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1. CARTA DO REITOR-MOR __________________________________________________________



"EU VIM PARA QUE TENHAM A VIDA

E A TENHAM EM ABUNDÂNCIA" (Jo 10, 10b)


Apresentação da Região África-Madagascar


A Região África-Madagascar. 1. África-Madagascar hoje. 1.1. Configuração das presenças salesianas no continente africano. 1.2. As obras salesianas. 1.3. O contexto sócio-político e religioso no qual se encontram as nossas obras. 2. História e desenvolvimento das obras salesianas. 2.1. Antes do Projeto África. 2.2. O Projeto África. 2.3. Projeto África, fruto da sinergia da Congregação. 3. O carisma salesiano e a realidade africana. 3.1. Pastoral juvenil. 3.2. Paróquias e Missões. 3.3. A Comunicação Social. 3.4. A Família Salesiana. 3.5. Economia e administração. 3.6. A formação. 4. Um impulso para o futuro. 4.1. Os desafios. 4.2. Relançamento do Projeto África. Conclusão.



Roma, 8 de setembro de 2007

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1.1 Festa da Natividade de Maria

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Caríssimos irmãos,

Dirijo-me a todos com o afeto de Dom Bosco, enquanto nos preparamos para celebrar a beatificação dos 63 Mártires Salesianos da Espanha, no dia 28 de outubro em Roma, e a de Zeferino Namuncurá, no dia 11 de novembro em Chimpay, Argentina. O testemunho dos nossos irmãos até o derramamento do sangue, e a de Zeferino, que representa outra pedrinha da santidade juvenil salesiana iniciada por Domingos Sávio, são um apelo à doação total ao Senhor e à fidelidade até o último respiro, como fez Dom Bosco e como fizeram, seguindo seus passos, os Salesianos e os jovens do Oratório de Valdocco.

Espero que em todas as partes da Congregação essa dúplice ocorrência seja celebrada em nível de comunidade salesiana e de obras educativo-pastorais. Não podemos perder a oportunidade de agradecer a Deus pelo dom da santidade salesiana, com que Ele quis enriquecer a família espiritual e apostólica de Dom Bosco, e de renovar o nosso compromisso de indicar aos jovens alturas mais elevadas a alcançar.

Escrevo desta vez sobre a Região África-Madagascar, com a qual concluo a apresentação das oito Regiões na Congregação. E faço-o com particular entusiasmo, pois o Senhor foi realmente muito bom para conosco ao enviar-nos a esse imenso e estupendo continente. Encontramos ali um espaço para fazer da África inteira o maior Oratório do mundo. E a África está enriquecendo a Congregação com muitas vocações, e também com expressões inculturadas do carisma.

Desde a minha primeira visita à África em 1987, em Konakry e Kankan, quando era diretor do teologado de Tlaquepaque, percebi que, embora a vida seja o valor mais importante, ao qual os africanos são muito sensíveis, paradoxalmente em nenhuma outra parte do mundo como na África a vida está tão ameaçada pela pobreza, pela fome e pela sede, pelas doenças, a AIDS/HIV de modo particular, pelas guerras e conflitos interétnicos, pela escravidão e pela emigração forçada, pelo tráfico de estupefacientes, pelo tráfico de seres humanos.

Torna-se natural, então, ouvir como palavra de conforto e esperança, melhor ainda como mandato preciso, a parábola do Bom Pastor, em que Jesus sintetiza toda a finalidade da sua existência naquela belíssima expressão: "Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10b). Nós Salesianos chegamos à África para "encarnar" esse Jesus Pastor, cuja vinda garante vida abundante, para colaborar e vencer a cultura de morte e fazer com que a vida germine, cresça e chegue à sua plenitude. A nossa colaboração na construção do Reino passa através do esforço de promover a vida, a paz e a liberdade nos diversos países da África e Madagascar, através da nossa entrega aos jovens, à sua educação, ao seu encontro com Cristo, ao amadurecimento de seus projetos de vida. A verdadeira promoção humana feita por nós, Salesianos, não pode dissociar-se da educação e da evangelização. Por isso, não podemos reduzir a nossa presença à de agentes sociais, embora existam tantos problemas sociais urgentes que exigem o nosso esforço e a nossa dedicação generosa e eficaz. Fomos enviados a evangelizar, a poder falar daquele que pode garantir-lhes vida em abundância, Cristo Jesus, e dá-lo aos jovens.

O texto citado acima, que escolhi para esta minha carta, realmente programático, "Eu vim para tenham a vida e a tenham em abundância" (Jo 10,10b), faz parte do discurso em que Jesus apresenta em contraluz a diferença entre o ladrão, o bandido, o desconhecido e o pastor. O contraste entre eles é evidenciado pelo modo diverso de agir quando se aproximam das ovelhas, pela forma de entrar no recinto das ovelhas, pela relação com elas e, naturalmente, pelo modo de sair, seguido ou não pelas ovelhas. Enquanto o ladrão salta por outro lado e vem para roubar, destruir e matar, o bom pastor entra pela porta, durante o dia, a sua voz é familiar, conhece suas ovelhas pelo nome, precede-as, guia-as para boas pastagens e sacia-as em águas cristalinas. O bom pastor gasta-se enfim, totalmente, para que suas ovelhas vivam, a ponto de dar a própria vida desde que elas tenham a vida em abundância.

Acredito que este texto serve para ler criticamente a realidade passada e presente na África e se torna mensagem de esperança para esses povos e um verdadeiro programa de vida para nós. Convido-os agora a adentrar-se nesta Região maravilhosa.


A Região África-Madagascar


A Região África-Madagascar continua ainda hoje a atrair a atenção dos Salesianos por vários motivos. É a Região mais jovem da Congregação, e muitas Inspetorias conservam com ela uma forte ligação, também afetiva, pelo papel decididamente ativo que tiveram em sua formação. Suscita, também, particular interesse porque é uma das poucas áreas onde a Congregação cresce numericamente. É realmente uma Região de grandes promessas e, ao mesmo tempo, de grandes desafios e de grandes oportunidades para o carisma salesiano.

O P. Egídio Viganò lançou em 1980 o "Projeto África" e houve, desde o início, um forte impulso para a expansão e o crescimento das presenças salesianas na África-Madagascar. O 25° aniversário do início desse projeto foi celebrado em muitas nações do continente; em outras vai sendo celebrado aos poucos, em correspondência ao ano em que os Salesianos iniciaram nelas a sua presença. Foi publicado em diversas línguas, justamente para sublinhar o seu 25° aniversário, um volume comemorativo intitulado Projeto África 25° - 1980-2005. Ele oferece um rico e multíplice conhecimento do Projeto, com o olhar voltado ao passado e ao presente da presença salesiana na África-Madagascar. O meu convite é que todos possam tomar nas mãos esse volume, rico de informações e estímulos. Ou melhor, ele poderia ser uma boa integração de quanto apresento nesta carta de maneira necessariamente concisa.

Sobre eventuais fundações salesianas na África já se começara a falar durante a vida de Dom Bosco. A partir de 1864, em vista de possíveis iniciativas salesianas na África ele tivera contatos com S. Daniel Comboni, um verdadeiro missionário pioneiro da África, e com o arcebispo Carlos Lavigerie, grande apóstolo da Argélia. Dada a impossibilidade de enviar de imediato alguns Salesianos aos lugares sugeridos pelos dois missionários, Dom Bosco aceitou com grande alegria alguns órfãos no Oratório de Valdocco (cf. MB 9, 734-735). Em 1886, durante uma reunião do Capítulo Superior – era assim chamado então o Conselho Geral – Dom Bosco afirmou que a Missão Africana (ou mais precisamente o projeto de abrir uma presença no Cairo) "é um dos meus planos, um dos meus sonhos" (cf. MB 18, 142). E, na verdade, ele tivera um sonho sobre a África em julho de 1855 (cf. MB 17, 643-645).

O sonho de Dom Bosco sobre a África começou a realizar-se gradualmente durante o reitorado do P. Miguel Rua, no interior de um projeto global para a expansão da Sociedade Salesiana em raio mundial. A primeira presença salesiana na África remonta a 1891, quando um grupo de Salesianos franceses chegou à Argélia para iniciar o Oratório S. Luís em Oran. Em 1894, a Tunísia obteve uma presença salesiana seguida de outras em 1896 no Egito e na África do Sul. Novas presenças foram abertas em diversas nações entre 1907 e 1975; é preciso admitir, porém, que não havia um projeto bem definido para empenhar-se na imensidão da África.

Graças ao "Projeto África", a África e Madagascar são hoje uma florescente realidade salesiana. A Região compreende atualmente duas Inspetorias, dez Visitadorias e uma Delegação, reunidas na Conferência das Inspetorias e Visitadorias da África e Madagascar (CIVAM). Segundo as estatísticas publicadas em janeiro de 2007, os Salesianos professos na Região são 1241, e 89 os noviços, distribuídos por 168 comunidades e outras 11 presenças, algumas das quais cuidam de várias obras. O mais belo dessas estatísticas é o número dos professos de origem africana: 52% do total; e a cada ano, o percentual cresce com as novas profissões de jovens africanos. A face africana da Congregação Salesiana sonhada por Dom Bosco está a cada ano, tornando-se mais do que uma realidade.

É o desdobrar-se desta belíssima epopéia salesiana que eu gostaria de entregar à atenção de todos com esta carta.


1. África-Madagascar hoje


Permitam-me oferecer ainda alguma indicação sobre a realidade salesiana na África e Madagascar, como ela se apresenta hoje.


