351-400|pt|363 Especialistas, testemunhas e artifices de comunhão

«ESPECIALISTAS, TESTEMUNHAS E ARTÍFICES DE COMUNHÃO»1

A comunidade salesiana – núcleo animador



P. Juan Edmundo Vecchi



Atos do Conselho Geral 363




1. Uma nova fase em nossa vida comunitária. – 1.1. Expectativas concentradas. – 1.2. Núcleo animador. – 1.3. Ponto de chegada. – 1.4. O momento atual. – 1.5. O modelo de referência. – 2. Um itinerário comunitário para torna-se núcleo animador. – 2.1. Redesenhar a missão. – 2.2. Viver e propor-se a comunicar uma espiritualidade. – 2.3. Fazer da comunidade salesiana uma “família”, capaz de suscitar comunhão ao redor da missão salesiana. – 2.4. Dar o dinamismo missionário do “Da mihi animas” à ação educativa nossa e da CEP. – 2.5. Vida fraterna e trabalho pastoral para crescer. – 3. Conclusão.



Roma, 25 de março de 1998

Solenidade da Anunciação do Senhor


Caríssimos,


1998 vê todas as Inspetorias empenhadas na preparação e na realização dos Capítulos Inspetoriais. É uma graça que o Senhor distribui com generosidade entre as nossas noventa e uma circunscrições, e que será derramada sobre a vida da Congregação inteira. Não pensemos nos Capítulos como prazos jurídicos ou apenas como assembleias deliberativas. Para nós, eles constituem experiências, celebrações e momentos de relançamento da comunhão que nos une na consagração religiosa e na missão juvenil.

Os Capítulos Inspetoriais refletirão e indicarão linhas operativas quanto à participação dos leigos no carisma salesiano e, portanto, quanto à maior responsabilidade que se vai desenhando para nós. Nesse sentido, são chamados a dar uma contribuição que marcará o nosso futuro.

Esse acontecimento de Congregação insere-se num movimento eclesial que é imediatamente observável através dos seis Sínodos que precedem o Jubileu: realização visível e operativa da comunhão segundo as novas dimensões da Igreja e do mundo. Pude fazer, pessoalmente, a experiência disso no Sínodo da América do qual participei com outros.

Isso sugeriu-me o argumento desta carta que vos entrego como estímulo à reflexão, mais do que como apresentação completa do tema, dada a vastidão e complexidade apresentado por ele.

A minha recente visita à África para a ereção de duas novas Visitadorias2 foi, se houvesse necessidade disso, uma nova prova das potencialidades existentes na vida fraterna “salesiana”, segundo o espírito e o estilo das origens, codificados hoje nas Constituições e Regulamentos: potencialidade para cada um de nós, para a missão, para os jovens que vêm aos nossos ambientes, para aqueles que estão dispostos a colaborar conosco, para o povo. Justifica-se, portanto, que se lhes dê, neste momento, uma atenção particular.



1. Uma nova fase em nossa vida comunitária.



1.1. Expectativas concentradas.



Os últimos Capítulos Gerais formularam orientações e propostas orgânicas para a educação dos jovens à fé3 e para a participação dos leigos na missão salesiana.4 A realização dessas propostas exige que se dê vida a algumas realidades relacionadas intimamente com elas: a constituição da comunidade educativo-pastoral, a sua animação pelo grupo de salesianos, a leitura da situação atual e da mentalidade juvenil, a elaboração do projeto educativo-pastoral. O conjunto delineia o “modelo” pastoral, segundo o qual entendemos agir, com indicações operativas para enfrentar o momento presente na fidelidade ao critério do Sistema Preventivo.

Lendo essas orientações, mesmo com um só mínimo de atenção, percebe-se logo que a possibilidade de as traduzir em prática apoia-se num fator que se tem como sólido e quase garantido: a comunidade salesiana.

A comunidade, de fato, é convidada a ler os desafios que vêm dos jovens e pensar no caminho a ser proposto para o amadurecimento de sua fé. A comunidade é chamada, pois, a viver e comunicar uma espiritualidade, sem a qual são inúteis os esforços para colocar os jovens em contato com o mistério de Jesus. E entrega-se à comunidade a tarefa de convocar, envolver, corresponsabilizar e formar os leigos.

