301-350|pt|344 - Educação da fé na Escola

Egídio Viganò



EDUCAÇÃO DA FÉ NA ESCOLA


Atos do Conselho Geral



Ano LXXIV – abril-junho, 1993



N. 344





Introdução - A “raiz oratoriana” da nossa escola - 0 atual compromisso escolar da Congregação - O problema da relação entre “educação” e “escola” - Crise de transição cultural - Tempos de pesquisa - A atual complexidade da instituição escolar - A escola católica renovada - O compromisso didático segundo a nova evangelização - O estilo salesiano - Mestres de espiritualidade juvenil.





Roma, Solenidade de São José,

19 de março de 1993



Queridos irmãos,



saúdo-os com afeto, também em nome do Con­selho Geral. Encerramos a última sessão plenária dia 5 de fevereiro passado. Iniciaram-se imediata­mente as visitas de animação. Presidi, poucos dias depois, a visita de conjunto das inspetorias italianas. Em seguida, pude entrar em contato com várias comunidades, sobretudo com as duas inspetorias do México, onde preguei um curso especial de Exercícios Espirituais aos diretores, no encerra­mento das celebrações centenárias da chegada dos primeiros cinco salesianos ao México.

Verifica-se em toda a parte um verdadeiro em­penho na aplicação das deliberações do CG23. Deus abençoa a Congregação também em situações delicadas, não só na vasta fronteira das missões, mas também nas presenças novas da Albânia, da Sibéria e de várias nações da ex-União Soviética.

Verdade é que as forças continuam contadas, sobretudo em certas regiões de escassa fecundidade vocacional, mas, vivendo a autenticidade dos con­selhos evangélicos e evitando o perigo do aburguesamento, Dom Bosco nos estimula e ajuda a não parar, deixando, quem sabe, o que já não constitui elemento de significatividade salesiana.

Entre os temas que vi constituírem matéria de competente reflexão em encontros e reuniões de revisão e de formulação de projetos está o da educação dos jovens na fé em nossas instituições escolares. É um argumento rico e desafiador. Não é algo simples nem pacífico, mas certamente vital para a renovação da Congregação.

Por isso é que julgo oportuno convidá-los a refletir sobre o tema da escola, considerando-o em alguns dos seus aspectos de maior empenho. É impossível, de fato, falar da missão e da obra salesiana sem que esse tema surja no centro do discurso. Ele constitui, por outro lado, de uma forma ou de outra, positiva ou negativamente, importante experiência educativa que deve ser valorizada.



A “raiz oratoriana” da nossa escola



Vi, no México, ao norte, em algumas cidades da fronteira com os Estados Unidos e, ao sul, na península de Yucatán um promissor relançamento do oratório salesiano nos subúrbios mais populares e de risco. Nessa singular experiência percebe-se logo que a presença oratoriana, rica de dinamismo, se torna quase necessariamente núcleo criativo de outras iniciativas, justamente diante das necessida­des concretas desses jovens. O oratório salesiano não é uma instituição já de todo definida, muito menos uma espécie de alternativa em confronto com outras estruturas, mas, antes, ele leva a uma procura das modalidades educativas mais úteis aos jovens necessitados. Entre estas emergem quase de súbito iniciativas escolares para o mundo do traba­lho ou para a formação civil e social. Pode-se dizer que o oratório (ou seja, a presença entre os jovens mais necessitados) se torna também a fonte de estruturas escolares, com estilo e espírito próprios.

Já o vimos em Dom Bosco. Desde os primeiros anos das suas atividades em Valdocco, inseriu cri­ativamente o componente escolar no seu apostolado juvenil, conservando nele as finalidades, o clima e os critérios oratorianos. Quando se lhe ofereceu a oportunidade, aceitou escolas já em funcionamento ou ele próprio abriu várias, guiado sempre pelo seu intento oratoriano inicial e pelo seu método carac­terístico de educar os jovens do povo para a vida social e eclesial.

Penso que se deve levar em consideração a “raiz oratoriana” e a característica popular das nossas escolas. Acertadamente nos lembram as Constitui­ções renovadas que a experiência do oratório de Dom Bosco em Valdocco “continua critério permanente de discernimento e renovação de cada (nossa) atividade e obra”.1 É um critério que parte da realidade juvenil e popular, procurando os meios mais adequados a uma educação integral sobretudo dos mais necessitados.

Na sua expansão pelo mundo, a Congregação foi-se inserindo no movimento de difusão popular da escola católica, seguindo os modelos correntes, melhorando-os e transformando-os com a sua iden­tidade específica e com as suas intuições pedagógi­cas. Nisto foi guiada pela convicção, corroborada pela práxis, de que a escola constitui um meio privilegiado de educação da juventude, um elemento válido de promoção popular e um ambiente de evangelização de particular eficácia.

Assim é que mais do que contrapor “oratório” e “escola” como duas instituições definidas e sepa­radas, para nós elas se atraem e iluminam mutua­mente, intercambiam critérios e modalidades, enriquecendo-se reciprocamente nas suas finalidades educativas e evangelizadoras, ao mesmo tempo que se caracterizam pela destinação de ambos aos jo­vens necessitados do povo.



O atual compromisso escolar da Congregação



Depois de mais de cem anos de vida, estamos a trabalhar, segundo os dados do último Capítulo Geral, em muitas centenas de instituições escolares, que compreendem simultaneamente escolas primárias (501), secundárias do primeiro grau ou médias (498), secundárias superiores (296), técnicas (89), faculda­des universitárias (34), escolas paroquiais (677) e centros de alfabetização (95).2 A estas devem somar-se as escolas profissionais (252) e agrícolas (53).3 Os salesianos empenhados em tempo integral são cerca de 4.300, e outros 1.800 em tempo parcial; contam também com mais de 35.000 colaboradores leigos, para educar 800.000 jovens.

Se contarmos ainda a intensa dedicação escolar das FMA, os números duplicam.

Nossa Família apresenta-se, pois, como um movimento de educadores solidamente empenha­dos também na área escolar. E os diversos confron­tos em nível de estatísticas religiosas fazem-no emergir com clareza.

Mas não se trata apenas de quantidade. Na Congregação sempre se deu particular atenção à escola a fim de garantir-lhe competência e qualifi­cação. No tempo em que sua validade era indiscu­tível, procurou-se tornar mais perfeita a organiza­ção, instaurar nela uma disciplina razoável, atingir plena eficiência didática, zelar por sua incidência educativa e do nível cultural. Em tempos domina­dos pela contestação, houve a preocupação de descobrir as causas da crise, de responder às novas exigências pedagógicas e pastorais, de reafirmar as vantagens da instituição escolar, conquanto não se lhes ignorassem os limites. Procurou-se, sobretudo, redefinir a identidade da escola salesiana animada com o espírito oratoriano do Sistema Preventivo.

