301-350|pt|341 - A nossa oração pelas vocações (Viganò).docx


Egídio Viganò



A NOSSA ORAÇÃO PELAS VOCAÇÕES


Atos do Conselho Geral



Ano LXXIII – julho-setembro, 1992

N. 341


Introdução. - O Espírito Santo é mais poderoso que o secularismo. - Iniciativas relativas à nossa oração vocacional. - Cuidado especial por envolver também os jovens. - Temas que devem ser incluídos nesta nossa oração. - O Salesiano orante à luz da “Pastores dabo vobis”. - A oração de Dom Bosco pelas vocações. -Intensificar a oração explícita. - Confiemo-nos a Maria.



Roma, Festa do S. Coração,

26 de junho de 1992


Queridos irmãos,


uma saudação fraterna e agradecida por parte de todos os membros do Conselho Geral reunidos em sessão plenária. Nestes últimos meses eles visitaram e animaram muitas Inspetorias dos vários conti­nentes. Deram aos irmãos sua saúde, seu afeto, o dom da animação e a partilha da esperança. É bonito considerar seu serviço de comunhão no carisma de Dom Bosco como um dom de si, feito com alegria e simplicidade para crescer e testemunhar juntos a mesma caridade pastoral numa pluralidade de contextos.

Nesta reunião plenária do Conselho pensamos em vós e de vós falamos, das situações inspetoriais e de alguns problemas particularmente urgentes. Tivemos também um encontro especial com todos os inspetores da Europa sobre os desafios de uma nova evangelização provindos deste dinâmico e problemático continente.

Entre as mais vivas preocupações de toda a Congregação, a das vocações continua a ser uma das primeiras.

Eu vos escrevi há pouco uma circular sobre o tema.1 Julgo oportuno voltar a ele, não para simplesmente repetir exortações, mas para aprofundar o aspecto mais vital do que devemos fazer.

Alguém me fez observar que na mencionada circular o tema da oração pelas vocações era mais pressuposto que desenvolvido. Bem sabemos, como vos escrevia, que entre os princípios fundamentais do empenho vocacional “o primeiro de todos é que toda vocação é iniciativa de Deus e dom do seu amor; há, pois, que apoiar toda a ação na oração, sem jamais esquecer a natureza ‘espiritual’ da vocação”.2

Por outra parte, já havíamos refletido juntos sobre a oração salesiana.3 A carta sobre “carisma e oração” podia ser suficiente para iluminar também a modalidade da nossa oração pelas vocações.

Não obstante, reconhecemos que com águas passadas não se movem moinhos, e assim pode acon­tecer com circulares de meses atrás. Convido-vos, pois, a refletir mais atentamente sobre a “nossa oração pelas vocações”; os Inspetores e os Diretores ajudem os irmãos a tomá-la a peito.

Terminei a redação desta carta na festa do Sagrado Coração. É uma festa que nos lembra quanto quis e fez Dom Bosco pelo Coração de Jesus e como nos ensinou a nutrir em nós os mesmos sentimentos do Bom Pastor. As nossas comunidades formadoras costumavam ter como especial patrono justamente o Sagrado Coração de Jesus.

Em Chieri, dias atrás, detive-me a rezar, na catedral, diante do altar de Nossa Senhora das Graças, onde João Bosco, aos dezesseis anos, rezou com grande fervor pela sua vocação; pedi insisten­temente à Virgem que na Congregação soubésse­mos rezar mais e melhor pelas vocações.


O Espírito Santo é mais poderoso que o secularismo


Na sociedade da eficiência de nossos dias sobra pouco espaço para a oração, como se ela fosse uma atitude não produtiva, uma espécie de tempo perdido. Justamente em reação a essa mentalidade deformadora é que se veio manifestando na Igreja um notável despertar da práxis de rezar. Também nós somos chamados a reatualizar a nossa identi­dade de consagração com um poderoso despertar da oração salesiana.

Podemos sem mais afirmar que sem verdadeira oração enfraquece a vitalidade de qualquer carisma. Portanto, o primeiro movimento estratégico para debelar o secularismo é o relançamento pessoal e comunitário da oração. Não se trata simplesmente de favorecer certo intimismo, mas de cultivar em nós aquele contemplar realista que nos põe em diálogo com um Deus objetivamente presente na criação e na história, e que nos fala no contexto da vida; um Deus que jamais é mudo.

Trata-se de ser verdadeiramente “crentes”, de perceber o Espírito de Deus na nossa existência e na dos outros, de estar convencidos de que meditar as pequenas e grandes intervenções da “Providên­cia”, como é chamada com simplicidade pelos fiéis, não é uma atitude obsoleta. Dá pena ver alguns sorrirem e falarem de um “providencialismo” já superado. Quando alguém lê a Bíblia percebe que o persona­gem principal da história é Deus. A fé se baseia totalmente na existência histórica de Jesus Cristo e nos eventos da sua vida; a Igreja é, ao longo dos séculos, uma realidade pentecostal renovada continuamente pelo Espírito Santo que opera em nós.

Basta pensar, dentro de casa, nos acontecimen­tos concretos das origens salesianas: em Dom Bosco, em madre Mazzarello, nos seus primeiros colaboradores e colaboradoras; encontramo-nos diante de tantos dados e coincidências que consti­tuem uma realidade orgânica entretecida pela Providência. Como pode alguém pensar, por exem­plo, que a vocação do P. Rinaldi, orientada de forma tão singular e excepcional pelo nosso Pai, não tenha tido especiais intervenções da “Providência”? Sabia-o o P. Felipe, mas sempre falou disso com muita sobriedade; vez por outra, aludiu ao fenômeno do rosto de Dom Bosco — quando com falava ele para o seu discernimento vocacional — irradiando viva luz, assim em Mirabello como em Borgo San Martino.4

São Paulo nos disse: “Minha palavra e pregação não consistiram em discursos de sabedoria, mas em demonstração do Espírito e do poder divino, para que a vossa fé não se apoiasse na sabedoria dos homens, mas no poder de Deus”.5 Quem de nós não se sentiu instrumento do Espírito em tantas atividades ministeriais, muito mais para além da capacidade da própria pessoa? Pode ser fácil qualificar como “historietas” tantos sinais — pequenos e não pequenos — de intervenções permitidas pelo Espírito, para não apa­recer como ligados a um “sobrenaturalismo” ingênuo e defasado — coisa certamente por evitar —, mas não levar em consideração a realidade de uma intervenção da Providência é perigoso e subtilmente eivado pela soberba. O Espírito Santo é objetivamente ativo na história; se não é atingível mediante determinadas aproximações das ciências, é-o, porém, mediante a ótica da fé. Está presente e operante; será possível que o crente não se possa nunca dar conta disso?