1.1 Configuração das presenças salesianas no continente africano


Depois da Ásia, a África é o continente maior e mais populoso. Tem uma extensão de 30.250.499 km², compreendidas as ilhas próximas; recobre 6% da superfície total da Terra e 24% da terra firme. Com cerca de 900 milhões de habitantes, pertencentes a 53 nações independentes e a três territórios dependentes, conta com cerca de 14% da população mundial.

Nós Salesianos estamos presentes e trabalhamos em 42 desses países. O Saara, imenso deserto ao norte do continente, é o maior deserto do mundo com cerca de 9 milhões de km2. Mais de dois terços da população africana habita nos países ao sul do Saara. As presenças salesianas constelam toda a região subsaariana, com exceção de Botswana, Gâmbia, Guiné Bissau e Somália.

Das 42 nações nas quais estamos presentes, o Egito faz parte da Inspetoria do Oriente Médio e está incluído na Região Itália-Oriente Médio. Cabo Verde está ligado à Inspetoria portuguesa; Marrocos, à França; e Tunísia, à Delegação de Malta que, por sua vez, depende juridicamente da Inspetoria irlandesa. Como tais, essas presenças salesianas fazem parte das três regiões européias. Na Líbia não há atualmente comunidades salesianas, mas um irmão, com mandato especial, presta o seu serviço no Vicariato de Bengasi. Um estudo recente do Conselho Geral sobre a realidade salesiana nesses países acredita ser acertado manter essas afiliações como existem atualmente, esperando por tempos melhores para uma reorganização que favoreça a sua integração na Região África-Madagascar.

Em vista também do passado colonial, as 37 nações incluídas na Região África-Madagascar são subdivididas em três grupos lingüísticos: o anglófono com AET, AFE, AFM, AFW, ZMB; o francófono, com AFC, AFO, AGL, ATE, MDG; e o lusófono, com ANG e MOZ.

À exceção da África Central (AFC), Angola (ANG) e Moçambique (MOZ), todas as Inspetorias e Visitadorias englobam mais de uma nação.

  • A África Ocidental Francófona (AFO) compreende Benin, Burkina Fasso, Guiné, Costa do Marfim, Mali, Senegal e Togo. A casa inspetorial encontra-se em Abidjan, Costa do Marfim.

  • Vem, depois, a África Tropical Equatorial (ATE) com seis nações: Camarões, República Centro Africana, Chade, Congo Brazzaville, Guiné Equatorial e Gabão. A casa inspetorial está em Yaoundé, Camarões. Enquanto em cinco destes países a língua franca é o francês, na Guiné Equatorial é usado o espanhol.

  • A África Ocidental Anglófona (AFW) compreende quatro estados: Gana, Libéria, Nigéria e Serra Leoa. A sede inspetorial está em Ashaiman, Gana.

  • Também a Visitadoria de Zâmbia (ZMB) compreende quatro nações: Malauí, Namíbia, Zâmbia e Zimbábue, com a casa inspetorial em Lusaka, Zâmbia.

  • A Inspetoria África Leste (AFE) compreende agora três nações: Quênia, Tanzânia e Sudão. O Sudão, entretanto, é uma Delegação semi-autônoma, com estatutos especiais aprovados pelo Reitor-Mor.

  • Fazem parte da África Meridional (AFM), além da África do Sul, também Lesoto e Suazilândia. A sede inspetorial é em Johanesburgo.

  • A África Grandes Lagos (AGL) é uma Visitadoria erigida recentemente que compreende Burundi, Ruanda e Uganda. Esta última nação tem o inglês como língua comum. As comunicações na Visitadoria são, então, bilíngües: francês e inglês. A casa inspetorial está situada em Kimihurura, Ruanda.

  • A AET compreende a Etiópia e a Eritréia, mas as relações entre os dois países são de tal forma tensas que viajar torna-se extremamente difícil e, por isso, em vista dos encontros em nível inspetorial, é obrigatório buscar uma nação neutra para garantir a participação de todos. Entretanto, mesmo assim nem sempre é possível. A casa inspetorial fica em Adis-Abeba, Etiópia.

  • A Visitadoria de Madagascar (MDG) inclui principalmente a ilha-nação de Madagascar, onde estão situadas quase todas as casas salesianas, compreendida a sede inspetorial. Apenas uma comunidade está na pequena ilha-nação de Maurício.

Apresentei com algum detalhe a fisionomia internacional das Circunscrições jurídicas da África-Madagascar para ressaltar a situação muito complexa e difícil das presenças salesianas nesta Região. A diversidade das línguas, as longas distâncias, a carência de meios fáceis de comunicação e transporte, acrescentam-se às dificuldades ordinárias de governo e animação de uma Inspetoria. Os Inspetores da maior parte dessas Circunscrições gastam parte do seu precioso tempo na obtenção de documentos para as viagens e para as mesmas viagens nas visitas às comunidades. Também as despesas para a animação e administração das Inspetorias alcançam cifras astronômicas, especialmente devido à necessidade de viajar de uma nação a outra. Deixo à imaginação de todos o esforço exigido por esse trabalho de animação.


1.2. As obras salesianas


Com uma visão retrospectiva à experiência na África-Madagascar, desde o seu início, particularmente nestes últimos trinta anos ou quase, podemos afirmar que a África e o carisma salesiano foram feitos verdadeiramente uma para o outro. É um continente transbordante de jovens, muitos dos quais carentes de tudo e, portanto, verdadeiros destinatários da nossa ação apostólica. Os últimos 40 anos viram um aumento veloz da população do continente, com o resultado de o percentual de jovens ser relativamente elevado. As estimativas dizem que em alguns países africanos metade ou mais da população tem menos de 25 anos. Outra pesquisa evidencia que 60% dos africanos são de crianças e jovens.

Em 1988, em referência à nossa entrada na África, o P. Egídio Viganò observava: "Somos os últimos a chegar com o empenho de evangelização do continente africano; temos muitas coisas a aprender de todos, mas possuímos um tesouro que talvez os outros não tenham. Somos, para eles, portadores de um método particular de evangelização dos jovens: a predileção por eles e um estilo que é único". A atenção pelos jovens e suas necessidades caracterizou por isso a expansão salesiana na África em seu conjunto.

Na realidade, grande parte de nossas atividades na África-Madagascar concentrou-se no serviço educativo dos jovens e no cuidado pastoral das paróquias. Na frente educativa, foi dado um relevo particular às escolas técnicas e centros de formação profissional, embora em anos recentes houvesse muita dificuldade para criar essas escolas. As paróquias são numerosas; algumas delas possuem várias estações externas incorporadas ao centro principal. Um terceiro setor de atividades é o oratório ou centro juvenil, estupenda iniciativa para chegar a inúmeros jovens.

Existem ainda outros campos de atividade em diversas partes da África e de Madagascar, mas, tudo somado, podemos afirmar que a África e Madagascar ainda estão à espera da plena floração do carisma salesiano em suas várias facetas.


1.3. O contexto sócio-político e religioso em que se encontram as nossas obras


No mundo de hoje tornou-se mais ou menos de moda falar dos muitos problemas da África, a começar das suas multíplices formas de pobreza e miséria até o expandir-se da AIDS-HIV, como se esta fosse uma doença apenas africana. É verdade que algumas dessas realidades não podem ser negadas, porque se apresentam prepotentemente diante de nós. Por detrás dessa fachada de pobreza e doença, porém, existem povos que têm uma história e uma herança cultural comparável a tantas outras no mundo.

Os africanos sofreram por muitos séculos grandes injustiças e uma inimaginável opressão, como conseqüência dos interesses coloniais das nações européias, e, sobretudo, pelo execrável comércio de escravos. Agora, os povos da África desejam tirar de sobre si as cadeias do passado para construir um futuro prometedor.

É preciso dizer que a África não é toda ela igualmente pobre e miserável. Num dos extremos encontramos a África do Sul, densamente industrializada, ou partes das grandes cidades de muitos estados; no outro extremo temos a grande maioria dos pobres que não têm acesso a nada senão a uma economia de subsistência. A separação entre os poucos ricos e os muitos pobres é muito marcada no continente africano.

A população da África é formada pelo rico mosaico de uma infinidade de tribos, línguas e culturas. A música e a dança fazem parte do estilo de vida de qualquer nação africana, tanto é verdade que é quase impossível não se sentir envolvido pela atitude festiva do povo. Não há limites ao tempo quando há uma celebração, religiosa ou civil. "Tu tens o relógio, mas nós temos o tempo": é a admoestação que parecem fazer à gente dos assim chamados países desenvolvidos, a ponto de condicionar encontros e prazos. Nenhuma admiração, portanto, que a Missa dominical numa paróquia possa durar não menos de duas horas. Experimentei sempre grande alegria ao celebrar a Eucaristia com o povo em diversas partes da África. A pobreza e as privações não roubaram a alegria e a vontade de viver daquela gente. Esta característica é realmente estupenda e da qual o nosso sistema educativo salesiano poderia se servir para educar a juventude.

A situação tribal e o "interior" dos povos africanos, é realmente uma espada de dois gumes. Por um lado, oferece estabilidade e coesão aos vários grupos de pessoas. A lealdade tribal é uma defesa contra a desintegração social. Transmite o sentido de disciplina a todos os membros e é salvaguarda dos costumes e das tradições. Tudo isso ajuda a resistir aos assaltos de culturas estranhas e aparentemente mais apetecíveis.