Nesse caminho ininterrupto de reflexão e ori­entação, foram atingidas perspectivas diversas e complementares, que, juntas, ainda constituem uma síntese válida: o projeto educativo, a comu­nidade educadora, a animação pastoral, a adequa­ção ao lugar.

O CG21, que elaborou suas orientações à luz da Evangelii Nuntiandi e sob sua influência, visando exatamente à evangelização dos jovens, reafirmava a validade da presença salesiana na escola e resumia as suas qualidades com estas palavras: “A es­cola oferece possibilidades de encontro e de relaci­onamento pessoal com muitos jovens; dá oportuni­dade para formar com eles comunidades nas quais o empenho cultural é iluminado e permeado pela fé; a ação pastoral alcança também os pais e os colaboradores, encarnando a mensagem num pro­jeto temporal de promoção da pessoa. Permite afirmar, com os fatos, o direito a projetos alterna­tivos de educação em sociedades nas quais a hegemonia cultural ou o monopólio educativo limi­tam os direitos da família no tocante à educação dos filhos”.4



O problema da relação entre “educação” e “escola”



Preocupado com a educação dos jovens na fé, o CG23 sugere um balanço da relação que existe hoje entre “educação” e “escola”; não esconde as dificuldades existentes, que para serem superadas exigem uma renovação complexa e decidida. “No sistema educativo das nossas complexas sociedades, nota-se a preponderância da instrução e do dado científico sobre as intenções educativas e sobre a formação global da pessoa. Este fato cria uma dissociação entre sistema educativo e vida, entre ensino e formação global da pessoa, e torna difícil a elaboração de uma cultura pessoal”.5

Destarte foi-se criando, às vezes entre nós, uma verdadeira separação entre o programa escolar e as preocupações relativas à vida e ao sentido próprio da idade evolutiva.

Por outro lado, a presença simultânea de nume­rosas agências educativas visíveis ou não, quase em concorrência, relativizam a influência e o valor real da escola em referência às propostas verdadeira­mente educativas.

Entretanto, o CG23 reconhece que a escola ainda é o ambiente em que a educação da fé pode ser “inserida numa visão do mundo e da vida que o jovem constrói mediante o aprendizado das matérias e a elaboração de um projeto do próprio futuro”.6

Todavia, as vantagens oferecidas pelo ambiente escolar não são favas contadas. Devem ser intenci­onalmente visadas e atingidas numa situação real­mente inédita, na qual se entrelaçam fatores múl­tiplos. De aí o convite a repensar, com vistas à educação da fé, o conteúdo e o enfoque das diversas disciplinas, a visão cultural subjacente, a estrutura e o estilo da comunidade, os programas explícitos de ensino religioso, a experiência do compromisso cristão.7

Por outra parte, nunca faltaram nos períodos anteriores desejos e propostas de renovação neste sentido.

Provam-no, além dos Capítulos Gerais do pós-concílio, os “Elementos e Linhas do Projeto edu­cativo para as escolas salesianas”, oferecidos às inspetorias pelo dicastério competente, o desenvol­vimento teórico e prático da comunidade educativa e da formação dos colaboradores, o tema da evan­gelização na escola que produziu notáveis transfor­mações de critérios e métodos, muito embora te­nham surgido posteriormente sérias dificuldades de compreensão.

Houve momentos de aprofundamento desses aspectos em diversos encontros regionais (por exem­plo na Itália,8 na Espanha, na América Latina-Pacífico). Para a formação de agentes, o Dicastério da Pastoral Juvenil promoveu, em colaboração com a nossa Faculdade de Ciências da Educação, um curso em cada um dos últimos sexênios. Se a isso se acrescentar a sempre recomendada presença na equipe de pastoral de um encarregado da dimensão educativa e ainda todo o material produzido pelos irmãos por ocasião de dias de estudo, ver-se-á que nos movemos sempre com fidelidade a Dom Bosco.

O resultado foi a afirmação didática e cultural de não poucas escolas nossas, mesmo em ambientes muito exigentes, com o apreço e o constante pedido das nossas escolas por parte das famílias.

Se é verdade que a realidade juvenil sugeriu a abertura de novos campos de atuação, reduzindo desse modo a percentagem do empenho escolar na ação global da Congregação, seria errado interpretar este fato como um início de abandono ou de desinteresse da escola. No caso nunca faltaram estímulos e orientações do Magistério da Igreja e do centro da Congregação. Por motivos explicáveis, talvez tenha faltado a reação em nível local onde as diretrizes deveriam encontrar aplicação.

No campo escolar não estamos perdidos no caminho nem atrasados, mas, de qualquer maneira, sentimos que devemos enfrentar uma realidade que estava e está em movimento sob muitos aspectos, como demonstram a complexidade crescente, o aumento dos colaboradores leigos, as novas exigên­cias didáticas, uma preocupação de nova evangeli­zação ante as possibilidades de educar na fé, o contato com a sociedade e a região, a exigência de requalificação por parte dos irmãos.

Entre os subsídios mais autorizados que nos devem inspirar podemos lembrar a Declaração conciliar Gravissimum Educationis, a carta A Escola católica, da Congregação vaticana para a Educação (março de 1977) e O Leigo católico, testemunha da fé na escola (1982) da mesma Congregação, La Scuola cattolica, oggi, in Italia, da Conferência Episcopal Italiana (1983) com o subsídio Fare pastorale della scuola oggi (1990). A dimensão religiosa da educação na escola, da Congregação da Educação católica (1988), vários discursos do Santo Padre, diversas manifestações das Igrejas locais e o documento do CG21: A Escola como ambiente de evangelização.9







Crise de transição cultural



A realidade humana está de verdade em movi­mento, e de forma acelerada. No clima cultural do nosso tempo registram-se mudanças radicais que fazem pensar no início de nova época histórica em nível planetário. Alguém fala de uma como revolu­ção cultural do mundo.

Várias as “res novae” que emergem na socieda­de. Onde a aceleração é mais intensa, fala-se já de passagem da “modernidade” à “pós-modernidade”,10 ou seja, de um tipo de cultura apoiada na convicção do progresso infinito e centrada na capa­cidade da razão humana sem espaço para a transcendência (e por isso criadora de agnosticismo e de ideologias totalizantes) a outro tipo de cultura conhecida como “baixa”, radicalmente cética, aber­ta a uma eventual transcendência qualquer, mas de forma relativista (como a religião proposta por New Age), que se caracteriza mais pela queda das falsas certezas que pela contribuição de verdadeiros argu­mentos de esperança.