Deus nos faz conhecer a sua Providência por meio do Espírito. Diz-nos são Paulo: “O Espírito, de fato, conhece tudo, até os pensamentos secretos de Deus. E nós não recebemos o espírito do mundo, mas o Espírito que vem de Deus, para que conheçamos os dons que Deus nos deu. E falamos deles, não numa linguagem ensinada pela sabedoria humana, mas numa linguagem ensinada pelo Espírito de Deus”.6

Convencidos da constante presença de Deus e da intervenção permanente do seu poder, ainda que de forma suave e oculta, será mais fácil sentir-se movidos quotidianamente ao diálogo da oração.

Uma oração, pois, que não é simples refúgio subjetivo, uma espécie de alienação da operosidade concreta, mas, sim, um diálogo suscitado pelo Espírito presente e vivo nas pessoas e nos eventos, uma escuta contemplativa da realidade e um conjunto de pedidos concretos de cada irmão que se sente protagonista responsável de um trabalho indispensável em favor das vocações.




Iniciativas relativas à nossa oração vocacional


Um dos aspectos característicos da intervenção do Espírito de Deus na história é precisamente o das vocações. Porque nenhuma vocação autêntica desponta sem as moções do Espírito Santo.

Na base da oração pelas vocações está o saber observar com visão de fé e dialogar com Cristo a respeito, não somente como tema genérico, con­quanto muito válido, mas como consideração con­creta de pessoas e situações. Uma oração que seja encontro realista entre pessoas vivas.

O protagonista que tem a iniciativa é o Espírito Santo. Através dele abre-se a nossa fé para descobrir as iniciativas de Deus, aprendendo a ler a história de todos os dias. Primeiro há que descobrir e ouvir as propostas de Deus e depois imergir-se no diálogo com Ele.

A oração em geral é um diálogo que pode ter mil perspectivas diferentes porque se refere a um Deus que é admiravelmente fecundo em iniciativas: na imensidade do universo — como Criador —, na complexidade dos acontecimentos humanos — como Salvador —, na criatividade da transformação dos corações — como Santificador —.

A oração específica pelas vocações tem um âmbito determinado visando à procura e preparação dos colaboradores mais chegados de Cristo na construção do Reino. Nesse âmbito interessa-nos de maneira particular saber perceber e cultivar as iniciativas do Espírito para incremento e vitali­dade eclesial do carisma de Dom Bosco.

O primeiro modelo da oração pelas vocações encontramo-lo no próprio Jesus Cristo. Vendo as multidões quais ovelhas sem pastor, disse aos discípulos: “A colheita é grande, mas pequeno é o número dos trabalhadores. Rogai, então, ao dono da lavoura para que mande trabalhadores para a colheita”.7

Várias vezes deu-nos ele próprio o exemplo. Para a escolha dos apóstolos, “Jesus foi à montanha para rezar. E passou toda a noite em oração a Deus. Quando amanheceu, convocou seus discípulos e escolheu doze deles, aos quais deu o nome de apóstolos.8 Devemos pensar muitas vezes nessa noite inteira de oração antes de uma escolha vocacional: é um fato sobremaneira significativo que ressalta a origem divina da vocação e sua importância para a missão da Igreja. Nossa oração pelas vocações não deve ser considerada como uma preocupação um tanto mesquinha, como uma espécie de espírito corporativo com vistas à grandeza social da Congregação, mas uma resposta ao convite explícito de Deus e a aceitação convicta, gozosa e sacrificada da urgente e vasta missão juvenil e popular confiada pelo Espírito ao nosso Fundador como dom apostólico para toda a Igreja. Também a oração pelas vocações salesianas parte do ver, como diz o evangelista, as multidões de jovens famintos de verdade e de Evangelho vagar como ovelhas que não têm pastor.

A oração pelas vocações é, pela própria natureza, muito mais ampla que o crescimento de um carisma: olha para todos os operários da Igreja. Sabe­mos que Dom Bosco quis como finalidade peculiar da nossa Congregação também a de um constante empenho por todas as vocações: “Lembremo-nos de que damos um grande tesouro à Igreja quando encontramos uma boa vocação. Vá ela para a diocese, para as missões, ou para uma casa religiosa, não importa, é sempre um grande tesouro que se oferece à Igreja de Jesus Cristo”. E para tal fim exortou-nos ao sacrifício pela promoção de toda boa vocação: “Por falta de meios não se deixe nunca de receber um jovem que dá boas esperanças de vocação. Gastai tudo o que tendes, e se preciso ide também esmolar, e se depois disso padecerdes necessidade, não vos preocupeis, porque a SS.
Virgem de alguma maneira, até mesmo prodigiosa, virá em vossa ajuda”.
9

A oração salesiana pelas vocações é, pois, univer­sal na sua destinação. Tem características peculiares por brotar de uma caridade pastoral apostolicamente empenhada. Implica em nós uma participação e quase continuação dos sentimentos ardentes de salvação que Jesus nutria em seu coração.

Vejamos algumas iniciativas de oração pessoal e comunitária que são cultivadas nas nossas casas. É indispensável que a preocupação pelas vocações seja incluída explicitamente, de forma renovada e intensa, nos momentos de oração que costumamos fazer diariamente ou em determinadas circunstân­cias da nossa vida comunitária. Deve tornar-se cada vez mais uma verdadeira respiração espiritual a se incrementar em vários níveis.