Por outro lado, o tribalismo foi causa de muitas guerras em diversas partes da África, degenerando também em horríveis genocídios. E as guerras são uma das principais causas da pobreza aparentemente incurável da África. Ainda hoje, em diversas partes da África, há guerras que levam terrível miséria e sofrimentos a milhões de pessoas. A guerra no Darfur, região do Sudão, como também na Somália são bem conhecidas de todos, mas ainda há guerras esquecidas em Uganda e em parte do Congo.

O tribalismo é também causa de instabilidade política em muitas das jovens democracias da África. Freqüentemente interpõem-se à verdadeira integração entre os povos. Não é fácil transmitir uma verdadeira educação "católica" em nossas numerosas presenças, particularmente nas cidades. Nesse contexto, temáticas como reconciliação, aceitação recíproca, unidade na diversidade, tornam-se propostas constantes na educação e na evangelização.

Entre os muitos problemas sociais que afligem a África e Madagascar, não se pode calar sobre uma doença particular que freqüentemente, nestes tempos, leva a África à ribalta. Trata-se da AIDS-HIV, doença que se propaga facilmente e que atinge milhões de africanos. Embora seja verdade que a AIDS-HIV não é uma peculiaridade exclusivamente africana, é certo, contudo, que as proporções que esse flagelo vai assumindo na África vão bem além das registradas em outros continentes. Deduz-se das pesquisas que em algumas nações da África, como Zimbábue e Suazilândia, 25-30% da população está infectada pela AIDS. Segundo informações fornecidas pelas Nações Unidas, dos cerca de 3 milhões de pessoas que morreram de AIDS em 2005, um terço habitava a África subsaariana, e meio milhão era de crianças. Este problema social deve atrair a nossa atenção porque só se pode combater realmente essa chaga através de uma verdadeira educação. Tanto mais que um número sempre crescente de crianças e jovens são vítimas da AIDS. Poderia ser considerada, com razão, uma das nossas novas fronteiras para a evangelização e educação.

Quanto ao aspecto religioso, o Islã e o Cristianismo são as religiões mais difundidas na África e Madagascar. Segundo a estimativa,1 numa população de 900 milhões de habitantes, cerca de 40% são muçulmanos e 34% são cristãos. Quanto ao restante, os africanos praticam várias religiões locais, reunidas sob o termo genérico de "animismo". Um número muito restrito segue a religião hindu, ou conserva alguma crença da tradição judaica. Os católicos na África alcançariam pouco mais de 17% da população.2 Freqüentemente, porém, não se torna importante saber a qual religião um povo pertença, porque há, infelizmente, uma forte tendência a misturar os aspectos religiosos tradicionais com a aceitação da nova fé. Isso se torna evidente nas centenas de seitas religiosas que se vão multiplicando velozmente na terra africana.

A região subsaariana é dominada pelo Cristianismo, enquanto o norte do continente tem uma população de maioria muçulmana. Tal situação explica em parte a consistência de presenças salesianas na região subsaariana em relação ao norte. Deve-se notar, também, que a tipologia do Islã encontrada ao norte e na região subsaariana é qualitativamente diferente. Enquanto tende a ser mais ortodoxo no norte, orientando-se para uma linha fundamentalista, os muçulmanos da região subsaariana são mais tolerantes e não interpõem obstáculos à atividade da Igreja.

O desenvolvimento da Igreja na África é relativamente recente. Em 1900 havia cerca de 9 milhões de cristãos em todo o continente. Em 2005, segundo o Anuário estatístico vaticano, os católicos são cerca de 154 milhões. Diversamente do que acontecia no passado, hoje, ao menos em parte, o forte crescimento do Cristianismo na África deve-se às iniciativas de evangelizadores locais, mais do que de missionários estrangeiros.

Na frente religiosa, releva-se uma ação concertada para islamizar algumas partes da África, por exemplo, o Sudão; constata-se também a vertiginosa propagação de seitas de todos os tipos. Na realidade, a necessidade de a gente africana celebrar e ser protagonista ativa nas celebrações atrai muito para as numerosas seitas que não impedem a livre expressão no culto. Esse é realmente um desafio em nosso trabalho de evangelização, que se revela tão necessário hoje quanto no momento em que o Evangelho foi pregado pela primeira vez no continente. Precisamos chegar a adotar métodos de evangelização correspondentes à cultura e à sensibilidade daquela gente para poder conservar a aprofundar a fé dos batizados, como também poder chegar a milhões de pessoas que ainda não ouviram falar da Boa Nova.


2. História e desenvolvimento das obras salesianas


2.1. Antes do Projeto África


Já acenamos aos inícios da presença salesiana na África com a abertura de um oratório em Oran, Argélia, em 1891. Nos anos que se seguiram foram abertas outras duas presenças na Argélia, mas os Salesianos tiveram que se retirar do país em 1976 devido ao clima político hostil.

A Tunísia foi a segunda nação a contar, em 1894, com uma presença salesiana. Devido aos altos e baixos da história, das três presenças abertas na Tunísia, sobrevive hoje apenas a escola iniciada em 1988 em Manouba, dependente da Delegação de Malta. Os estudantes são todos muçulmanos. É absolutamente proibida qualquer forma de proselitismo.

Em 1907 deu-se o início de uma fundação salesiana em Moçambique, que teve, porém um período muito breve de vida porque, na onda da revolução republicana em Portugal, os Salesianos foram expulsos em 1913, e a escola requisitada pelo governo. Foi preciso esperar até 1952 para rever a abertura de uma nova presença salesiana em Moçambique.

O ano de 1911 marcou o início da presença salesiana no Congo Belga. As sementes do carisma lançadas nessa parte da África germinaram e produziram frutos abundantes. O resultado foi a criação, em 1959, da Inspetoria da África Central e, em 2006, da Visitadoria dos Grandes Lagos. Até o lançamento do Projeto África, a Inspetoria da África Central era o ponto de referência para as presenças na África em seu conjunto.

Deve-se reconhecer que entre 1891 e 1978, o carisma salesiano não se desenvolveu muito nos diversos países africanos. À morte do P. Rua em 1910 havia presenças salesianas na Argélia, Tunísia, Egito, África do Sul e Moçambique. O P. Álbera enviou os Salesianos ao Congo Belga. Durante o reitorado do P. Filipe Rinaldi, os Salesianos abriram algumas presenças nas Ilhas Canárias (1923) e em Marrocos (1929). O P. Pedro Ricaldone foi o artífice da entrada na Líbia (1939) e em Cabo Verde (1946). Com o P. Renato Ziggiotti Reitor-Mor foram abertas presenças salesianas em Ruanda e na Suazilândia (1953), no Congo Brazzaville (1959), em Burundi (1962) e no Gabão (1964). O P. Luís Ricceri acrescentou ainda dois países à carta geográfica salesiana da África: a Guiné Equatorial (1972) e a Etiópia (1975). Os preparativos para um espaço salesiano na Costa do Marfim já tinham sido iniciados em 1973 através da presença de um Salesiano.

De todas essas presenças – desde a primeira chegada dos Salesianos à África até o lançamento do "Projeto África" – algumas já não existem mais nestes dias, mas elas prepararam o caminho para a grande expansão do carisma no continente. Em todos esses anos, a maioria dos irmãos era de missionários provenientes da Europa. Os pioneiros tiveram que enfrentar todo tipo de dificuldades devido às situações sociais e políticas, mas também porque, em alguns casos, as autoridades eclesiásticas nem sempre conseguiam compreende a natureza específica do carisma salesiano. Note-se ainda que em muitos lugares a atividade dos Salesianos era dirigida principalmente aos filhos de imigrados europeus, embora não faltassem tentativas de chegar à juventude africana indígena. Os Salesianos aceitaram escolas elementares, abriram escolas técnicas ou escolas de artes e ofícios, como então se dizia, e empenharam-se no trabalho paroquial. Fundaram missões para prover às necessidades dos que habitavam em zonas rurais. Em termos estatísticos, em 1978 os Salesianos na África eram 330 em 52 presenças espalhadas por 13 nações. Havia só cinco noviços. Apenas 35 desses Salesianos eram de origem africana, incluindo dois Bispos.


2.2. O Projeto África


Com o lançamento do Projeto África pelo P. Egídio Viganò em 1980, o carisma salesiano fez grandes progressos por todo o continente africano.

As origens do Projeto podem remontar ao caloroso apelo feito pelo P. Jacques Ntamitalizo numa das sessões do CG21. Era o único africano presente no Capítulo Geral como delegado da Inspetoria da África Central. Ele dirigiu uma comovente súplica ao Capítulo para que considerasse já maduro para a Congregação salesiana o tempo de fazer alguma coisa pela África, dispensando-lhe maior empenho e atenção programática. A sua mensagem simples causou profunda impressão sobre todos os presentes e, no sexênio posterior ao Capítulo, o P. Egídio Viganò elaborou uma resposta, sob a forma justamente do "Projeto África".

Depois de estudos preliminares feitos entre 1978 e 1980, o P. Viganò lançou o Projeto com uma circular cujo título era: O nosso compromisso africano (ACS 297). O Reitor-Mor declarava a sua convicção de que "o Projeto África é, para nós Salesianos, uma graça de Deus", e convidava todos os membros da Família Salesiana a "fazer própria essa convicção". Os eventos que se seguiram confirmaram que o convite não caíra em ouvidos moucos.