A comunidade é onipresente nas orientações, mesmo se nem sempre seja explicitamente o seu tema. É o sujeito e o primeiro destinatário das propostas. A ela nos voltamos e nela confiamos.

Encontra-se a confirmação permanente disso nos encontros e documentos em que se estudam as condições da nossa fecundidade vocacional, da nossa significatividade, da nossa renovação. Depois de ter buscado o que fazer quanto ao problema em questão, depois de ter compreendido como e porque o fazer, quando se chega à pergunta sobre quem pode fazê-lo, a conclusão normal é: precisa-se de uma comunidade… e seguem as condições.

Qual a comunidade às quais se referem essas expectativas? À comunidade local, inspetorial ou mundial? Entendem-se sempre os três níveis, que trabalham juntos e de maneira intercomunicante, como indicam as Constituições: «As comunidades locais são parte viva da comunidade inspetorial»;5 «a profissão religiosa incorpora o salesiano na comunhão de espírito, de testemunho e de serviço que a Congregação vive na Igreja universal»,6 ou seja, na comunidade mundial.

Entretanto, examinando melhor as deliberações dos dois últimos Capítulos Gerais, percebe-se que o ponto focal, aquele do qual se parte e ao qual se retorna, é a comunidade local. As tarefas mais numerosas e mais determinantes são entregues a ela. À Inspetoria pede-se que garanta as condições para que as comunidades locais funcionem, projete a missão no território, anime, dando apoio e estímulo e criando uma comunicação enriquecedora entre as comunidades locais.

Não se põem em questão a identidade, a organização mundial ou as orientações que garantem a nossa unidade e os espaços de criatividade para cada Inspetoria. Estímulos, encaminhamentos e subsídios produzidos pelos Capítulos e pelo Conselho Geral não só são abundantes, mas traduzem fielmente a renovação eclesial e parecem adequados ao tempo em que vivemos.

O que se olha primariamente é a vitalidade, a capacidade de reação daquelas que podemos chamar células ou órgãos da Congregação: as comunidades locais e, em função delas, as inspetoriais.

Não é difícil entender os motivos disso. As comunidades locais são os lugares do nosso cotidiano: ali exprimimos a nossa vida consagrada e a qualidade do nosso trabalho de educação. Elas estão em contato direto com os jovens e o povo; sentem as situações na própria pele e devem pensar no testemunho de vida e nas iniciativas apostólicas com que lhes responder. As indicações operativas têm o seu banco de prova na comunidade local: nela pode-se verificar a sua validade e avaliar se são praticáveis em nossas condições atuais.

Há outra razão. Só envolvendo as comunidades locais podem-se empenhar todos, ou ao menos o maior número de irmãos, no esforço de repensar uma pedagogia da fé e uma nova dinâmica comunitária. São poucos os irmãos empenhados nos níveis inspetoriais e mundiais, embora sua função seja de grande importância e incidência.

A comunidade, então, particularmente aquela colocada sob o olhar direto dos jovens e do povo, em que se desenrola a nossa vida cotidiana, é o ponto onde são concentradas as grandes expectativas de significatividade e eficácia apostólica.

As expectativas de significado são bem expressas nas perspectivas teológicas de que são ricos tanto o documento A vida fraterna em comunidade,7 quanto a parte da Exortação Apostólica Vita Consecrata cujo título é «Signum fraternitatis». São páginas a serem novamente meditadas para tirar delas sempre novas motivações espirituais e práticas: imagem da Trindade, sinal da comunhão eclesial, manifestação profética da sequela, escola do amor cristão, lugar onde se faz experiência de Deus.

As expectativas “salesianas” foram também representadas com imagens que dão imediatamente a idéia das exigências e dos resultados: a comunidade é e constitui-se como família; torna-se sinal, escola e ambiente de fé; pensamo-la como lugar privilegiado para a formação contínua.

Na continuidade dessas imagens, o CG24 fez emergir uma outra com força particular, que corresponde à fase de renovação que estamos percorrendo, ou melhor, é o seu elemento central, o motor: núcleo animador.