Podemos exemplificar, sem pretensões exaustivas, se queremos ser concretos e intensificar a nossa renovação a propósito. Em muitas casas costuma-se fazer essa oração com formas oportunas e várias; elas tendem a fazer com que nos tornemos — como pessoas e como comunidade — propostas vivas do Senhor que chama por meio do nosso testemunho: “ser na Igreja sinais e portadores do amor de Deus aos jovens”.10

Em nível pessoal, cada irmão é chamado a sensibilizar-se diante das urgências que provêm da abundância da messe e da escassez dos operários. O coração do Salesiano dará assim espaço mais amplo à oração pelas vocações em muitos momen­tos do seu dia. Será uma preocupação que acom­panhará toda a sua união com Deus. Nos momentos de maior intimidade — p. ex., na meditação, na ação de graças depois da comunhão, nos momentos de diálogo espontâneo com Deus, nas visitas, na récita do terço (conheço mais de um irmão que todos os dias oferece pelo menos uma dezena do terço explicitamente pelas vocações), no trabalho apos­tólico com jaculatórias, na oferta dos próprios sofrimentos e provas. Os irmãos doentes e os idosos, que vivem numa espécie de “trapa pessoal”, podem deveras fazer muito neste campo! São uma reserva orante, verdadeiro tesouro escondido de válida impetração.


Em nível de comunidade local, cada casa saberá encontrar iniciativas para serem programadas con­cretamente. Já existem experiências interessantes; p. ex., a determinação de um dia especial da semana para colocar a intenção pelas vocações em todas as orações comunitárias do dia; a adoração eucarística semanal; a inserção quotidiana de uma súplica pelas vocações nas invocações da Oração da Manhã e nas intercessões da Oração da Tarde (no passado — e as vocações não eram lá tão escassas — depois da leitura espiritual comunitária rezava-se pela inten­ção de “ut bonos ac dignos operarios...”); a celebração mensal da Missa votiva pelas vocações religiosas e sacerdotais; celebrações especiais da Palavra; encontros especiais de oração com os jovens e os fiéis; etc. O que importa é criar um clima comunitário e momentos frequentes de, oração especial pelas vocações. Nas comunidades de for­mação será preciso cuidar de maneira particular deste aspecto, dando muito destaque à oração pelas vocações.


Em nível de Inspetoria, vão aumentando as programações bem preparadas para sensibilizar as comunidades locais, acompanhá-las, estimulá-las em suas iniciativas, e movê-las a uma convergência comum em determinados momentos; p. ex., o dia inspetorial das vocações com proposta de subsídios quer para a Eucaristia quer para uma celebração da Palavra; da mesma sorte, o dia anual das missões salesianas, que oferece a oportunidade de programar momentos comuns de oração. Também neste nível, o que resulta vital é a sensibilidade e o interesse de animação que parte de um centro dinâmico que lembra oportunamente aos irmãos uma das finalidades da nossa missão.11


Em nível de Família Salesiana, é fácil solicitar a convergência dos vários Grupos em iniciativas vocacionais. Oferecem boa oportunidade as festas dos nossos Santos e Beatos: Dom Bosco e madre Mazzarello, Domingos Sávio e Laura Vicuña, os mártires Versiglia e Caravario, etc. Devem ser cultivados os grupos de oração entre os devotos de Maria Auxiliadora, os amigos de Domingos Sávio, os jovens empenhados no Movimento Juvenil Salesiano, as iniciativas especiais de oração que surgem em vários lugares também entre os pais dos Salesianos e das FMA, entre os Cooperadores e as Cooperadoras e entre grupos providenciais de adoração. Penso que neste campo é possível fazer muito mais.


Em nível eclesial, será preciso saber participar de boa vontade nas iniciativas de oração pelas vocações na Igreja local. Deve-se ainda lembrar o domingo do Bom Pastor (4o da Páscoa) que é o Dia Mundial de Oração pelas Vocações em toda a Igreja, acompanhado sempre de uma mensagem do Papa. Assim também a novena do Espírito Santo para acompanhar a vinda entre nós do Protagonista das vocações, fazer apreciar a disponibilidade às suas moções e sabê-las discernir. Também o Dia Mun­dial das Missões é uma ocasião muito propícia. São momentos que devem ser cuidadosamente prepa­rados a fim de poder viver a sua intensidade vocacional.

Esse leque de exemplos recorda-nos a necessi­dade de uma oração explícita — pessoal e comu­nitária — pelas vocações, que se deve promover com entusiasmo.


Cuidado especial para envolver também os jovens


É de modo especial importante e eficaz saber estender o empenho da oração pelas vocações para além da comunidade religiosa, envolvendo outros grupos da Família Salesiana e de fiéis, sobretudo os jovens. O projeto vocacional é dirigido particularmente aos jovens e interessa-os pessoalmente; serve admiravelmente para fazer interpretar a própria vida como vocação, para descobrir o próprio lugar na construção do Reino e assumi-lo com consciência e generosidade. Mediante a oração, a palavra de Deus desce ao coração, e as moções do Espírito a tornam fecunda: “Na verdade, a palavra de Deus é viva e eficaz. Ela é mais afiada do que qualquer espada de dois gumes. Ela penetra até o ponto de separação entre a alma e o espírito, entre as juntas e as medulas”.12

Na oração, o jovem aprende exatamente a acolher esta Palavra, personalizando concretamente seus apelos. Nela é que se verifica quanto dizia Dom Bosco, que “em todo jovem há um ponto acessível ao bem, e primeiro dever do educador é procurar este ponto, esta corda sensível do coração e tirar proveito dela”.13

Isso já se experimentou positivamente seja na experiência da chamada “escola de oração”,14 seja nos encontros e jornadas do Movimento Juvenil Salesiano (inspetoriais e interinspetoriais), seja nas grandes concentrações juvenis de conteúdo espiritual como o Dom Bosco 88 e as jornadas eclesiais da juventude instituídas pelo Papa João Paulo II São verdadeiros momentos de graça, nos quais os jovens rezam de boa vontade e expressam publicamente o desejo de um compro­misso cristão. É certamente indispensável, de modo particular, envolver na oração vocacional os jovens mais espiritualmente maduros e que mostram sinais de vocação para um compromisso mais gene­roso com Cristo.