A estratégia seguida pelo Reitor-Mor e pelo seu Conselho foi a de confiar determinadas regiões da África a grupos de Inspetorias, para facilitar o envio de irmãos em vista da abertura de novas presenças e, ao mesmo tempo, dar-lhes apoio econômico. Seria preciso muito espaço para entrar nos detalhes desse programa tão complexo que envolveu, de um modo ou de outro, a Congregação inteira. Não é intenção minha fazer um relatório detalhado, nação por nação, do início do carisma salesiano na África. Por outro lado, creio que deixar de ressaltar ao menos as principais linhas desse esforço da Congregação seria uma afronta à dedicação e generosidade daqueles que tiveram parte ativa nele.

Reconhecem-se três fases distintas na realização do Projeto África. A primeira é, certamente, a fase de fundação em muitos países.

Já em 1979, a Inspetoria da Grã Bretanha abrira uma presença na Libéria. No ano seguinte iniciaram-se novas presenças em sete nações. As Inspetorias espanholas de Leon, Bilbao e Madri abriram presenças respectivamente no Senegal, Benin e Guiné Equatorial. No mesmo ano, as Inspetorias indianas e a Inspetorial italiana Central iniciaram as presenças no Quênia. Os Salesianos irlandeses entraram no Lesoto e os indianos no Sudão. A Tanzânia recebeu 14 irmãos e um cooperador da Índia para iniciar quatro presenças.

O ano de 1981 viu quatro novas nações enriquecerem a carta geográfica salesiana da África à qual se acrescentou Madagascar. Os esforços conjuntos das Inspetorias da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai enviaram um grupo de 10 irmãos para abrir três presenças em Angola. A Inspetoria espanhola de Barcelona assumiu a responsabilidade de uma presença na Costa do Marfim, enquanto várias Inspetorias italianas tomaram a iniciativa de abrir algumas presenças em diversas partes de Madagascar. O Mali teve a honra de contar com duas presenças salesianas com irmãos provenientes da Inspetoria espanhola de Valência.

1982 testemunhou a nova expansão de casas salesianas em outros cinco países. Os Salesianos de duas Inspetorias italianas (Subalpina e Novarese) entraram na Nigéria, estabelecendo-se em Akure e Ondo, enquanto outras duas Inspetorias espanholas aventuraram-se no Togo, aceitando uma paróquia em Lomé. Foi depois o turno das Inspetorias polonesas que entraram em Zâmbia com 12 irmãos e abriram diversas casas. A Etiópia, onde os Salesianos da Inspetoria do Oriente Médio já estavam em ação, recebeu nova linfa com a chegada dos Salesianos da Inspetoria de Milão.

O ano de 1983 pode ser considerado como o último da primeira fase de introdução do carisma e da expansão do trabalho salesiano na África. Naquele ano houve ainda seis pedidos de novas fundações.

As novas fundações continuaram a depender das Inspetorias mães. Algumas foram organizadas em Delegações inspetoriais, mas sempre sob a Inspetoria mãe. A estratégia do P. Viganò de confiar determinados territórios missionários às Inspetorias mães da Europa, da Índia e da América frutificou em elevados dividendos, com o resultado que, já em 1984, o número dos Salesianos subiu a 507, com 91 presenças em 29 nações. O número dos noviços, todos africanos, chegou a 10.

Os anos entre 1985 e 1990 podem ser considerados como a segunda fase do Projeto África, isto é, a fase de consolidação e organização estrutural.

Com o número crescente de presenças, irmãos e vocações locais, foi necessário dar maior atenção à consolidação e organização estrutural das obras esparsas, com ligações jurídicas de dependência das Inspetorias mães, com sedes em países distantes. Foi iniciado, então, um processo gradual de atenuação das ligações jurídicas das comunidades africanas em relação às Inspetorias mães, agrupando-as primeiramente numa Delegação semi-autônoma e, depois, em Visitadorias. Antes ainda do CG23 as Delegações da África do Sul e da África Leste foram erigidas em Visitadorias, cada uma compreendendo diversos estados. Com 1990, o número dos Salesianos aumentara chegando a 711, distribuídos em 129 casas em 33 nações. Também o número dos noviços subira a 37. Realmente muito consolador o resultado, que decerto era fruto do Projeto.

A fase de consolidação continuou sem interrupções durante todo o sexênio depois do CG23. Com a chegada de 1995, havia na África 5 Circunscrições independentes e sete Delegações. Os Salesianos já estavam trabalhando em 38 estados africanos e o seu número ia crescendo intensamente.

A terceira fase poderia ser chamada de fase da unificação da África Salesiana, com a criação da Região África-Madagascar.

O crescimento regular e seguro, a consolidação e organização estrutural do trabalho salesiano na África levaram à corajosa decisão do CG24, em 1996, de criar a Região África-Madagascar. Dessa forma, em apenas 16 anos o Projeto transformou-se numa Região! O P. Antonio Rodríguez Tallón, que terminava o sexênio como Conselheiro para a Região Espanha e Portugal, foi eleito primeiro Regional para a África-Madagascar. O Capítulo também deu alguns critérios para a consolidação e organização da Região já em andamento, evidenciando os aspectos de Unidade, Inculturação, Reciprocidade missionária e outras linhas organizativas concretas.

No sexênio seguinte (1996-2002), a Região África-Madagascar manifestou novos sinais de crescimento e consolidação: abriram-se novas obras, os irmãos africanos cresceram até o número significativo de 231, e foram criadas diversas Circunscrições independentes.

O CG25 deu mais um passo adiante, sugerindo o agrupamento das Circunscrições da África numa mesma Conferência. O inesquecível P. Valentim de Pablo, em sua veste de Conselheiro Regional para a África e Madagascar, cuidou da organização da Conferência das Inspetorias da África e Madagascar, com o acrônimo CIVAM, cujos estatutos foram aprovados.

Hoje, o Projeto faz parte da história, mas a Região África-Madagascar caminha com determinação, enfrentando novos problemas e procurando conservar a sua fecundidade vocacional, aliás, com o desejo de crescer sempre mais. A Região sente-se orgulhosa das estruturas em nível regional, que compreendem o Secretariado, as Comissões para a Pastoral Juvenil e para a Formação e os Coordenadores da Comunicação e para a Formação profissional.


2.3. Projeto África, fruto da sinergia da Congregação


Caros irmãos, contemplando a espetacular epopéia de atuação do "Projeto África", que lhes apresentei, embora esquematicamente, deve ser evidente a todos que nada teria sido possível se o Senhor não tivesse escolhido atuar através dos nossos irmãos. O P. Viganò lançou o Projeto África em resposta a uma inspiração do Alto, como ele costumava dizer, e, realmente, mão invisível guiou-nos ao longo de caminhos rápidos e seguros para que tudo se tornasse uma realidade estupenda.

Desejo evidenciar alguns fatos importantes que contribuíram para o sucesso do Projeto:

  1. A velocidade com que fomos capazes de nos espalharmos por toda a África deveu-se ao entusiasmo com que todas as Inspetorias aceitaram o convite do Reitor-Mor para participar do Projeto. Isso suscitou grande entusiasmo missionário em toda a Congregação. Pode-se dizer que foi realmente um projeto da Congregação inteira. Acredito que tenha sido um dos melhores exemplos de sinergia em nível mundial para a realização de um projeto comum. Poderia sem mais servir como estímulo para outros projetos.

  2. A generosidade e o espírito de sacrifício dos missionários merecem toda a nossa admiração. Muitos deles enfrentaram grandes dificuldades para iniciar tudo do zero e inserir-se nos lugares aos quais eram destinados. Com coragem, enfrentaram todas as dificuldades e perseveraram, apesar dos obstáculos que pareciam insuperáveis. Muitos desses pioneiros ainda prestam o seu serviço em várias partes da África. Sinal do seu amor pelas populações africanas e da sua identificação com a causa da África.

  3. A ajuda financeira dada pelas Inspetorias mães, por diversas Procuradorias salesianas, pelas ONG e pela miríade de modos com que a Divina Providência nos assistiu constituem outro fator que não pode ser esquecido. A garantia de Dom Bosco de que, enquanto trabalharmos pelos pobres e pela salvação das almas, a Divina Providência jamais nos abandonará, verificou-se literalmente na realização do Projeto África. O "milagre" africano dos Salesianos continua ainda hoje justamente pelo nosso trabalho em favor dos jovens pobres do continente. Embora com alguma exceção, todos os nossos destinatários são pobres e necessitados.

  4. A Congregação tem agora uma face africana. O número dos Salesianos africanos cresce constantemente. Isso se deve ao trabalho dos nossos irmãos de buscar vocações locais desde o início do Projeto. O resultado é que hoje temos estruturas bem organizadas para a formação em toda a Região, e todos os anos os noviços são em número de 80 a 100. Até mesmo 104, como tivemos em 2004. Tudo isso é possível com um bom plano de pastoral vocacional.

Poderia indicar outros fatores que confirmam esse sucesso, mas creio que estes sejam suficientes. Gostaria de dar-lhes agora alguma informação sobre as realizações da missão salesiana na África e em Madagascar nos vários setores de atividades.


3. O carisma salesiano e a realidade africana


3.1. Pastoral juvenil


Como já sublinhei, a África é transbordante de jovens, pobres em sua maioria. É realmente um terreno fértil para a realização do nosso carisma.