Sem entrar no mérito das opiniões sobre “mo­derno” e “pós-moderno”, há que constatar, sem mais razão, a intensificação de um clima de subjetivismo, de relativismo, de pluralismo, de modas novas que propõem diversos “pós”, chegando a considerar a própria fé como ultrapassada, colocando-a num “pós-cristianismo” no qual a missão da Igreja se mostraria obsoleta.

De outro ponto de vista, porém, essa evolução oferece também possibilidades interessantes. De fato, a queda das ideologias e dos mitos sociopolíticos elevados à condição de religiões seculares faz constatar aos poucos, e sempre num crescendo, que a fé cristã vem a ser, de modo definitivo, o único ponto de referência estável e promissor, que ilumina, defende e promove perspectivas de verdadeiro humanismo, rico de significados e objetivos que dão um sentido à vida e à história e movem os corações à esperança. A recente publicação do Catecismo da Igreja Católica pode ser considerada como um sinal histórico que aponta o verdadeiro ponto de referência para o futuro. Pode-se pensar que tenha soado a hora de um novo empenho de inculturação do Evangelho: “uma hora — como escreveu João Paulo II — magnífica e dra­mática da história humana”.11

Surgem as condições culturais para nos lançarmos com inteligência pedagógica à nova evange­lização, com a possibilidade de finalmente sanar o pernicioso divórcio entre Evangelho e cultura: por­que a crise traz consigo a exigência de cuidar das próprias raízes da cultura emergente.

O Santo Padre insiste muitas vezes no tema que lhe é tão congenial: “Embora o Evangelho não se identifique com nenhuma cultura em particular, deve inspirá-las para, desta maneira, transformá-las a partir de dentro, enriquecendo-as com os valores cristãos que derivam da fé. Na verdade, a evange­lização das culturas representa a forma mais profun­da e global de evangelizar uma sociedade”.12

A ausência dos valores cristãos, fundamentais na cultura moderna, não apenas tem ofuscado a dimensão transcendente, mas é ainda causa determinante do desencanto social, no qual se ge­rou a crise desta cultura. Um dos desafios à evan­gelização é intensificar o diálogo entre as ciências e a fé, para criar um verdadeiro humanismo cristão”.13

Isso tudo nos leva a refletir de outra maneira sobre a natureza e missão da nossa escola. Não poucas escolas católicas ficaram, talvez, deslumbra­das diante das novidades culturais, sem encontrar logo a maneira de sugerir uma resposta adequada aos urgentes desafios.

A inserção numa cultura tão agitada e pluralista propõe, de fato, aos jovens, sem pronunciar juízos de valor, visões diversas quanto ao sentido da vida e seu enfoque ético e religioso. Por isso, ao passo que para a solução dos problemas práticos se ofe­recem dados objetivos e partilhados, no que diz respeito aos problemas vitais a situação continua fortemente marcada pela subjetividade.

Isso repercute particularmente na educação re­ligiosa, entendida no seu sentido elementar de res­posta às interrogações da existência e mais ainda na educação cristã no seu multíplice aspecto de conhe­cimento da revelação, de experiência de uma vida empenhada e de visão global da realidade.

Muitos fatores concorrem para agravar este fe­nômeno. Um deles é por certo a desigualdade da instrução religiosa diante da totalidade das informa­ções e mensagens que os jovens recebem. Assim sendo, os conhecimentos da fé permanecem vagos, imprecisos, incompletos, confusos. Outro é a inter­rupção — nos países cristãos — do processo catequético no período da adolescência, quando afloram os problemas do sentido, da ética, da cultura, da sociedade. Na realidade, o último programa siste­mático de formação cristã é muitas vezes o da preparação para a crisma.

Mais ainda influi o que o CG23 aponta como a progressiva irrelevância da fé na cultura e na vida à proporção que crescem na pessoa os conhecimen­tos e as dimensões da existência. “No mundo do bem-estar — escreve o CG23 —, e por revérbero também em outros contextos, o valor religioso foi posto à margem dos componentes da nova socieda­de e dos aspectos que se reputam essenciais à vida social. Para os jovens, especialmente para os que vivem nesse clima, o questionamento de Deus não é relevante, e a linguagem religiosa (salvação, pe­cado, fé, futuro) esvaziou-se do seu significado... A proposta religiosa já não encontra espaço cultural para se expressar de forma compreensível. E o aspecto dramático do, por outro lado, legítimo processo de secularização”.14 Tudo isso se revela imediatamente a um observador atento; mas repre­senta apenas um setor dos aspectos problemáticos.

Afortunadamente, porém, afloram também ten­dências positivas, ainda em estado germinal, talvez. São os valores e exigências que dizem respeito à pessoa, considerada como sujeito determinante em todos os processos educativos e sociais. Tais valores e exigências aconselham a percorrer os itinerários da busca de sentido para levar à descoberta do mistério que a vida humana traz dentro de si. Sugerem, outrossim, que se mire à forma­ção da pessoa, ativando particularmente os dina­mismos que favorecem o desejo e a capacidade de um crescimento contínuo durante todo o decurso da vida. Positivo e estimulante é também o novo cenário da mundialidade, que se expressa na soli­dariedade com os vizinhos e os distantes, no respei­to dos direitos naturais e civis de cada um.

Disso tudo falamos na circular sobre a nova educação.15 O nosso CG23 afirma; “Muitos jovens apelam para novos valores, capazes de regenerar as relações interpessoais e de oferecer uma estrutura social mais rica. Na vida dos jovens manifestam-se algumas insistências: a centralidade da pessoa, prin­cípio, sujeito e fim de todas as instituições sociais; a descoberta do valor da dignidade igual e da reciprocidade homem-mulher: um modo novo de construir relações, baseadas na liberdade interior e na justiça social; um conjunto de valores ligados à diversidade (por exemplo, a tolerância, o ecumenismo, o respeito ao diferente) e à solidari­edade (a nova visão da paz e do desenvolvimento, a totalidade e a globalidade do crescimento); uma renovada atenção às realidades culturais e religiosas, para além dos aspectos de pura técnica; uma
marcante sensibilidade aos grandes problemas do mundo...; uma significativa redescoberta do ambiente e da
necessidade de sua salvaguarda”.16

Nem todos os valores proclamados e desejados pelos jovens chegam a transformar-se em convic­ções, atitudes e comportamentos permanentes ca­pazes também de gerar decisões duráveis e opções de vida. Existe, na realidade, certo rompimento entre proclamações partilhadas e cultura vivida, entre normas e critérios aceitos e aspirações subjetivas, entre objetivos sociais e projetos pessoais.