Todavia, nesta tarefa, será preciso saber cuidar do estilo da oração: seja animada e eclesialmente atualizada, saliente a alegria de se sentir amigo de Cristo, faça perceber a indispensável missão histó­rica da Igreja no mundo, seja treinamento para a generosidade e para a disponibilidade.

Para tal fim é bom voltar a ouvir juntos algumas afirmações do último Capítulo Geral.

A oração é a linguagem que nos foi dada pelo Espírito para nos dirigirmos ao Pai. Teve, em tempos passados, formas pedagógicas adequadas à condição dos jovens de então. Para nós é urgente hoje repensar momentos e formas convenientes de iniciação”.15

No caminho a percorrer para fazer amadurecer a fé, “a participação mais intensa no mistério da Igreja realiza-se por meio da oração, da escuta da Palavra, da celebração da salvação”.16 É durante esses momentos de interioridade que o jovem pode perceber a iniciativa do Espírito dirigida justamente a ele: com efeito, “a oração-meditação faz passar da superfície da vida para o interior dela: a pessoa encontra aí a si própria e sente com mais facilidade o apelo que Deus lhe dirige”.17

Portanto, será preciso saber dar à oração com os jovens, formas pedagogicamente adaptadas e profundamente genuínas, que incidam no coração; o Capítulo sublinha precisamente que “a oração salesiana sabe aceitar as novas modalidades que ajudam os jovens a encontrar a Deus na vida quotidiana. É flexível e criativa, atenta às orientações renovadoras da Igreja”.18

Os animadores e as comunidades que experi­mentaram esse envolvimento sabem que ele é bem recebido e que influi profundamente nos jovens, sobretudo nos mais comprometidos. Se na Igreja se constatou nestes anos uma volta dos jovens à oração, será urgente para nós saber programar contínuas iniciativas que a promovam. No fervor da oração experimentar-se-á de fato que o Espírito de Deus é o grande protagonista das vocações e que a sua presença se manifesta no “mistério da vocação”, como diálogo inefável entre Deus e este jovem, fazendo-o sair do anonimato superficial e dos egoísmos efêmeros.


Temas que devem ser incluídos nesta nossa oração


A oração salesiana não pode prescindir das iniciativas concretas acima indicadas, mas a sua proveniência da caridade pastoral leva-nos efetivamente mais adiante. Como vimos,19 ela amadurece e aperfeiçoa-se na união com Deus que nos leva a viver a caridade pastoral como testemunhas operosas do Reino. Por isso, estende seus horizontes sobre nós e nossas atividades.

Que vem a ser concretamente para nós rezar pelas vocações?

Como apóstolos das vocações, interessa-nos empregar neste campo uma metodologia pastoral e pedagógica. Neste sentido foram propostas várias reflexões na circular “Há ainda bom terreno para semear”.20 Eis porque não podemos contentar-nos com exercícios de piedade — muito embora válidos —, mas devemos orientar-nos sobre objetivos concre­tos, que supõem todo um envolvimento pessoal e comunitário a ser traduzido em operosidade. Não se tratará somente de rezar para ter novas vocações, mas também de rezar e trabalhar para alcançar o crescimento e a perseverança das vocações que já amadureceram, a começar pela dos irmãos de cada comunidade, e de empenhar-nos na formação permanente que nos renova na docilidade ao Espírito de Deus.

Para tanto, é conveniente voltar por uns instan­tes às orientações metodológicas indicadas na citada circular de 8 de dezembro de 1991; para sua realização concreta, os itinerários a planejar precisam apoiar-se numa oração intensa e especí­fica. Assim sendo, aquelas indicações constituem também temas de particular empenho que devem ser incluídos no diálogo com Deus.

Lembremo-los rapidamente:


— “ser uma comunidade capaz de propor”: rezar para que a comunidade seja “sinal” e “escola de fé”; isto engloba a vitalidade espiritual de toda a pastoral juvenil destacando sua inseparável dimensão vocacional. Este tema pode alimentar a oração pessoal e comunitária, p. ex., nos tempos fortes, até fazer reflorescer nos irmãos uma verdadeira conver­são;


— “personalizar o itinerário de fé”: aqui a oração faz voltar o olhar e a preocupação, um por um, à necessidade dos contatos apostólicos pessoais, à direção espiritual, ao exercício vocacional do sacra­mento da Penitência, ao encaminhamento da liber­dade do jovem para crescer numa espiritualidade apostólica sentida, desenvolvendo oportunamente a 4ª área do caminho do CG23 “para um empenho pelo Reino”;


— “criar experiências que amadurecem”: aqui a oração solicita o espírito de iniciativa e acompanha as programações concretas que ajudam o jovem a crescer na fé, na opção por Deus, nos compromis­sos apostólicos e missionários, nas experiências de grupo, renovando com a oração a nossa missão oratoriana;


— “saber chamar e acompanhar”: a oração cer­tamente estimula em nós, antes do mais, a coragem de chamar de forma delicada e penetrante como aspecto inerente à personalização da educação da fé, e ainda assegura a constância do acompanhamento amigável, seja para superar as várias dificuldades que se haverão de apresentar, seja para fazer amadurecer gradualmente para um ideal cristão de existência;


— “os primeiros responsáveis”: rezar pelos que são chamados de modo especial para influir educativamente sobre os jovens vocacionáveis: pais, diretor, inspetor e quem acompanha mais pessoal­mente os candidatos.