Vindo às expressões práticas do carisma, creio que as escolas técnicas e os centros de formação profissional tenham prioridade sobre outras obras. Há uma grande demanda desses centros de formação profissional. A nossa resposta salesiana foi concreta: temos mais de 80 desses centros, espalhados pela África e Madagascar, graças também ao interesse de muitas ONGs salesianas que os sustentam com financiamentos. Muitos são bem organizados e com ótimos equipamentos, mas a sua incessante manutenção e melhoria são uma preocupação constante.

Mesmo numa difícil nação como a Eritréia, em Dekembare, há uma escola técnica bem equipada. A freqüência aos cursos é ótima. O gênero de serviço que oferece aos jovens dessa nação pobre é emblemático da maravilhosa ajuda dada por todas as escolas técnicas e pelos centros de formação na África e Madagascar. Também merecem menção particular os três centros de formação profissional dirigidos pelos Salesianos em favor da juventude no grande campo de refugiados de Kakuma, Quênia. Há pouco tempo havia neste campo cerca de 90 mil refugiados vindos de diversas nações, mas principalmente do Sudão. Entre as várias ajudas dadas por agências humanitárias que trabalham no campo, a contribuição dos Salesianos foi uma das mais apreciadas, porque preparava os jovens para a vida depois da permanência no campo.

No campo da educação técnica e da formação profissional, a Visitadoria de Moçambique talvez seja a que tenha maior organização em nível inspetorial. Todas as escolas técnicas são coordenadas através de uma organização centralizada e há muito esforço para a formação de professores e instrutores. O governo apreciou essa atividade, e os Salesianos prestaram um importante serviço para o desenvolvimento da política governativa em relação à instrução técnica. A demonstração mais recente desse apreço foi o pedido do governo para criar cursos em nível universitário a fim de preparar professores para as escolas técnicas. Essa nova perspectiva poderia se também um suporte a serviço da Região para preparar os nossos irmãos e outros professores para as escolas técnicas.

A escola em nível acadêmico ainda não se afirmou muito na África salesiana. De fato, há apenas 78 escolas primárias e 36 secundárias sob o nosso controle. Número realmente pequeno, quando comparado com os de outras Regiões. Centros de estudos superiores são praticamente inexistentes. No futuro, talvez, também esses setores exigirão maior atenção para poder oferecer uma boa formação intelectual aos muitos jovens pobres e, sobretudo, em vista da preparação de jovens que possam em seguida ser válidos líderes na sociedade e especialmente na política, inspirados nos grandes ideais cristãos. Digno de menção especial é o programa de alfabetização em larga escala, mantido pelos Salesianos de Angola. Este programa teve grande sucesso e chegou a milhares de jovens e, também, de adultos. Devemos ser reconhecidos aos irmãos que elaboraram livros de texto específicos para uso nesses programas de alfabetização. Embora não sejam consideradas verdadeiras e próprias escolas aprovadas, o programa está ligado de certo modo com a escola, porque prepara os candidatos para entrarem em cursos escolares regulares.

O centro juvenil é outro dos grandes setores de atividade, e a maioria de nossas casas tem alguma forma de oratório ou centro juvenil. Existem, com efeito, 123 deles na Região. Toda casa possui o próprio modo particular de acompanhar o oratório ou o centro juvenil. Parece-me, porém, ser preciso dizer que, em geral, as atividades recreativas dos centros têm, por vezes, prioridade sobre as iniciativas formativas; isso faz com que um oratório em sentido pleno, isto é, lugar de formação global humana e cristã da juventude, em linha com opções que deixariam Dom Bosco orgulhoso, ainda é um horizonte a alcançar. Apesar disso, é sem qualquer dúvida, um excelente serviço que os Salesianos oferecem à juventude africana. É preciso, porém, dar um salto de qualidade.

Há uma variedade de grupos ativos nos oratórios, centros juvenis e outros ambientes educativos. Todos fazem parte do Movimento Juvenil Salesiano [Articulação da Juventude Salesiana], que começaram a se formar em algumas Circunscrições, enquanto se trabalha em outras para seja introduzido. Será um modo excelente de ligar a juventude de diversas nações no interior de uma Inspetoria e entre as diversas Inspetorias. Contudo, as dificuldades das viagens e dos custos são um obstáculo que limitam os sonhos nesse campo. A vitalidade do MJS [AJS] na África dependerá muitíssimo da capacidade dos Salesianos de unirem e animarem os jovens em nível local com propostas formativas concretas.

Desejaria evidenciar uma atividade particular na pastoral juvenil, não tanto pelo número dos centros empenhados, quanto pela qualidade do serviço oferecido. Refiro-me aos centros de recuperação e formação de jovens em perigo, muitos dos quais chegam até nós vindos das ruas. A maior parte das Circunscrições da Região possui centros que pensam nesses jovens marginalizados, embora o número deles ainda seja pequeno. Cada centro tem as suas características, mas com a intenção de levar adiante a única missão salesiana em favor desses nossos pequenos irmãos e irmãs, muito carentes e merecedores.

A Inspetoria da África Central (AFC) é uma das Inspetorias com o maior número de obras desse gênero. Para citar um exemplo, existe em Lubumbashi (AFC) uma obra muito bem organizada para os meninos de rua. É conhecida pelo nome de Bakanja-Magone, mas na realidade são três setores de atividades inter-relacionados: Bakanja Ville, Bakanja Centro e Bakanja Magone. O primeiro é um centro de primeira acolhida para jovens que giram pelas ruas. Encontra-se na mesma cidade e é de fácil acesso. Os meninos e jovens entram e saem do local livremente e encontram possibilidades que não sonhariam em ter pelas ruas. Os que desejam ficar para passar a noite podem fazê-lo; o certo é que a amabilidade toda salesiana leva muitos a ficarem. Bakanja Centro é o segundo grau de recuperação desses jovens. Organiza-se ali a celebração da Eucaristia em todos os domingos especialmente para eles. Outro nível é o Centro Magone, que tem estrutura residencial para jovens que antes viviam pelas ruas, com um centro de treinamento para várias ocupações. O trabalho paciente, o acompanhamento amável, a instrução e a formação, têm trazido ótimos resultados em todos os anos de existência desta obra salesiana. Várias outras obras da Inspetoria são organizadas segundo esse modelo.

Considerando a vastidão do continente, a pobreza do povo e o grande número de meninos e jovens carentes, faria pensar que essas obras deveriam crescer no futuro, não necessariamente abrindo novas presenças, mas orientando as existentes em favor desses destinatários.

Outra iniciativa pastoral que merece atenção e apoio especial é, também, o esforço feito em algumas partes da África salesiana para combater o flagelo, muito espalhado, da AIDS-HIV. Muitas nações da África subsaariana, onde nossos irmãos trabalham, têm um número elevado de doentes de AIDS-HIV, com um número crescente de meninos e jovens. As Visitadorias AFM e ATE, adotaram dois tipos diversos de iniciativas pastorais diante do problema. A Visitadoria AFM elaborou um programa com duração de uma semana, com o título "Love Matters", que obteve ressonância significativa na vida de milhares de jovens que participaram do curso no centro juvenil de animação em Walkerville. Tipo diverso de iniciativa desabrochou na Visitadoria ATE, cujo Superior, P. José Antonio Vega, obteve um grande reconhecimento pela sua competência educativa na prevenção da AIDS-HIV. A Visitadoria produziu uma série de manuais e outros materiais para sensibilizar o povo sobre a doença e instruí-lo sobre as opções cristãs de prevenção. É mérito desses nossos irmãos se esses opúsculos são usados não só nas instituições salesianas, mas também em outros ambientes. Na esteira oferecida por essas duas Visitadorias, usufruindo do material produzido e adaptando-o, outras Circunscrições africanas iniciaram programas de prevenção da AIDS-HIV. Certamente, as dimensões apocalípticas que a doença está assumindo na África exigiriam maior empenho por parte de todas as nossas presenças, também e, sobretudo, para dar uma séria atenção a esse aspecto da educação e evangelização.

É muito encorajador notar que nestes anos o setor da pastoral juvenil na Região foi organizado de modo muito melhor. Há, na maioria das Circunscrições, uma Comissão para a pastoral juvenil. Desde alguns anos, também em nível regional, há uma Comissão para a pastoral juvenil, com um delegado regional especialmente escolhido para isso. Um dos Inspetores é o ponto de referência da CIVAM. Embora o delegado não esteja empenhado plenamente nesse serviço, ele se apresenta como ponto de referência e ligação entre as comissões juvenis das diversas Inspetorias e organiza encontros em nível regional. Em seus encontros anuais durante este sexênio, a Comissão deu muita atenção aos vários aspectos da pastoral juvenil e ofereceu sugestões úteis para melhorar a situação. As propostas que brotam dos encontros são acolhidas pela CIVAM em vista de decisões operativas com ressonância sobre todas as Inspetorias.


3.3. Paróquias e Missões


As Paróquias, muitas das quais com estações missionárias, constituem o maior campo de atividades da África-Madagascar. Elas são cerca de 105 aos nossos cuidados. Em sua maior parte, não foram fundadas por nós, mas as recebemos herdadas de outras Congregações religiosas. Graças ao grande trabalho dos missionários pioneiros, tivemos uma relativa facilidade para organizar o trabalho pastoral e orientá-lo gradualmente segundo o nosso estilo salesiano. A maioria de nossas paróquias tem um elevado número de fiéis. Em Angola, por exemplo, temos duas paróquias na cidade de Luanda com mais de 75 mil fiéis. É muito bonito saber que temos igrejas que acolhem 2-3 mil pessoas como em Tulear (Madagascar), Kinshasa (República Democrática do Congo), ou Cotonou (Benin) onde nossos irmãos animam as celebrações da Eucaristia dominical com participação assídua e onde grandes massas de pessoas rezam, cantam e dançam para louvar e glorificar o Senhor da vida e doador de tudo o que é bom. É também muito encorajadora a experiência de paróquias como a que temos em Pointe Noire (Congo Brazzaville), onde mil ou mais pessoas participam da celebração cotidiana da Eucaristia.