Esta situação de desorientação (pelo fascínio de tantas novidades) fez também perder, de fato, a credibilidade de algumas escolas católicas.



Tempos de procura



A mudança epocal em que vivemos nos leva, pois, a metas culturais que se devem preparar. O Concílio Vaticano II foi graça imensa do Espírito do Senhor para guiar a Igreja numa hora tão complexa e fecunda.

Os defeitos e carências da atividade escolar pré-conciliar provocaram nos agentes escolares uma justificada preocupação de buscar novas modalida­des de presenças apostólicas que, muitas vezes e de fato, levaram a descuidar ou reduzir a função educativa de uma escola católica renovada.

Pastores houve totalmente privados de sensibi­lidade nesta questão, não obstante as explícitas orientações do magistério. Vários Institutos de vida consagrada abandonaram suas obras escolares como se fossem um resíduo de tempos superados.

Passaram, porém, os anos e vai emergindo cada vez mais claramente uma crítica explícita a tais atitudes. Vimo-lo na 4ª Conferência do Episcopa­do Latino-americano em Santo Domingo17 e tam­bém em afirmações de outras Conferências epis­copais. O secretário da Conferência Episcopal Italiana, por exemplo, Dom Dionigi Tettamanzi, afirmou com franqueza num encontro com os provinciais da Itália (novembro de 1992): “Cabe aos religiosos (ao menos de não poucos!) o mérito de acreditar na Escola católica, mesmo em anos de generalizada desatenção eclesial e por vezes de verdadeira incompreensão deste serviço específico à educação”.18 Já a carta da Congregação para a Educação Católica, de 15 anos atrás, exortava a não se deixar desviar pelo apelo sedutor de atividades apostólicas muitas vezes só na aparência mais eficazes.19

Sabemos que a nova evangelização é por si mesma inseparável da promoção humana e da cultura cristã;20 os dois aspectos, “promoção” e “cultura”, constituem, com efeito, uma sua dimensão privilegiada. Para evangelizar a juventude, que se encontra na idade evolutiva, é preciso saber agir a partir do seu crescimento humano e do seu amadurecimento cultural. Acertadamente, o episco­pado latino-americano em Santo Domingo consi­derou a educação católica como “mediação metodológica para a evangelização da cultura”.21

Ora, posto que seja verdade que a educação ocupa um espaço muito mais vasto que o da escola, esta deve ser considerada — se quiser ser verdadei­ramente tal — exatamente como uma instituição das mais influentes no próprio campo da educação integral. Ela é chamada pela própria natureza a promover o amadurecimento da pessoa, desenvolvendo a partir de dentro da sua evolução os hori­zontes do sentido da vida, cuidando de não a fechar numa programação redutiva de simples instrução científico-técnica: ela deve ser lugar de humanização com uma válida concepção da existência humana, com uma escala de valores e com uma visão global do homem, da sua história e do mundo. Somente um racionalismo abstrato pode fazer pensar numa escola dita “neutra” ou asséptica, que não se acha a serviço de uma cultura, mas de informações descompromissadas, sob o signo de um vago relativismo agnóstico.

Ora, toda cultura reporta-se a um humanismo e, no atual pluralismo da sociedade, o humanismo cristão — como já insinuamos — apresenta uma profunda originalidade e uma retomada crescente da sua valência social na busca do bem comum.

A escola católica não representa em absoluto uma obra de suplência. Ela é uma contribuição original e preciosa para a vida da sociedade civil, antes um verdadeiro direito dos homens. A liberdade que deveria caracterizar o Estado democrático exige que a cultura seja determinada pelos próprios cidadãos segundo as suas competências e convicções e não apenas pela autoridade pública, cuja função é promover e proteger, nunca monopolizar. A função do Estado é subsidiária, e se “arroga a si o monopólio escolar, vai além de seus direitos e ofende a justiça”.22



A hodierna complexidade da instituição escolar



Como dizíamos, a escola pertence ao âmbito da cultura, participa de sua autonomia segundo as exigências daquela “laicidade” que é ínsita à ordem temporal — assim como quis o próprio Cristo enquanto Verbo criador — à sua consistência e finalidades.

Essa “laicidade” institucional é própria de toda escola enquanto tal. Não se opõe à inspiração cristã que qualifica a posição da escola católica, porque a fé não põe nenhuma limitação ou condicionamento à natureza e missão da ordem temporal e, pois, da escola; antes purifica e estimula as suas finalidades, defendendo-a das tentativas de manipulações ideoló­gicas de vários gêneros. Enquanto “escola” ela se destina à promoção humana com a perspectiva de educar a pessoa para o bem da sociedade civil.

As exigências da natureza e missão cultural da escola são hoje multíplices e vão crescendo em todas as sociedades.

Nasceu, assim, para a escola uma complexidade em movimento. Ela se manifesta em primeiro lugar na ordem da docência na qual a informação cien­tifica exige sempre reestruturação de programas e disciplinas, uma nova articulação deles e correspondentes novidades nos métodos e instrumentos didáticos.

Há também as exigências de coordenação dos diversos componentes da entidade-escola, as res­ponsabilidades didáticas e disciplinares, o funciona­mento dos vários conselhos, a inserção dos pais, o relacionamento com o pessoal auxiliar, a atualização do prédio com a adequação a novas normas legais e, particularmente incisivo, o problema da manutenção econômica.

A complexidade também está no esforço de proporcionar uma verdadeira educação, o que exige convergência de visão que dê forma a uma atividade suficientemente coordenada e capaz de exprimir um empenho cultural comum.

Todos esses aspectos se enunciam rapidamente. Seu funcionamento pedagógico, porém, implica programações pacientes, realizações metódicas, convergências laboriosas e reequilíbrios contínuos. Caso não haja esse esforço de coordenação, a instituição escolar corre o perigo de não ser verdadeira escola de vida; é vista mais como “tempo de obri­gação” para armazenar dados e ter certa competên­cia funcional; torna-se antipática aos alunos, induzindo-os a ocupar alhures o seu “tempo livre”.

É preciso acrescentar, porém, que se houver um esforço de organicidade, a complexidade significará também riqueza, porque fará convergir a indispen­sável pluralidade de funções, as exigências didáticas e os aspectos educativos numa integração harmô­nica que, sem suprimir as naturais tensões entre polos diferentes, orienta-lhes as energias para mais eficaz capacidade de crescimento cultural.