Dessa maneira, o nosso diálogo com Deus em resposta ao seu apelo a rezar pelas vocações se enriquece de muitos temas concretos. Eles alargam o conteúdo da nossa oração pelas vocações; servem, além disso, para demonstrar que a oração, para nós, deve estar ligada à ação vocacional, de modo que ambas, em fusão vital, proclamem a verdade de uma união com Deus que explode em caridade pastoral.

Para tudo isto, porém, é preciso uma sensibilidade nova, de abandono de certas modali­dades habitudinárias que já se tornaram de fato superficiais, de repensamento em profundidade, de relançamento do carisma: ou seja, de uma conversão espiritual e apostólica.

A Palavra de Deus afirmam as Constituições — nos chama a contínua conversão”, enquanto a frequência do sacramento da Reconciliação se torna também um empenho vocacional: “ele nos dá a alegria do perdão do Pai, reconstrói a comunhão fraterna e purifica as intenções apostólicas”.21 E assim a nossa oração pelas vocações, projetada na concretude de uma fecunda pastoral juvenil, nos leva de fato, se convertidos, “a celebrar a liturgia da vida”,22 ou seja, a fazer com que o nosso próprio trabalho pelas vocações se torne verdadeiramente a oração salesia­na completa.

A oração acresce outrossim o espírito de mortificação que acompanha a fidelidade ao trabalho; no sacrifício apostólico se espelha a verdade da oração. Falando da necessidade da mortificação, o padre Albera assegurava a validade das súplicas, porque “os desejos que consistem só em palavras custam pouco e valem menos ainda”.23

E bonito, sem dúvida, falar de teologia da criação e de teologia da encarnação, mas é indispensável acrescentar também a teologia da cruz. Somos convidados a compreender cada vez mais profun­damente o valor, a importância e a centralidade da paixão e morte de Jesus Cristo. Dom Bosco viveu este aspecto com generosidade.

O fenômeno do envelhecimento, das doenças, de tantos sofrimentos poderia tornar-se um tesouro muito fecundo se vivido com atitude orante. Por esta razão, a relação entre a teologia da encarnação e a história da salvação deve ser contemplada à luz do mistério pascal. Falar de mortificação e de cruz não significa tornar-se pessimistas e alheios à alegria, mas imitar e participar na oração de Jesus, impregnada do realismo da esperança que o levou à doação total de si na cruz.


O Salesiano orante à luz da “Pastores dabo vobis


Dizia Dom Bosco que a oração é “a obra das obras”. Ela leva à união com Deus, da qual procede a intensidade da caridade pastoral com o dom vital da “graça de unidade”. Sem oração torna-se impossível a síntese entre fé e vida. A oração, com efeito, é experiência pessoal de Deus, eleva da escuta à partilha, da meditação à contemplação; desencadeia um movimento interior pelo qual o amor assume o predomínio e nos faz entrar diretamente no coração de Deus, ultrapassando o diálogo para tornar-se “amor unitivo”.

Já vimos que são Francisco de Sales é mestre nesta visão da oração que leva o orante à liturgia da vida. O amor unitivo encontra-se no íntimo da pessoa e lhe impregna todo o ser com a sua intrínseca carga operativa; gera no coração um modo espiritual de ser dinâmico, como “participa­ção consciente do amor de Deus mediante a entrega de si, na disponibilidade prática para a obra da salvação. E uma atitude interior de caridade, que se volta para a ação apostólica, na qual se concre­tiza, se manifesta, cresce e aperfeiçoa-se”.24 A nossa oração pelas vocações deveria atingir esse nível, próprio da oração salesiana, que desagua no “êxtase da vida e da ação”.

As Constituições nos dizem que o espírito salesiano tem como “centro” e “síntese” a caridade pastoral,25 portadora do dinamismo unitivo capaz de transformar o nosso trabalho em oração. Uma caridade pastoral que Dom Bosco nos ensinou a expressar com o mote “da mihi animas” e que o padre Rinaldi traduziu magistralmente pela expres­são “respiro para as almas”.26 É a esse “respiro” que devemos fazer chegar nossa oração pelas vocações, vivendo em nós os sentimentos do coração de Cristo. Ou seja: não simplesmente uma oração que se limita a momentos determinados (conquanto muito indispensáveis), mas que impregna e estimula o coração a fim de que transforme toda a vida em testemunho gozoso da própria vocação e cada ação apostólica em empenho vocacional.

Convido-vos, queridos irmãos, a tomar nas mãos a Exortação Apostólica “Pastores dabo vobis” para ler com atenção quanto afirma sobre caridade pastoral.27 Nos números 21 e seguintes, o documen­to nos oferece precioso e autorizado ensinamento sobre a configuração a Cristo-Pastor, que constitui precisamente o ideal e a alma do espírito salesiano de Dom Bosco.

É bonito, e para nós estimulante, ver situada a vida espiritual (e, pois, também o exercício da oração) bem dentro do empenho apostólico, e ouvir afirmar que entre consagração e missão (entre oração e trabalho) há mútua compenetração orgânica: “a missão não é um elemento exterior e justaposto à consagração, mas constitui a sua meta intrínseca e vital: a consagração é para a missão. Assim, não só a consagração, mas também a missão está sob o signo do Espírito, sob o seu influxo santificador. Assim aconteceu com Jesus. Assim foi o caso dos apóstolos e dos seus sucessores”.28 E a exigência essencial e permanente de unidade entre a vida interior e as muitas ações e responsabilidades do apostolado encontra plena e adequada resposta precisamente na energia da caridade pastoral, à qual tende de si mesma a nossa oração.

Observemos como o documento apresenta a famosa caridade pastoral. O modelo a quem olhar para indicar-lhe as características é Cristo-Bom Pastor, revelador do amor de Deus por Ele teste­munhado até as mais extremas consequências com o dom total de si no serviço, na humildade e na mais generosa solidariedade.