A catequese em nossas paróquias é um aspecto importante da vida pastoral. Algumas têm várias centenas de catecúmenos, jovens em sua maioria, que se preparam para o batismo durante um período de três ou quatro anos. Nota-se o envolvimento dos leigos nos diversos grupos ativos nas paróquias, assim como os numerosos catequistas e líderes leigos que colaboram na administração. Algumas paróquias chegam a ter até mesmo vinte ou mais grupos muito ativos.

Embora estejamos empenhados na pastoral de paróquias já bem encaminhadas, não falta em diversas Inspetorias o trabalho missionário pioneiro. Algumas paróquias nas cidades estão muito empenhadas na missão ad gentes e têm centenas de catecúmenos todos os anos. Em quase toda a África, muitas paróquias têm diversas subestações rurais coligadas com o centro paroquial, e freqüentemente cada subestação é como uma pequena paróquia.

Kandi no Benin (AFO), Luena em Angola e a prefeitura de Gambella na Etiópia são exemplos de trabalho missionário pioneiro. Na missão de Kandi os nossos irmãos estão levando gradualmente a luz do Evangelho à tribo Mokolé. Até alguns anos atrás essa gente não tinha quase nenhum contato com o resto do mundo.

Luena é talvez a maior paróquia missionária que temos na Congregação. A estação missionária mais distante está a cerca de 600 km do centro, com estradas muito precárias. Segundo uma estimativa sabe-se que somente 5% dos 400 mil habitantes que vivem nessa região, em condições muito pobres, foram evangelizados. Dizem-me que estão esperando os missionários católicos (leia-se, Salesianos) justamente porque ficamos com eles na boa e na má sorte durante os longos e difíceis anos da guerra civil, ajudando-os a sobreviver. Nossos irmãos são tidos em grande estima e iniciaram a aproximá-los do Evangelho através das atividades dos catequistas leigos porque nós Salesianos somos poucos.

Gambella ainda é um território missionário virgem. Sob a guia de D. Ângelo Moreschi SDB, Prefeito Apostólico, tiveram início muitas atividades missionárias e a Igreja cresce rapidamente. Se tivéssemos mais missionários, os frutos da evangelização seriam certamente mais abundantes.

As notícias recebidas dos missionários recordam-me os tempos apostólicos. Estes são apenas exemplos das possibilidades da missão ad gentes no continente africano.

Creio que seja o momento oportuno para falar de um novo projeto que lançamos. O Projeto África iniciado pelo P. Viganò transformou-se na Região África-Madagascar e pode ser considerado oficialmente concluído com a celebração do 25° aniversário. Há dois anos, porém, lançamos o "Projeto Sudão" devido às grandes necessidades que tem essa nação dilacerada pela guerra. Como se sabe, os longos anos de guerra levaram a parte sul do Sudão, que é de modo prevalente católica, à voragem da miséria humana e ao colapso sócio-econômico. Há cerca de 25 anos os meninos e jovens não têm a oportunidade de freqüentar uma escola. As estradas minadas e a persistente situação de guerra têm impedido aos sacerdotes e catequistas de visitarem as aldeias. Conseqüentemente, durante estes anos, a vida de fé daquela gente não foi suficientemente nutrida e aprofundada, embora a maioria tenha permanecido apegada à fé cristã. A complicar as coisas existe atualmente um esforço concentrado para islamizar o sul. A nossa paróquia em Tonj compreende 160 aldeias, mas depois da reabertura dessa presença em 2000, os nossos irmãos conseguiram acompanhar apenas 80 delas. A messe é grande, mas os operários são poucos.

Com poucas palavras, o Sudão precisa de atenção urgente para reconstruir um povo que estava à beira da completa destruição. Para essa finalidade, em 2006 o Dicastério das Missões lançou o "Projeto Sudão", convidando toda a Congregação a fazer dele o tema da jornada missionária anual (DOMISAL). Constatando as necessidades urgentes, o Sudão foi novamente proposto como tema também para 2007. Foi preparado, então, com a colaboração de diversas ONGs dos Salesianos que trabalham no mundo, um projeto global para as intervenções salesianas no Sudão. A consolidação das atuais presenças, a abertura de outras em áreas carentes, a tentativa de chegar aos pobres mais abandonados no setor rural, de modo particular, meninos e jovens, são os aspectos importantes deste projeto, que deverá continuar por vários anos, mesmo não sendo proposto como tema do DOMISAL. Considerando o feliz resultado do Projeto África, creio que podemos fazer maravilhas em breve tempo, se as Inspetorias acolherem com seriedade e generosidade este novo Projeto Sudão.

Enquanto estamos no tema das missões, expresso a minha grande alegria ao constatar que alguns Salesianos de origem africana começaram a ir a outras nações como missionários. Há um movimento de missionários no interior do continente africano e da África para outros continentes. Recentemente um sacerdote e um tirocinante da Inspetoria AFC foram como missionários respectivamente às Visitadorias ATE e AFM, enquanto dois tirocinantes, um da Visitadoria ANG e outro da AET, foram destinados a Papua Nova Guiné e às Ilhas Salomão. Temos fundada esperança de que com o passar dos anos aumentará o número dos missionários africanos.


3.3. A Comunicação Social


Foi estudado, no encontro da CIVAM de 2003, o tema da Comunicação Social no frágil contexto da África, e surgiram algumas propostas práticas para investir maiores recursos nesse setor. No ano passado foi nomeado um coordenador para as comunicações sociais em nível regional. Essa opção é sinal da boa vontade e da determinação dos Inspetores para uma maior organização do setor para o futuro. É preciso admitir, porém, que apesar de todos os esforços feitos até agora, o setor das Comunicações Sociais na África não recebeu a merecida atenção. Apesar disso, os resultados alcançados nas diversas Inspetorias, embora modestos, causam admiração.

As Inspetorias publicam, em tempos variados, diversas edições do Boletim Salesiano. Em Nairobi publica-se em inglês um Boletim Salesiano especial com o título "Boletim da Família Salesiana". Dois outros Boletins Salesianos em língua inglesa saem nas Visitadorias AFW e ZMB. Três edições francesas do Boletim são publicadas pelas Visitadorias AFC, AFO e ATE. Há também uma edição portuguesa em Moçambique.

Houve ainda o esforço de publicar opúsculos úteis em diversas Circunscrições. O DBYES (Don Bosco Youth Educational Services) de Nairobi (AFE), centro para a formação permanente de jovens e de formação para animadores, tem também um departamento para a Comunicação Social, que cuida particularmente de várias publicações em favor da juventude. Este centro também elaborou um programa para a preparação dos jovens ao uso da mídia. De tanto em tanto saem várias publicações também em outras Inspetorias. Não resta dúvida que se poderia fazer mais, especialmente se a atividade editorial das Inspetorias fosse coordenada em nível regional ou interinspetorial.

Iniciativa interessante é a do Centro "Pombas" de Lubumbashi (AFC) que, em colaboração com a estação televisiva local apresenta uma série de programas endereçados aos jovens em francês e em swahili.

Há, ainda, ao menos duas estações de rádio na Região dirigidas pelos Salesianos. A "Rádio Dom Bosco" de Ebolowa (ATE), embora de pequenas dimensões, serve para a população rural das proximidades. A "Rádio Dom Bosco" de Ivato (MDG), porém, é realmente uma grande realidade de comunicação, de que a Congregação pode se orgulhar! Não é exagerado afirmar que é uma das melhores estações de rádio que temos atualmente na Congregação. É sem dúvida a rádio número um de Madagascar. De fato, resulta de algumas pesquisas que entre as rádios transmissoras do país, inclusive a do estado, a Radio Dom Bosco tem de longe o mais elevado número de ouvintes. Através de satélite alcança praticamente a ilha inteira e está coligada com a maior parte das 20 dioceses de Madagascar.

A Rádio Dom Bosco surgiu em 1996, como resposta salesiana à situação e às necessidades de Madagascar, como também para tornar conhecidas a presença salesiana no território e a cultura do país. Faz parte da estratégia para elevar a qualidade dos serviços oferecidos pelos Salesianos à juventude e ao povo de Madagascar. Através das 24 horas de transmissões diárias em língua malgaxe, apresenta uma grande variedade de programas dirigidos ao povo em geral, mas particularmente aos jovens. Com seus programas a serviço da educação e evangelização e do desenvolvimento social, é, sob todos os aspectos, uma rádio juvenil salesiana a serviço do carisma salesiano.

Os meios de Comunicação Social são meios por excelência de educar e evangelizar. Investindo mais nesse setor podemos tornar a nossa missão mais eficaz e aproximar-nos de muitíssimas pessoas.


3.4. A Família Salesiana


Muitos grupos da Família Salesiana estão presentes e ativos em diversas partes da África-Madagascar.

As Filhas de Maria Auxiliadora têm comunidades em todas as nossas Inspetorias e Visitadorias, mesmo não as tendo em todas as cidades onde os Salesianos têm suas casas. A configuração de suas oito Inspetorias nem sempre coincide com a nossa.