A complexidade inerente à atual evolução his­tórica leva a refletir na seriedade e urgência de novas exigências da escola hoje, que importam a capacidade de adquirir e desenvolver um autêntico profissionalismo educativo não apenas geral, mas também especializado. Com efeito, a gestão da estrutura global, o nível didático, a animação da comunidade educativa, a proposta cultural, o diá­logo entre a informação científico-técnica e a significatividade dos valores exigem uma base de conhecimentos sistemáticos e de práticas pedagógi­cas acompanhadas de contínua atualização.

As ciências da educação desenvolveram-se em muitas direções e exigem perfis especializados. Urge superar a tendência a considerar o aspecto do ensino como puramente técnico, com finalidades mais funcionais do que educativas. Ao contrário, uma reflexão mais profunda sobre o aspecto educativo do momento didático faz emergir e recu­perar os valores intrínsecos ao processo de apren­dizado enquanto educa a mente para justamente formular perguntas, elaborar com retidão os dados, aplicar e exercitar a inteligência, elucidar não só as relações entre os dados empíricos, mas também descobrir o sentido da totalidade.

Mas se o ensino-aprendizado já como exercício contém valores educativos, o patrimônio cultural com o qual a escola estabelece contato oferece ainda mais elementos de crescimento. Em tal sentido foram su­blinhados os horizontes que as diversas áreas do saber abrem sobre a realidade humana e sobre a matéria, e as atitudes de mente e de alma que criam.

Se o conjunto dos conteúdos e dos métodos for convenientemente colocado, deveria amadurecer nos jovens uma mentalidade humanista, que leva a colocar a pessoa acima das coisas; uma cultura de dimensão ética, isto é, que torna habitual o cotejo com a consciência e com os valores objetivos; uma cultura solidária, que concebe o progresso como uma partilha de bens por parte de todos e não proclama como princípio a corrida à afirmação individual; uma cultura do sentido, aberta ao trans­cendente, capaz de acolher as interrogações da existência e procurar respostas.

Isso tudo só se torna possível quando a reflexão primeira e fundamental da qual procedem os obje­tivos educativos foi feita justamente sobre a cultura que a escola comunica com todos os seus elemen­tos, particularmente com o ensino. O problema central da escola é, pois, o seu enfoque cultural, o que quer dizer seu reflexo integral sobre o homem, com vistas à sua formação para a paz, a solida­riedade, os direitos humanos, a ecologia, a melhoria da sociedade e do mundo.23



A escola católica renovada



Que características deve apresentar hoje uma escola renovada com o qualificativo de “católica”?

Podemos dizer que nestes decênios pós-conciliares a escola católica submeteu-se a um profundo repensamento. A nova evangelização da cultura evidencia o tom do humanismo cristão que a deve distinguir e que a escola traduz num projeto educativo próprio.

O projeto exige que ela seja, antes do mais, autenticamente “escola”, isto é, que se concentre na educação mediante a comunicação e elaboração do saber; e o faz com o sentido de uma justa “laicidade”, sem concessões a interpretações laicistas nem instrumentalizações ideológicas. Ela de fato conhe­ce, respeita e promove a transmissão da cultura como precioso serviço à sociedade civil.

Se não for verdadeira “escola”, não poderá ser genuinamente “católica”.

Mas se for verdadeira escola, e muitas vezes mais escola que muitas outras, convém lembrar logo o direito que ela tem de paridade (ou igualdade) social com as demais escolas, de modo particular no que se refere aos aspectos financeiros: “O Estado não pode, sem cometer uma injustiça, contentar-se de tolerar as escolas particulares. Elas prestam um serviço público e, por conseguinte, têm o direito de ser ajudadas economicamente”.24

Trata-se de uma consideração genuinamente demo­crática que é mister fazer emergir por toda a parte no âmbito social e político. Os católicos são cida­dãos como todos os outros; eles constituem, juntos, a Igreja de Cristo, que não é alternativa nem “parte” separada de nenhuma sociedade civil; é, antes, um fermento de promoção e de libertação para purificar e revigorar seus valores humanos.

Evidentemente, existem vários defeitos e atrasos que hoje se devem reparar, assumindo e testemu­nhando com clareza a virada eclesiológica do Vaticano II. A Igreja, servidora da humanidade, considera a escola católica como um dos meios mais idôneos e conformes à sua ação no mundo como “sacramento de salvação”; é um meio que se deve privilegiar com o máximo empenho, um incompa­rável serviço que se deve cuidar “como a menina dos Olhos”.25

Ela constitui um ambiente privilegiado de nova evangelização justamente porque estreitamente li­gada à cultura.

O Concílio Vaticano II afirmou explicitamente: “Não menos que as demais escolas, visa ela (a escola católica) os fins culturais e a formação humana dos jovens. É, porém, característica sua criar uma atmosfera de comunidade escolar animada pelo espírito evangélico da liberdade e da caridade, auxiliar os adolescentes a que no desdobramento da personalidade também cresçam segundo a nova criatura que se tornaram pelo batismo. Visa ainda orientar toda a cultura humana para a mensagem da salvação, a ponto de iluminar-se pela fé o conhecimento que os alunos gradativamente adquirem do mundo, da vida e do homem”.26

A escola católica privilegia, pois, no âmbito escolar, o aspecto educativo em íntima relação com a cultura, sobretudo numa hora de crise como a atual, a fim de superar tanto os reducionismos antropocêntricos da modernidade como o subjetivismo e o relativismo da baixa cultura.

Na sua complexidade institucional a escola ca­tólica busca constantemente a organicidade dos vários componentes e uma dimensão comunitária fundamental. A insistência do Vaticano II na eclesiologia de comunhão implica uma virada de­cisiva na estruturação da escola católica, que deve cada vez mais transformar-se e funcionar como “comunidade educativa”. Ela quer ser servidora da sociedade civil justamente enquanto sujeito comu­nitário eclesial.

Como tal ostenta um significado e difunde uma mensagem mesmo quando inserida num ambiente de maioria não cristã e seus destinatários professam outra religião.

Mas nos contextos de tradição católica é chama­da a tornar-se também uma espécie de “comunida­de cristã de base”, na qual se elabora uma válida síntese entre Evangelho e cultura mediante o teste­munho de uma síntese entre fé e vida, sobretudo por parte do conjunto dos educadores.

E isso leva à inserção da escola católica no tecido vivo da Igreja local. Não, pois, um castelo indepen­dente, mas um lugar privilegiado de partilha e colaboração na área mais vasta de uma pastoral juvenil mais orgânica: um “centro de comunhão e participação”, como diz para nós o CG23. Pode-se dizer que a escola católica deveria contribuir para levar a sociedade civil a maior democracia e a comunidade cristã a maior eclesialidade.