A caridade pastoral é participação viva do intenso amor salvador de Cristo: é “dom gratuito do Espírito Santo, e ao mesmo tempo tarefa e apelo a uma resposta livre e responsável”.29

Olhando para o mistério de Cristo percebe-se com clareza que o seu conteúdo essencial é o dom total de si na missão, dom que não tem limites, dom feito com alegria e boa disposição, dom que se exprime em simpatia e amabilidade porque ama os destinatários “com um coração novo, grande e puro, com um autêntico esquecimento de si, com dedicação plena, contínua e fiel, juntamente com uma espécie de ‘ciúme’ divino (cf. 2Cor 11,2), com uma ternura que se reveste até dos matizes do afeto materno”.30

Lembramos de Dom Bosco, quando afirma: “basta que sejais jovens para que eu vos ame muito. Por vós estudo, por vós trabalho, por vós vivo, por vós estou disposto até mesmo a dar a vida”.31

A caridade pastoral — afirma o Papa — “não é somente o que fazemos, mas o dom de nós mesmos, que manifesta o amor de Cristo por seu rebanho. A caridade pastoral determina o nosso modo de pensar e de agir, o nosso modo de nos relacionarmos com as pessoas. E não deixa de ser particularmente exigente para nós”.32 Podemos dizer que ela caracteriza em sentido sacrificai toda a nossa existência de consagrados para a missão salesiana; encontra assim o seu ponto de chegada e sua fonte, o dom de si e a capacidade de vivê-lo na Eucaristia como expressão sacramental da nossa incorporação existencial a Cristo.

Se, portanto, a nossa oração pelas vocações for orientada para o amadurecimento na cari­dade pastoral, isto significará que ela deve estender-se muito além de um exercício de piedade. Ela nos leva a trabalhar pelas vocações com iniciativas diversas (a começar pelas indicadas nos temas acima mencionados); trata-se de levá-las a uma genuína caridade pastoral em resposta ao apelo que Jesus fez pelos operários da sua messe.

E assim, cada irmão e cada comunidade são chamados a cuidar com maior interioridade apos­tólica da sua atividade e dos projetos de proposta vocacional: “a orientação vocacional — com efeito — constitui o vértice e coroamento da nossa ação educativa pastoral. Ela não é, todavia, um momento terminal do caminho de fé, mas um elemento presente em toda a parte, qualificativo de cada área de intervenção e de cada etapa”.33

Se a oração salesiana desemboca na caridade pastoral, e se esta se traduz, pela força do Espírito Santo, em vida e ação, isto significará que a autenticidade da nossa oração pelas vocações se mede pela qualidade educativa e pastoral da nossa vida e das nossas atividades.

Sim. A oração pelas vocações exige confirmação de sua autenticidade no nosso testemunho quotidi­ano; por outra parte, a nossa atividade vocacional só será genuína e fecunda se de fato jorrar de uma oração viva, pessoal e comunitária, que a nutra continuamente com sua linfa.

Penso ser esta a medida para avaliar a since­ridade da nossa oração pelas vocações. Aplica-se a ela quanto afirma o apóstolo Tiago: “É de grande poder a oração assídua do justo. O profeta Elias era, como nós, um homem sujeito aos sofrimentos. Não obstante, orou fervorosamente para que não cho­vesse e, pelo espaço de três anos e seis meses, não choveu sobre a terra. Por fim, orou novamente e o céu fez cair a chuva e a terra produziu o seu fruto”.34

Sem oração não há pastoral vocacional fecunda. Mas a oração que desagua na caridade pastoral, animando os três polos da “pessoa”, da “comunidade” e da “presença ministerial”35 torna-se em­penho quotidiano de vida e ação.

É sintomática a afirmação de Dom Bosco de ter dado o nome de “Oratório” à sua obra para indicar claramente que a oração é a única força com que devemos contar: sua união com Deus foi transmitida na criação do Oratório!


A oração de Dom Bosco pelas vocações


Quando é que Dom Bosco rezava pelas voca­ções? Poder-se-ia responder a esta pergunta com a famosa afirmação de Pio XI, durante o processo de canonização do nosso Pai. À objeção “quando rezava?”, dada a enorme quantidade de compro­missos, respondeu o Papa: “e quando não rezava?”. Sim: a atividade vocacional de Dom Bosco é a medida da sua oração pelas vocações.

Seu segundo sucessor, o padre Paulo Albera, deixou-nos duas importantes cartas circulares sobre o nosso tema: uma do início do seu reitorado, em maio de 1911 “Sobre o espírito de piedade”; outra — quase ao termo do seu mandato — “Sobre as vocações”, na solenidade de Pentecostes de 15 de maio de 1921. Nela pode ver-se todo o coração de Dom Bosco sempre a orar pelas vocações: “Dir-se-ia — escreve o padre Albera — que Dom Bosco era uma oração contínua, ininterrupta união com Deus. Em qualquer momento que recorrêssemos a ele, parecia interromper seus colóquios com Deus para nos prestar ouvido, e que por Deus lhe eram inspirados os pensamentos e as palavras de anima­ção que nos dirigia”.36

É significativa a expressão “Dom Bosco era uma oração continua”. Deus ouve, por certo, com predileção a oração que se traduz em dom de si na existência e na atividade da vida; quem reza participa, assim, no mistério de Cristo, feito sacer­dote e hóstia no realismo concreto da sua existência humana. Em Dom Bosco não há separação entre oração e ação: uma e outra constituem as pulsações do seu coração; a fonte, porém, é a sua oração amadurecida em amor unitivo. Demonstra seu amor à Igreja dedicando-se constantemente, entre outras coisas, à procura e formação de vocações. Preparou dezenas delas todos os anos, atingindo um total de vários milhares.

