores podemos lembrar como particularmente significativas para a nova evangelização as seguintes:

  • O discernimento e a unidade hoje na Congregação, ACS 272.

  • Nós missionários dos jovens, ACS 279.

  • Necessitamos de espertos de Deus, ACS 281.

  • Os Salesianos e a responsabilidade política, ACS 284.

  • O projeto educativo salesiano, ACS 290.

  • Grupos e movimentos juvenis, ACS 294.

  • Mais clareza de Evangelho, ACS 296.

  • A comunicação social nos interpela, ACS 302.

  • O ano mariano, ACG 322.

  • A Eucaristia no espírito apostólico de Dom Bosco, ACG 324.

  • A nossa fidelidade ao Sucessor de Pedro, ACG 315.

  • A Carta “Iuvenum Patris” de S.S. João Paulo II, ACG 325.

  • Convocação do Capítulo Geral 23, ACG 327.

Além disso é importante lembrar também as cartas: Redesco­berta do espírito de Mornese (ACS 301), A Associação dos Cooperadores (ACG 318), dos Ex-alunos (ACG 321), a promoção do laicato (ACG 317) e da Família Salesiana (ACS 304).

É um conjunto de preciosos subsídios (entre outros) que testemunham a entrada em órbita da Congregação e iluminam a longa estrada que ela tem ainda que percorrer.



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