Dessa maneira a escola católica aperfeiçoa o seu ser de verdadeira escola com a inspiração cristã de cada um e da comunidade educativa; preocupa-se com a transmissão cultural do saber à luz da reve­lação de Cristo; e considera seu empenho institucional contribuir para o bem seja da socieda­de civil seja da Igreja enquanto servidora do homem.

Como expressão qualificada de nova evangeliza­ção, a escola católica esforça-se por saber comunicar os princípios evangélicos a partir dos valores cultu­rais, unificando e harmonizando as verdades que fluem tanto do mistério da criação como da reden­ção; ou seja, de Cristo autor do mundo na sua “laicidade” e d’Ele como libertador e recapitulador de tudo na plenitude escatológica da Páscoa.

Outro aspecto característico da escola católica é o de envolver os fiéis leigos nas várias atividades educativas. O relançamento da vocação e missão do fiel leigo na Igreja adquiriu hoje particular incisividade nesta renovação. Não é fácil saber formar uma “comunidade educativa” harmônica e atuante; a meta é fazer com que se torne “sujeito eclesial” por meio de continuas iniciativas que se devem inventar e cuidar.

Problema de fundo da educação cristã é o da autenticidade do comportamento dos sujeitos edu­cadores, individualmente como pessoas e, de modo especial, enquanto comunidade. A síntese entre cultura e Evangelho é mediada pela síntese entre fé e vida nos educadores e por um clima de transcendência de fé na visão do mundo, da história e da conduta ambiental. As opções de significatividade da existência, as propostas de vida cristã, a animação evangélica do ambiente educativo le­vando em consideração os atuais condicionamentos culturais, a consciência de identidade na situação de pluralismo unida à capacidade de diálogo, são todas elas aspectos inerentes à comunidade educativa na escola, para que seja e opere de fato como sujeito eclesial chamado a viver e construir um clima de atraente espiritualidade pedagógica, que harmoni­ze, de forma simultânea de síntese vivida, o papel tanto de comunidade eclesial como de sujeito civil.

Cabe aos educadores preencher com os valores da educação o projeto didático da escola, incorporando-o a um conjunto de atividades educativas mais amplas e complementares. A coordenação entre as várias contribuições educativas é obra de uma co­munidade à procura de uma qualidade global de educação cristã no conjunto das atividades.

Emerge desta reflexão a necessidade de uma intensa renovação da dimensão comunitária centrada na missão educativa.

É necessário que os educadores da escola se tornem um sujeito educador muito capaz, que saiba interpretar e transmitir a riqueza cultural de cada povo com a ótica iluminante da fé cristã, fazendo referência à fonte das energias pascais.

A escola católica apresenta-se hoje mais como tarefa por realizar do que uma instituição já estruturada e aprovada: sem ser alternativa à públi­ca, apresenta-se como aperfeiçoamento do serviço escolar enquanto tal numa hora promissora e difícil da história.

Além desse empenho característico do estilo cristão de comunhão, ela deve preocupar-se com um profundo repensamento da sua específica docência escolar.



A atividade didática segundo a nova evangelização



Vale a pena refletir um pouco no delicado aspec­to da atividade didática na escola católica. Para bem entender-lhe as perspectivas é preciso considerar a cultura enquanto dado humano concreto, situado no tempo e no espaço. Toda cultura, da mesma maneira que o homem que a cria, é imensa no devir histórico, e é constitutivamente impregnada de fa­tos, progressos, desvios e retomadas que influem objetivamente em sua própria natureza.

Caso não se tenha na devida conta essa “historicidade” (ou seja, o que as pessoas e os eventos foram inoculando na “natureza” do homem), limitar-nos-íamos à procura da objetividade, atraiçoando as finalidades da própria ciência, à qual devia ajudar a ler com integridade o real.

Jamais existiu a assim chamada “natureza pura” do homem; ela esteve sempre sujeita a muitos condicionamentos da existência. Assim, por exem­plo, a atual perda de sentido do pecado, que influiu e influi em toda a vida humana (e por isso, nas culturas), a prescindência do evento-Cristo, que coloca a existência humana e suas culturas em situação escatológica (ou seja, em necessária refe­rência ao único verdadeiro “Homem novo”), pri­vam a pesquisa científica e a docência escolar do conhecimento de indispensáveis dados objetivos para a integralidade da educação. É da transcendência escatológica de Cristo que a racionalidade humana em geral, bem como a racionalidade específica de cada disciplina, recebe uma luz de maior objetividade.

Não é algo indiferente para a realidade cultural e para a educação escolar não levar em consideração tais aspectos da existência no tempo. A dimensão da historicidade nas suas várias contribuições é objetivamente inerente, e com grande incisividade, a toda a realidade cultural.

O caminho a conhecer e percorrer não é o do homem abstrato e anônimo, mas o do homem concreto, situado na história. Por outro lado, a “cultura” não se identifica com a “natureza”, ainda que a ela fundamentalmente se reporte. A história tem muito que dizer da realidade humana.

A “história” entende-se aqui não tanto como uma disciplina escolar entre outras, mas como “critério de objetividade” na consideração de todas as disciplinas, a fim de que não sejam desenvolvidas e ensinadas com uma espécie de ingenuidade própria de um paraíso terrestre. Não basta aprofundar a “natureza” do homem e elaborar utopicamente seus valores; é preciso con­siderar também o seu caminho nos séculos e seus itinerários pessoais. E a fé cristã, mesmo que olhe o real a partir de uma ótica não especificamente cien­tífica, mas de um nível peculiar mais elevado, volta-se toda para a história do homem de maneira atenta e global, com plena e harmônica confiança em relação à razão humana. E assim, tanto do ponto de vista científico como do da fé, é preciso reconhecer que a objetividade do real humano, como também de todo o âmbito da criação, traz consigo ainda muito por descobrir.

Ora, se retomamos o discurso sobre modalida­des do ensino na escola católica, deve-se dizer — como observação prévia — que o trabalho didático não se refere propriamente tanto ao campo cientí­fico da pesquisa para fazer progredir cada uma das ciências quanto sobretudo ao trabalho educativo para fazer crescer a pessoa mediante um conheci­mento o mais completo possível da realidade.

O professor, pois, deverá saber usar o seu profissionalismo científico e sua fé cristã em pers­pectiva pedagógica, harmonizando razão e fé no interior da própria disciplina. Justamente aqui é que já se dá um passo caracterizante na evangelização da cultura.

É tarefa e arte do educador que ensina pensar nos conteúdos da sua docência a partir do ponto de vista da educação integral, para colocá-la a serviço do crescimento da pessoa. Seu ensino não pode ser apenas instrução de ciência, mas promoção da educação na própria disciplina.