Os Cooperadores estão presentes com centros em quase todas as Circunscrições, enquanto os Ex-alunos ainda não estão bem organizados na maior parte das nações. Os demais grupos da Família Salesiana presentes na África são as Filhas de Maria Imaculada, com uma Província na Tanzânia, as Irmãs Missionárias de Maria Auxiliadora, com uma presença na Suazilândia, e as Filhas dos Sagrados Corações de Jesus e Maria, que colaboram com os Salesianos em Camarões. Outros grupos, como a ADMA, as VDB e os CDB têm pequenos grupos em algumas Inspetorias.

É preciso reconhecer que o potencial da Família Salesiana na África ainda precisa exprimir-se plenamente. O recentíssimo encontro da CIVAM em Dar Es Salaam com o P. Adriano Bregolin e o seu time, fez uma avaliação sobre a situação atual da Família Salesiana na Região, em vista do seu maior impulso e dinamismo. Dos relatórios apresentados no encontro emergiu que na maior parte das Inspetorias, a Família Salesiana é uma realidade muito frágil. É preciso fazer muito para promovê-la e organizá-la num verdadeiro movimento para a realização da missão salesiana. Os Inspetores presentes à reunião desenharam um plano para a promoção da Família Salesiana, dando indicações para obter uma sinergia maior entre os vários grupos. Ousaria dizer que o futuro impacto e a eficácia do carisma salesiano na África dependerão muito da capacidade do trabalho unido da Família Salesiana para a realização da missão comum, garantindo, contudo, e respeitando as características e a autonomia de cada grupo.


3.5. Economia e administração


Este é um aspecto importante para a realização da nossa missão em todas as partes do mundo. Já acenamos ao modo admirável e consistente com que a Divina Providência veio em nossa ajuda para a atualização do Projeto África. Essa assistência continua ainda hoje, pois a maior parte das Inspetorias depende quase exclusivamente da ajuda de agências de coleta de fundos e de benfeitores individuais da Europa e da América. Um bom número de Inspetorias mães, responsáveis pela fundação das presenças salesianas nas diversas Circunscrições, continua a assistir financeiramente as novas Inspetorias de acordo com as convenções estipuladas entre elas. Sinto a necessidade de exprimir a minha gratidão a essas Inspetorias pelo continuado apoio e interesse.

Durante a fase de fundação era bastante fácil encontrar financiamentos para a constituição das obras. Os problemas agora são relativos à sua manutenção e condução diária, para as quais é muito difícil encontrar os fundos necessários. De modo particular, a manutenção continuada das escolas técnicas torna-se de grande peso, mesmo que através delas possamos oferecer o melhor serviço aos jovens pobres da Região. As Circunscrições já estão estudando várias possibilidades de recolher fundos localmente para o sustento das obras. Certamente, neste momento o auto-sustento das nossas obras na África e Madagascar ainda é um sonho e não é previsível quando será realidade. Estamos confiantes, contudo, que a Divina Providência haverá de manifestar-se também nesse continente pobre e certamente não nos abandonará.

A administração correta dos recursos que a Divina Providência nos envia é a prova da nossa fidelidade como religiosos. É a garantia de que não nos faltarão os meios necessários para a realização da missão que Deus nos confiou. Ouso dizer, como Dom Bosco, que a frugalidade da nossa vida e o testemunho que damos da pobreza evangélica, com o trabalho perseverante pelos pobres e pelos jovens marginalizados, haverá de nos garantir um lugar privilegiado no banco da Divina Providência.


3.6. A formação


E chegamos, agora, ao tema assaz importante da formação. Dele depende o dinamismo e a eficácia carismática da Região no presente e no futuro. Depois da apresentação que fiz dos diversos modos de levar adiante a nossa missão na África e Madagascar e depois de ter dado algumas sugestões diante dos numerosos desafios encontrados para enraizar profundamente o carisma nesse continente, deveria estar claro qual o tipo de formação que se exige para as novas gerações da África Salesiana.

Durante os últimos 25 anos, a Região constatou um crescimento consistente no número de casas para a formação inicial em todos os níveis. Enquanto em 1980, o Anuário Salesiano trazia apenas duas casas de formação em toda a África, Butare em Ruanda e Kansebula no Congo, em 2007 existem bem 41 comunidades formativas na Região.

As comunidades de pré-noviciado são 18, devido ao caráter internacional de várias Circunscrições, algumas das quais têm o pré-noviciado em vários países. Há dez comunidades de noviciado e nove de pós-noviciado a serviço de doze Circunscrições. Observa-se que, devido à atual situação política entre os países de que é composta e pela impossibilidade de os formandos viajarem para fora da Eritréia, a Visitadoria AET tem como única opção organizar as fases da formação na própria Eritréia e também na Etiópia. Por isso, é a única Visitadoria que tem dois noviciados e dois pós-noviciados.

As comunidades para estudantes de Teologia são quatro: Lubumbashi, Yaoundé, Utume (Nairobi) e Fianarantsoa. Esta última vive na mesma casa da comunidade do pós-noviciado. À exceção de Lubumbashi, onde as aulas são dadas em nosso centro, os estudantes de teologia freqüentam os institutos teológicos que estão a serviço das dioceses ou de Congregações religiosas.

Foi aberta em Nairobi, muito recentemente, uma comunidade para a formação específica dos coadjutores para as Inspetorias de língua inglesa.

Como a Ratio recomenda, as comunidades formativas interinspetoriais são reguladas pelo respectivo Curatorium, do qual fazem parte os Inspetores das Inspetorias interessadas.

O número de comunidades formativas pode parecer impressionante. Diga-se, porém, que, infelizmente, muitas delas não têm um número adequado de guias competentes para a própria formação. Prover essas comunidades de equipes dirigentes competentes e santas e melhorar a qualidade da formação inicial em todos os níveis ainda são os grandes desafios para os anos futuros. Não admira, pois, que cresce sempre mais o número de Salesianos que se esforçam para obter qualificações acadêmicas em várias universidades fora da Região.

A Comissão regional para a Formação organizou-se bem durante este sexênio e está oferecendo uma ótima contribuição a todas as Inspetorias, estudando assuntos de interesse comum. A Comissão funciona segundo os estatutos aprovados pela CIVAM e tem um dos Inspetores como referência. O papel dessa Comissão não pode ser subestimado, devido à quantidade de casas de formação na Região e à importância da formação inicial e permanente, em vista de uma séria inculturação do carisma salesiano na África e em Madagascar.


4. Um impulso para o futuro


Com o coração cheio de alegria devemos elevar um hino de louvor e de reconhecimento a Deus por tudo o que foi feito na África e em Madagascar, desde a abertura da primeira presença salesiana em 1891 até hoje, mas de modo especialíssimo pelos últimos 30 anos de intensa atividade. Devemos, contudo, reconhecer humildemente que o que foi feito até agora é apenas a ponta do iceberg. Muito mais deve ser feito ou poder-se-ia fazer.

Os desafios que se apresentam à África, e à África salesiana de modo particular, são muitos e complexos. Exigem de nós energias físicas e um renovado empenho com espírito de otimismo e criatividade que são características essenciais da nossa espiritualidade. Quereria resumir todos os desafios e necessidades sob este grande título: uma mais profunda inculturação do carisma salesiano na África e em Madagascar.

A responsabilidade de implantar o carisma salesiano na África e em Madagascar coube até agora aos missionários vindos do exterior. A partir de agora, a responsabilidade transfere-se gradualmente às novas gerações de Salesianos de origem africana. A face africana do carisma salesiano, de que tanto falava o P. Viganò, não consiste apenas no crescimento numérico dos Salesianos de origem africana, mas, sobretudo na inculturação do carisma na realidade africana, em vista da transformação dessa sociedade, de acordo com a visão do Evangelho e segundo o nosso estilo salesiano.


4.1 Os desafios


Ao falar de desafios e perspectivas, mais do que dar novas formulações, prefiro haurir naquilo que escrevi no documento conclusivo da Visita de Conjunto em Johanesburgo em fevereiro de 2006 e, depois, eventualmente, ampliar o pensamento. Creio colher o nó da questão.

A missão é para nós Salesianos o centro de gravidade e a força que orienta a nossa vida. É fundamental entender, então, o que é a nossa missão. Ela não se identifica com as nossas obras, com as nossas atividades e realizações. É, sobretudo a expressão do nosso zelo pela salvação da juventude, a "paixão" do "Da mihi animas, cetera tolle, um zelo que tem sua fonte "no coração de Cristo, apóstolo do Pai" (Const. 11).

Queremos que a missão salesiana e a sua inculturação na África e em Madagascar sejam a razão da nossa vida religiosa e, portanto, de todos os nossos esforços para renovar a nossa presença nesse vasto e empobrecido continente. Fomos chamados por Deus a estar ali para que os jovens, especialmente os pobres, abandonados e particularmente em perigo, "tenham a vida em abundância" (cf. Jo 10,10) através do dom do desenvolvimento humano, da educação e da evangelização.

Diante dos nossos olhos e no profundo do nosso coração temos a dramática realidade da terrível pobreza da população e da instabilidade política e social; a nova devastadora epidemia da AIDS-HIV; a falta de oportunidades para os jovens; a ameaça da expansão do Islã etc. É justamente nesse contexto, marcado pela anticultura da morte, que nós Salesianos queremos ser "sinais e portadores do amor de Deus" (Const. 2), apostando na juventude, acreditando na educação, sendo missionários.