O padre Albera, recordando o seu exemplo, escreve: “Deveríamos gloriar-nos de ser chamados ‘esmoleiros’ ou ‘buscadores de vocações’ entre os povos”.37

Dom Bosco viveu com os jovens criando um ambiente favorável às vocações; perscrutando-os um por um com a preocupação de uma promoção vocacional; invocou as luzes do Espírito Santo para discernir; dedicou horas incontáveis ao ministério do sacramento da Reconciliação, guiando espiritu­almente muitos jovens ao ideal da doação de si; entusiasmou-os pelo grande horizonte das missões e empenhou-os em iniciativas apostólicas concretas; mesmo nos seus famosos passeios outonais estava sempre atento a descobrir e animar vocações. Buscava-as sobretudo entre as famílias cristãs populares, portadoras de uma práxis quotidiana de fé. Deu importância ao clima de piedade, foi realista ao fazer evitar certos perigos do mundo e ao cultivar a pureza do coração: considerou a moralidade como verdadeira sementeira de vocações. Animou Do­mingos Sávio na fundação e desenvolvimento da Companhia da Imaculada. Orientou a prática do Sistema Preventivo para a pastoral vocacional. Sempre se empenhou, sem desanimar, com muita dedicação, convencido de que Deus proporciona as vocações às necessidades dos tempos. Como vimos, não foi nunca da opinião de afastar alguma vocação por causa da pobreza do candidato e da sua família. Procurou sempre os meios necessários para ajudá-la. Quando escrevia aos seus missionários — Cagliero, Lasagna, etc. — insistia com eles sobre a busca e cuidado das vocações.

Talvez a iniciativa que mais manifesta o seu dinamismo orante no trabalho pelas vocações é a “Obra de Maria Auxiliadora” em favor das deno­minadas vocações “tardias”. Uma obra posta sob os auspícios de nossa Senhora e expressão profética de uma criatividade pastoral que não granjeou facilmente a simpatia de todos, em particular de dom Gastaldi; uma vez, porém, conseguido o beneplácito do Papa e de vários Bispos, levou-a adiante com sacrifício, alcançando magníficos resul­tados.

Os jovens de idade madura foram centenas. Os “Filhos de Maria” — chamou-os assim — alegraram os seus últimos anos de vida. O padre Filipe Rinaldi, que tinha sido um dos primeiros e depois se tornara diretor deles, informava-o periodicamen­te sobre seus progressos.

Tal iniciativa tinha sido corajosa novidade na pastoral vocacional da época. Novidade de idade, novidade de procedência (“entre a enxada e o martelo”, dizia), novidade de cursos apropriados de estudo, novidade de estilo de formação. Foi um centro que se tornou fonte de ótimos sacerdotes e de legiões de missionários: “estes jovens adultos e bastante criteriosos — afirmava — assim que se tornarem padres, produzirão muito fruto”.38 A Obra tinha o respaldo de uma associação cujos membros se obrigavam a concorrer com ofertas e outros meios para as despesas dos candidatos.

Tudo isso faz pensar na concretude do amor de Dom Bosco à Igreja e na operosidade da sua caridade pastoral: “Nosso Senhor virá em nossa ajuda — repetia —, se nos esforçarmos muito pelas vocações”. Se na união com Deus, fonte da caridade pastoral, o empenho pessoal mais íntimo e fecundo é a oração, mister se faz reconhecer que o trabalho do nosso Pai em favor das vocações é a prova mais incontestável de que nele vibrava incessante uma especialíssima oração pelas voca­ções.


Intensificar a oração explícita


Há, sem dúvida, que recuperar hoje na Congre­gação maior intensidade e genuinidade da oração pelas vocações. A insistência sobre a característica salesiana de uma oração que leva à vida é indispen­sável e benéfica para a identidade do nosso carisma.

Suposta, porém, a consciência dessa identidade, deve-se levar em conta o estado de fervor e o nível de profundidade com que se está vivendo de fato o carisma nas comunidades.

Por que declaramos guerra, nestes anos, à superficialidade? Porque o Concílio nos lembra que a vida consagrada se ordena antes do mais a fazer com que seus membros sigam a Cristo e se unam a Deus e que, por isso, são chamados hoje a intensa renovação espiritual, à qual cabe o primeiro lugar também nas obras externas de apostolado.39

Não há talvez o perigo, para nós, de nos entrincheirarmos no trabalho e na ação, visando mais às atividades das mãos que à vitalidade do coração? “Êxtase da ação” e “desculpa da ação” não se identificam de forma nenhuma. A “desculpa da ação” pode ser uma armadilha deletéria; ela é uma caricatura do “êxtase da ação” descrito por são Francisco e vivido por Dom Bosco.

Hoje os tempos exigem uma volta mais explícita à oração. Observa-se um verdadeiro relançamento dela em toda a Igreja mesmo entre os jovens, como já assinalei. É uma oração que vibra em sintonia com o despertar da fé: ser crentes empenhados e não apenas fiéis habitudinários implica um diálogo mais explícito, mais intenso, mais frequente com Deus. Num clima de secularismo sente-se premente necessidade de meditação e aprofundamento da fé; não poucos entre os fiéis — mesmo jovens — são levados a ouvir melhor a Palavra de Deus e a dialogar mais profundamente com Deus. Os religi­osos, que são chamados a ser — como dizia Paulo VI — “especialistas da oração”, devem empenhar-se em crescer nesta sua peculiar competência: “a missão — com efeito — exige de todos os enviados que exerçam a consciência da caridade no diálogo da oração”.40 Com acerto deixou escrito o nosso beato Luís Versiglia, bispo e mártir: “o missionário que não está unido com Deus é um canal que se separa da fonte: se rezar muito, muito também fará”.

É preciso saber devolver qualidade e prioridade aos momentos explícitos de oração, cuidando das modalidades de renovação e iluminando opor­tunamente a sua importância. Constituem uma reserva vital para suscitar verdadeiro entusiasmo pelo pró­prio carisma e concorrem para fazer com que os irmãos se tornem proposta viva de Cristo aos jovens.

Justamente porque a nossa oração desagua em testemunho de vida e em ação apostólica, devemos fazer com que ela seja genuína, renovada, frequente e envolvente.