Assim, especialmente para as disciplinas humanistas (filosofia, literatura, história, psicologia, sociologia, etc.), a qualificação de “escolar” não é asséptica e alheia aos conhecimentos da fé, não significa somente o lugar e o nível de transmissão de tais disciplinas, mas implica uma dimensão es­pecífica e diferente do ensino laicista falsamente considerado neutro); é uma qualidade original que não se coloca em contraste com a competência e seriedade científica que evidentemente assume, mas está a favor de uma objetividade integral que deve ser transmitida.

E também por isso se compreende por que a escola católica não tem simplesmente uma função de suplência, mas ostenta uma feição específica que a caracteriza e empenha hoje num serviço exigente, cobrado pela nova evangelização, na convicção de possuir pontos de vista indispensáveis para propor no amadurecimento cultural.

Dever-se-ia acrescentar aqui a importância capi­tal que deve assumir o ensino da religião na escola católica; é um tema vital que se deve harmonizar com as demais matérias e cuidar com peculiar competência.27

Depois dessa visão da escola católica renovada, mister se faz reconhecer que, à proporção que mais avançamos nestas reflexões, vai aflorando espontâ­neo em nós um juízo crítico sobre o estado concreto de “catolicidade” nas nossas escolas atuais. Tal juízo se faz sobre o testemunho evangélico da co­munidade educativa, sobre o especificamente cris­tão com que repensar a transmissão de cada uma das matérias (com suas perspectivas de sentido e abertura ao transcendente com metodologias e espaços apropriados), e ainda sobre as iniciativas de comunhão eclesial que lhe devem completar a fisionomia.

E a conclusão é: arregaçar as mangas!



O estilo salesiano



É dentro do modelo global de escola católica, acima sucintamente descrito, que se delineia a fisionomia salesiana nas nossas presenças escolares. O CG23 nos diz, antes de tudo, que a comunidade dos irmãos é chamada a constituir-se em núcleo animador, capaz de envolver na mesma tarefa os colaboradores mais conscientes e de orientar toda a comunidade educativa para os objetivos escolhi­dos. Trata-se de um empenho de crescimento de comunhão que implica uma mentalidade nova com uma forma de gestão assumida solidariamente por todos.

Além dessa dimensão comunitária deve-se lem­brar, de modo particular, o “critério oratoriano”,28 que também é, como vimos, a raiz histórica da existência das nossas escolas com destinatários pri­vilegiados, com opção popular, com um peculiar espírito de família, com uma clara orientação para o amadurecimento da fé, com criatividade educativa e iniciativas que ultrapassam o horário escolar.

Quanto à natureza, finalidades, métodos e resul­tados que se aguardam da animação salesiana, convém destacar que no ambiente escolar a nossa obra animadora propõe-se manter claras a identi­dade e as finalidades específicas da escola, mediante o projeto de agregar a comunidade educativa for­mada por colaboradores, pais, alunos e mantenedores, e de expressar um estilo educativo característico.

Isso tudo coloca em primeiro plano, como co­ração da animação, a função formativa. Trata-se de fazer com que a comunidade educativa se torne um autêntico sujeito eclesial, dentro do qual todos são envolvidos num processo de crescimento; realiza-se destarte a maternidade educativa da Igreja e serve-se de todo o seu patrimônio pedagógico e de graça.

A formação se desenvolve em quatro dimensões:

a “cultural”, que ajuda a avaliar os eventos e as correntes de pensamento do nosso tempo que mais influem no homem;

a “profissional”, que reforça a capacidade de enfrentar juntos os problemas juvenis específicos da escola e outros;

a “cristã”, que leva a maior consciência do significado e exigências de ser crentes, a um sempre mais completo e profundo conhecimen­to do mistério do Homem novo e a uma autên­tica experiência de fé;

a “salesiana”, que repropõe e aprofunda conti­nuamente o quadro de referência teórico e prá­tico do Sistema Preventivo.

A animação constitui o verdadeiro salto de qua­lidade na atual renovação escolar. Ela importa um deslocamento de acento no serviço que a nossa consagração apostólica deve prestar. Dela se espera não apenas uma prestação de serviço próprio da ordem temporal, mas também e sobretudo uma força de convocação e agregação na fé; espera-se que a escola se torne memória e sinal da especificidade cristã. Em tal sentido os consagrados são chamados não só a ser administradores mais fiéis ou professores com uma visão cultural adequa­da, mas a traduzir em presença e impacto educativo sua opção radical por Cristo.

Além disso, a animação importa também uma deslocação de acento na administração das obras. Nelas a comunidade religiosa — conquanto numeri­camente reduzida — deve concentrar-se nos aspectos fundamentais, assegurando, sobretudo na orientação da obra, sua qualidade educativa e cristã.

Nessa luz destaca-se a importância da figura salesiana do “diretor”. Sabe-se que, segundo as Constituições,29 ele não é apenas o guia da comu­nidade religiosa, mas também o primeiro responsá­vel da missão, isto é, orientador dos trabalhos educativos e pastorais dos irmãos e da comunidade educativa, encarregado, numa palavra, também da sua organização e funcionamento.

Nos repetidos estudos que, um pouco por toda a parte, examinaram a possibilidade de separar a direção religiosa da comunidade da educativa e pastoral da obra, retornou-se sempre à figura tradici­onal. O CG21 preferiu indicar uma hierarquização das funções30 e a atribuição de novas competências, mais do que sancionar a divisão entre responsabilidades religiosas, educativas e pastorais. E isso por uma razão fundamental: a experiência religiosa de nós salesianos compreende, como parte integrante e inspiradora, o cumprimento da missão. Nesta desemboca de forma pedagógica a nossa vida con­sagrada; e, vice-versa, da experiência religiosa se enriquece a nossa espiritualidade: é dinâmica da nossa “graça de unidade”. Tal princípio e as rela­tivas aplicações foram focalizadas pelos últimos Capítulos Gerais e, portanto, configuram os crité­rios para dar organicidade à comunidade e à sua obra escolar.

Nos últimos tempos, porém, foi-se criando em várias partes uma situação local na qual a instância pedagógica e organizativa é considerada pelos orga­nismos civis como a responsável principal da escola. A isso acresce a já indicada complexidade dos componentes, em razão da qual o diretor em mais de um caso não pode tomar parte e acompanhar alguns dos aspectos escolares mais específicos. Por vezes, o seu profissionalismo não é orientado de acordo com as atuais exigências escolares. Por isso, com ou sem intenção explícita, a figura do diretor dos estudos foi assumindo o papel de instância final, não só para a parte organizativa e didática, mas também para os objetivos, as orientações da comunidade educativa, a conformação da estrutura e o equilíbrio das funções, o relaci­onamento com os diversos componentes educativos. É uma situação que se deve corrigir com um cons­tante diálogo na comunidade.