Os desafios que a vida apostólica consagrada enfrenta na África e em Madagascar provêm:

  • das tendências culturais: o secularismo, o materialismo e o consumismo, que promovem uma vida sem Deus, sem valores espirituais e sem a capacidade de fazer de nossas vidas uma oferta gratuita aos jovens;

  • das tentações pessoais: o individualismo que destrói o espírito cristão da comunhão, põe em risco a experiência social da solidariedade, produz divisão em nossas obras e fragmentação em nossa vida, e causa formas de ativismos que levam os irmãos a dar mais importância ao fazer do que ao ser, provocando cansaço físico, stress psicológico e esvaziamento espiritual;

  • dos problemas institucionais e organizativos: uma certa resistência à mudança, necessária para dar repostas adequadas às situações externas que mudam rápida e profundamente; a emergência da situação interna, caracterizada pelo aumento das vocações locais, mas com escassez de pessoal para os papéis de liderança, o que exige da nossa parte repensar no interior de nossas obras, favorecendo uma maior co-responsabilidade nos jovens irmãos e uma mudança em nosso modo de agir. A vida comunitária na África e Madagascar, cujos protagonistas são irmãos vindos de nações, culturas e grupos étnicos diversos, é uma profecia para países dilacerados pelas guerras; na verdade, ela é evangelização em ato, expressão do amor que vence qualquer expressão de antagonismo racial.

A fim de sermos eficazes hoje, como religiosos salesianos na África, precisamos ser mais zelosos, mais religiosos e mais salesianos. Para isso, é preciso gente cheia de ardor pastoral, de profunda espiritualidade, com identidade e mentalidade de projeto; isto é, homens cuja única força seja a caridade pastoral, que se deixam guiar pelo Espírito Santo, que colocam Dom Bosco como seu ponto de referência e norma da própria vida e que sabem como se relacionar com outras agências pastorais e educativas presentes na área, criando uma autêntica sinergia.

É verdadeiramente um desafio digno de ser acolhido, ou seja, enraizar mais profundamente e mais seguramente o carisma salesiano na Região. A interação entre as culturas africanas e o carisma salesiano deveria ter como resultado o enriquecimento recíproco para o bem dos jovens da África e de Madagascar. Nesse contexto, a animação vocacional e a formação, tanto inicial quanto permanente, adquirem sua verdadeira importância. Será preciso ainda muito tempo antes de poder guarnecer as comunidades formadoras de pessoal adequado e competente. Só o esforço comum nesta matéria, mesmo a custo de grandes sacrifícios, garantirá a integridade carismática da Região.

Outro desafio e outro compromisso para os próximos anos são a consolidação subseqüente e a expressão mais completa da missão salesiana em seus diversos aspectos. A consolidação comporta, entre outras coisas, uma atenção particular à consistência numérica de cada comunidade, garantindo nível elevado de vida comunitária, e a qualificação dos irmãos para os compromissos que lhes são confiados. Entretanto, só a consolidação poderia fazer-nos cair numa rotina monótona e também, eventualmente, levar-nos à morte. Por outro lado, a expansão pouco prudente enfraquece o tecido mesmo da nossa missão. O conúbio feliz entre consolidação e expansão saudável exige sabedoria e discernimento, guiados por profunda sensibilidade pelas necessidades do nosso tempo. A expansão não pode ser definida apenas em termos de novas obras e novas comunidades, mas poderia significar também a reorganização e uma nova orientação das obras existentes, de modo criativo, para dar respostas mais convincentes às necessidades dos pobres e dos jovens em perigo.

Outro apelo vem-nos da pobreza, realidade que nos fita diretamente nos olhos em todo o continente. Convida-nos a uma vida mais autêntica de pobreza evangélica, para que, como indivíduos e como comunidade, possamos ser testemunhas diante daqueles com os quais e pelos quais trabalhamos e interagimos. Ao mesmo tempo, é um desafio a impelir-nos na busca dos meios econômicos necessários para encaminhar os pobres pelos caminhos do desenvolvimento e de uma digna auto-suficiência.

Neste contexto, o auto-sustento das nossas obras na África e em Madagascar não é um desafio fácil. No momento, todas as nossas obras dependem intensamente de fundos estrangeiros. Entretanto, mesmo não podendo prescindir-se completamente dos fundos vindos do exterior, é necessário descobrir a presença da Divina Providência na África e em Madagascar.

Mais urgente ainda, e necessário, é criar um estilo de solidariedade cristã e de ajuda recíproca entre os milhões de africanos; isto, porque estou convencido de que a transformação durável da sociedade africana só poderá surgir do interior das mesmas sociedades africanas mais do que da ajuda econômica que vem de fora, mesmo que esta possa ser de grande apoio, quando usada sabiamente e sem criar mentalidade de dependência.

Dom Bosco garantiu-nos que os meios necessários não nos faltarão, enquanto trabalharmos por aqueles que são realmente pobres. Essa garantia, verificada concretamente na experiência da Congregação, leva-me a crer que é preciso fazer todo esforço para que as nossas obras sejam o mais possível auto-suficientes.


4.2. Relançamento do Projeto África


È verdade que o Projeto África, na modalidade com que foi lançado, já foi oficialmente concluído e que a atenção agora está focalizada na Região África-Madagascar. Contudo, diante dos grandes desafios enfrentados hoje pela África salesiana e diante das multíplices possibilidades oferecidas pelo carisma salesiano, foi sugerido que o Projeto África deveria ser relançado de forma e com atenção renovadas. Parece-me uma boa proposta, mas o sucesso da sua atuação depende agora de cada Circunscrição africana e da CIVAM em seu conjunto.

Relançar o Projeto África no contexto dos atuais desafios e oportunidades quereria significar o empenho pela realização de uma África Salesiana Adulta, de todos os pontos de vista. Ou seja, que não sustente somente a si mesma, mas que possa gerar nova vida para os milhões de jovens pobres do continente. Deveria ser o artífice ativo de uma transformação global do contexto africano segundo a visão cristã da vida e da sociedade humana.

Um novo Projeto África deveria dar atenção particular aos vários aspectos da nossa vida e das nossas atividades:

  • Manter a evangelização sempre no centro, de modo que em todos os lugares e em todas as circunstâncias possamos ser verdadeiros anunciadores do Evangelho e educadores à fé. Cada Salesiano na África e em Madagascar, de nacionalidade estrangeira ou de origem autóctone, deveria sentir-se missionário e evangelizador.

  • Repensar e melhorar o nosso trabalho educativo, de modo que, com renovados conteúdos e métodos, possamos formar mentalidades novas para criar uma sociedade mais humana e mais cristã. Quanto a isso, assume uma importância que não pode ser subestimada a educação dos jovens em vista da participação responsável na vida política e social de seus países.

  • Fazer uso mais estratégico dos diversos meios de comunicação para ampliar o nosso serviço de evangelização e educação, coligando os diversos centros de comunicação em nível regional para um forte impacto na sociedade.

  • Garantir que a formação, inicial e permanente, prepare as novas gerações de Salesianos para colherem os desafios oferecidos pelo cenário africano e serem líderes das comunidades e obras, em linha com as autênticas tradições salesianas. Os irmãos na vida ativa têm necessidade constante de serem estimulados e encorajados a renovar-se criativamente para corresponderem às necessidades dos tempos que mudam.

  • Criar um vasto movimento de pessoas, de modo que, em sinergia com outros que compartilham a nossa visão e missão, possamos alcançar o maior número possível de jovens pobres e carentes. Por isso, assume particular importância a promoção da Família Salesiana, como lugar de sinergia a serviço da comum missão salesiana.

  • Apesar da diversidade de linguagens, cultura, status sócio-econômicos, é importante tender a uma sempre maior sinergia e solidariedade entre as comunidades e a Inspetoria ou Visitadoria e entre as diversas Circunscrições salesianas, de modo que ninguém viva em isolamento. Juntos podemos ser melhores testemunhas e evangelizadores e chegar a servir muito mais jovens.

  • Descobrir a presença da Divina Providência no continente africano e reforçar o sentido de solidariedade entre os povos africanos; para que todos aqueles pelos quais e com os quais trabalhamos possam viver com dignidade, e as obras empreendidas para proveito deles possam com o tempo ser economicamente mais auto-suficientes.


2 Conclusão

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É difícil prever para onde o novo Projeto África nos levará em outros 25 anos. Tudo depende de como formos capazes de ser fiéis à nossa vocação religiosa e salesiana e com qual seriedade e empenho seremos capazes de elaborar projetos para ir ao encontro das muitas necessidades dos pobres e da juventude da África e Madagascar.

Maria esteve sempre presente em nosso trabalho na África e em Madagascar. A devoção a Maria, Auxiliadora dos Cristãos, propagou-se nas diversas partes do continente e os artistas a representaram com coloridos e roupagens africanos. Em diversos lugares foram construídos em sua honra santuários e lugares de peregrinação. Alguns estão em fase de construção. Com Ela ao nosso lado, enquanto continuamos o nosso caminho de evangelização e educação na África e em Madagascar, estamos certos de que não podemos falir. Possa Ela guiar-nos aos níveis mais elevados de qualidade em nosso serviço carismático neste continente, para que os seus povos, tão amados por Deus, "tenham a vida e a tenham em abundância".

Com afeto, em Dom Bosco,


P. Pascual Chávez V.

Reitor-Mor

1 Trata-se da estatística elaborada em 2004, por ocasião da apresentação da Região África-Madagascar no Conselho Geral.

2 Percentual tirado do Anuário Estatístico da Santa Sé de 2005.

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