Todo irmão deve sentir-se interpelado diretamente porque, como vos dizia, “sem uma ‘pessoa’, não há oração!”.41

Mas o Inspetor e o Diretor são também convi­dados a assumir iniciativas adequadas; seu interes­se e suas intervenções podem conseguir um verdadeiro salto nesta tarefa tão vital.

O CG23 compromete o Inspetor numa verifica­ção concreta e pede-lhe que nomeie, dentro da equipe inspetorial de pastoral juvenil, um animador que oriente, coordene, promova e mantenha a necessária ligação com as iniciativas vocacionais.42 O Diretor, além disso, é chamado a orientar uma nova qualidade pastoral entre os seus irmãos, a fim de que se tornem animadores da comunidade educativa e da Família Salesiana, assegurem os diversos papéis de serviço, saibam fazer a pro­posta vocacional e acompanhem os mais empe­nhados; ele próprio recupere o papel de orientador dos jovens mediante o encontro pessoal e de grupo, e saiba envolvê-los em momentos fortes de oração.43


Confiemo-nos a Maria


Dom Bosco experimentou a eficácia materna de Maria na busca de vocações, no seu discernimento, no seu amadurecimento. Confiou-lhe a iniciativa original de criatividade pastoral pelas vocações “tardias” a que chamou “Obra de Maria Auxiliadora”. Culti­vou sempre uma extraordinária confiança na sua solicitude de intercessão especialmente nos tempos difíceis para as vocações.

Será preciso fazer reviver continuamente na Congregação o solene ato de entrega confiante feita pelo CG22, no qual confiamos a Ela também “a fecundidade vocacional”,44 na convicção de que com Ela podemos “empenhar-nos em grandes coisas” pelo bem da juventude. Com efeito, como dizem as Constituições: “Cremos que Maria está presente entre nós e continua a sua ‘missão de Mãe da Igreja e Auxiliadora dos Cristãos’“.45

Estamos mesmo convencidos de que Nossa Senhora, intimamente unida ao Espírito, é na história “mãe e educadora” das vocações.

Maria é definida pelo Papa “a pessoa humana que mais do que qualquer outra correspondeu à vocação de Deus”;46 nutriu e educou Jesus, que foi, podemos dizer, a “vocação-suprema”. Quando no templo de Jerusalém Maria reencontra o filho de doze anos e lhe demonstra o sofrimento de José e seu durante os três dias empregados na sua busca, ouve responder: “por que me procuráveis tanto? Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai?”.47 Podemos considerar esta resposta como a confidência do filho adolescente que manifesta aos pais a própria vocação. Quanto terá meditado Maria sobre a vocação de Jesus e também sobre a própria! Eu estava a considerar isso enquanto ouvia um hino mariano cantado com fervor por um grupo de jovens oratorianos: “Eu gostaria muito de falar contigo (Maria) do Filho que amavas: eu gostaria muito de ouvir de Ti o que pensavas quando ouviste que já não serias tua e este Filho que esperavas não seria para Ti...”.

A aceitação generosa e a realização plena da própria vocação tornaram Maria feliz (bem-aventurada!) no seu coração e fê-la protagonista na história da humanidade, mais importante e benéfica que tantos personagens poderosos e sábios.

Seu canto do Magnificat revela-nos a alegria pessoal e a importância histórica que traz consigo a vocação: é, com efeito, a realização de um projeto de Deus. Os projetos de Deus são expressões de amor para com a pessoa do chamado e empenhos de bem para a fraternidade e a salvação dos outros. Quando no “Pai nosso” rezamos “venha a nós o vosso Reino”, pedimos a Deus que sejamos colaboradores dos seus projetos, assim como Maria o foi em plenitude. Dela aprendemos a considerar a vocação como um verdadeiro tesouro que deve ser apreciado, proposto, defendido, que se deve fazer frutificar em todo jovem que se aproxima de nós.

Supliquemos a Maria que nos acompanhe como Mãe solicita especialmente na intensificação e qualificação da nossa oração pelas vocações, feita com os mesmos sentimentos do coração de Jesus Cristo seu filho.

Dom Bosco recorda-nos que, confiando-nos a Ela, podemos “realizar grandes coisas”.

Renovemos, queridos irmãos, a nossa oração pelos operários da messe. Ela nos ajudará a testemunhar todos os dias com alegria a nossa vocação.

1 ACG 339.

2 ACG 339.

3 ACG 338.

4 Cf. ACG 332.

5 1Cor 2,4-5.

6 1Cor 2,10.13.

7 Mt 9,35-38.

8 Lc 6,12.

9 MB 5,396-397.

10 Const. 2.

11 Cf. Const. 6 e 28.

12 Hb 4,12.

13 MB 5,367.

14 Cf. ACG 339.

15 CG23 139.

16 CG23 148.

17 CG23 155.

18 CG23 176.

19 Cf. ACG 338.

20 ACG 339.

21 Const. 90.

22 Const. 95.

23 Lettere circolari di D. Paolo Albera ai salesiani, Direzione Generale Opere Salesiane, Torino, 1965, p. 513.

24 ACG 338.

25 Cf. Const. 10.

26 Cf. ACG 332.

27 Cf. Pastores dabo vobis 21ss.

28 Ib., 24.

29 Ib., 23.

30 Ib., 22.

31 Cf. Const. 14.

32 Pastores dabo vobis 23.

33 CG23 247ss.

34 Tg 5,17-18.

35 Cf. ACG 338.

36 Lettere circolari di D. Paolo Albera ai salesiani, Direzione Generale Opere Salesiane, Torino, 1965, p. 37.

37 Ib., p. 498.

38 Cf. Annali, vol. I, p. 212.

39 Cf. Perfectae Caritatis 2a.

40 Mutuae Relationes 16.

41 ACG 338.

42 Cf. CG23 253.

43 Cf. CG23 218, 226, 232, 234, 243, 249.

44 Cf. comentário à Oração de Entrega, in ACG 322.

45 Const. 8.

46 Pastores dabo vobis 82.

47 Lc 2,49.

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