De qualquer maneira, como consequência de fato, preferiu-se algures nomear diretor um irmão que pudesse animar a comunidade religiosa sem assumir a responsabilidade principal do trabalho escolar. Se as circunstâncias não permitissem outras soluções ou aconselhassem tal solução como a melhor em determinado caso, poder-se-ia até ten­tar. Mas, se em virtude de uma exceção de fato, se entendesse mudar a práxis normal salesiana, tal procedimento deveria submeter-se a sério discernimento.

O diretor, na realidade, torna evidente a finali­dade pastoral da escola salesiana, pela qual todas as funções técnicas são orientadas para a educação e esta para o crescimento e maturação na fé. Ele torna visível também a estrutura familiar da comunidade; e assim a última referência é a que exprime a paternidade e o afeto. Neste sentido o CG23 recomenda-lhe um relacionamento pessoal com os jo­vens capaz de enfrentar os problemas de vida que eles mais sentem, promovendo, desta sorte, tam­bém o empenho vocacional.

Quanto foi dito sobre o diretor, porém, e mais em geral sobre o projeto e a dimensão comu­nitária, exige que as diversas funções e relativas influências sejam coordenadas, deixando a cada uma a autonomia necessária, dentro de um espaço de diálogo que garanta união e convergência. Esse espaço situa-se na comunidade salesiana que, precisamente com a guia do diretor,31 assume a respon­sabilidade da missão e discerne situações e desafios para se manter fiel a suas finalidades e espírito próprio.

Cada função tem uma incidência educativa pró­pria, que se torna positiva com duas condições: que seja julgada como complementar das demais fun­ções e se inspire, no exercício de suas atribuições, na finalidade educativa e no projeto pastoral. De tais condições ninguém se pode eximir. Estão acima da função e pertencem à nossa missão. Deve-se, pois, corrigir perigosas contraposições ou separa­ções, teóricas ou práticas, entre administração, educação e pastoral. A preocupação com a educa­ção da fé guia e determina o programa, a estrutura, a organização e o exercício das funções, as intervenções de cada pessoa: “Somos chamados todos e em qualquer ocasião a ser educadores da fé”.32



Mestres de espiritualidade juvenil



Concluindo, apraz-me lembrar o que nos escreveu o Santo Padre na carta Iuvenum Patris: “Na Igreja e no mundo, a visão educativa integral, que vemos encarnada em João Bosco, é uma pedagogia realista da santidade. Urge recuperar o verdadeiro conceito de ‘santidade’, como componente da vida de todo crente. A originalidade e a ousadia da proposta de uma ‘santidade juvenil’ é intrínseca à arte educativa deste grande Santo, que pode com justiça ser definido como ‘mestre de espiritualidade juvenil’. Seu particular se­gredo foi o de não frustrar as aspirações profundas dos jovens (necessidade de vida, de amor, de expansão, de alegria, de liberdade, de futuro), e ao mesmo tempo de levá-los de maneira gradual e realista a experimentar que somente na ‘vida de graça’, isto é, na amizade com Cristo, se realizam plenamente os ideais mais autênticos”.33

Sim, queridos irmãos, a nova evangelização exige de todos um clima de “novo ardor”, ou seja, uma vida de fé traduzida em espiritualidade que deve ser testemunhada e transmitida.

O CG23 tratou longamente34 do tema da nossa espiritualidade salesiana que, justamente enquanto espiritualidade juvenil, se torna “espiritualidade educativa”: “fazer crescer os jovens em plenitude ‘segundo a medida de Cristo, homem perfeito’ é a meta do trabalho salesiano”.35

Certamente, entre os numerosos jovens das nos­sas escolas há uma variedade de níveis na sua experiência religiosa, mas o clima da escola é cons­tituído sobretudo pela verdadeira espiritualidade do núcleo animador salesiano e da comunidade educativa. O testemunho de dos educadores influi no ambiente e move a fazer emergir grupos de alunos mais maduros, para que se tornem ale­gremente o fermento quotidiano de um crescimen­to da espiritualidade juvenil entre os colegas.

Peçamos a Maria Auxiliadora que nos alcance uma fidelidade cada vez mais viva a Dom Bosco para assemelhar as nossas presenças na escola a espe­ciais “comunidades cristãs de base”; nelas o projeto-homem será o mais novo e o mais definitivo, o escatológico de Cristo, o Senhor.

Que as próximas celebrações pascais nos tragam a alegria do encontro com a máxima novidade da história, Cristo ressuscitado, para a ele oferecermos a nossa vontade de comprometer-nos na renovação da escola salesiana.

Dom Bosco interceda!

Cordiais saudações e votos fraternos.

Com afeto no Senhor,

1 Const. 40.

2 La Società di san Francesco di Sales. Dati statistici. Roma 1990, p. 56-57.

3 Ib., p. 64-67.

4 CG21, 130.

5 CG23, 56.

6 CG23, 267.

7 CG23, 270-273.

8 Cf. Scuola salesiana in Italia. Atti della Conferenza delle Ispettorie salesiane d’Italia sulla scuola. Roma 1984. Il progetto educativo della scuola e della formazione professionale (1992), elaborado conjuntamente pelos SDB e FMA.

9 CG21, 128-134.

10 Cf. CIVILTÀ CATTOLICA n. 3418: La fede Cristiana nell’epoca postmoderna, 21 de novembro de 1992.

11 Christifideles Laici, 3.

12 Santo Domingo, Discurso inaugural, 20.

13 Ib., 21.

14 CG23, 83.

15 Cf. ACG 337, p. 3-43.

16 CG23, 49.

17 CF. ACG 343, p. 16-18.

18 CISM janeiro-fevereiro de 1993.

19 Scuola Cattolica, 89.

20 Cf. ACG 343, p. 6-10.

21 Documento inaugural, 271.

22 Libertatis Conscientia, 94.

23 NB: Recomendamos a leitura do documento La Scuola cattolica, nn. 26-37.

24 Libertatis Conscientia, 94.

25 Cf. João Paulo II, 28 de junho de 1984.

26 Gravissimum Educationes, 8.

27 Cf. o documento da Congregação para a Educação Católica: La dimensione religiosa dell’educazione nella scuola, 1988.

28 Cf. Const. 40.

29 Cf. Const. 176.

30 Cf. CG21, 52-53.

31 Cf. Const. 44.

32 Const. 34.

33 Iuvenum Patris, 16.

34 CG23, 158-180.

35 CG23, 160.

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