Quero deter-me particularmente sobre ela nesta carta, retomando a partir desse aspecto as demais dimensões da comunidade.



1.2. Núcleo animador.



Já é uma expressão corrente do nosso vocabulário. Indica um sinal da nossa maneira atual de conceber o trabalho pastoral, intimamente relacionado com outros não menos importantes, como a participação dos leigos na missão, o crescimento da comunidade educativa, a elaboração do projeto, a partilha do estilo pedagógico, a comunicação da espiritualidade salesiana.

Forma com eles um “sistema”, e eles não serão possíveis se não for realizado o que se afirma do núcleo animador. E, vice-versa, não se entendem os fins e o sentido prático da expressão “núcleo animador” se ela não estiver relacionada com todo o “sistema”. Isso é bem expresso no artigo 5 dos Regulamentos Gerais, inserido na sequência de indicações que orientam a nossa práxis pedagógica e pastoral: «A atuação do nosso projeto exige, em todos os ambientes e obras, a formação da comunidade educativo-pastoral. Seu núcleo animador é a comunidade religiosa».8

A frequência da expressão nos Capítulos 23 e 24, as esperanças que se depositam em sua compreensão e no seu funcionamento têm justamente chamado a atenção dos irmãos. Eles entenderam que é urgente traduzir na prática as afirmações capitulares. E estando ainda em fase de lavra, colocam interrogativos quanto à sua concepção e realização.

Creio mais do que justificados os não poucos pedidos de esclarecimento que são dirigidos a mim e aos membros do Conselho quando temos a alegria de encontrá-los. Retomo de boa vontade alguns desses pedidos, observando, contudo, que não se encontram soluções de uso imediato e universal nas respostas. São, porém, úteis como pontos de entendimento, como coleta da experiência já feita e como estímulo a continuar a busca, a experimentação e a codificação da práxis.

O que entendemos por “núcleo animador”? Trata-se de um grupo de pessoas que se identifica com a missão, com o sistema educativo e com a espiritualidade salesiana, e assume solidariamente a missão de convocar, motivar, envolver todos os que se interessam por uma obra, para formar com eles a comunidade educativa e realizar o projeto de evangelização e educação dos jovens.

O ponto de referência para o grupo é a comunidade salesiana. O que significa que os salesianos, todos e sempre, fazem parte do núcleo animador. Cada um, ancião ou jovem, diretamente empenhado em funções operativas ou em repouso, dá a contribuição permitida pela sua preparação ou situação.

Quer dizer que, de acordo com as condições enunciadas anteriormente, também os leigos fazem parte dela.

Quer dizer que o núcleo local pode ser formado, até mesmo principalmente, de leigos, tendo sempre por trás o apoio suficiente dos salesianos, na localidade ou na Inspetoria. Isso acontece nas obras que ultimamente tivemos que animar através da tutela, do patrocínio ou da presença de garantia.

Sublinhe-se que a comunidade “salesiana”, o seu patrimônio espiritual, o seu estilo pedagógico, as suas relações de fraternidade e de corresponsabilidade na missão representam em todo caso o modelo de referência para a identidade pastoral do núcleo animador.

A modalidade de referência almejada, que se deve tender a realizar nos planos inspetoriais de reorganização e redimensionamento, é aquela em que a comunidade salesiana está presente em número e qualidade suficiente para animar, com alguns leigos, um projeto e uma comunidade educativa, admitindo que ela consente variedade de realizações quanto ao número de irmãos e de funções.

A segunda modalidade, em que só os leigos constituem o núcleo animador imediato, é complementar, isto é, uma possibilidade aberta que resolve casos especiais, de pessoal e de iniciativas, e olha sempre para o “núcleo salesiano” como modelo carismático para nele inspirar-se e apoiar-se.



1.3. Ponto de chegada.



Em relação às indicações anteriores, alguém pergunta se se trata de necessidade ou opção. Deve-se dizer que o caminho da Igreja, as mudanças na sociedade com reflexos na área educativa, os nossos tempos de repensamento e revisão, confluíram no conceito de comunidade núcleo animador com a força da evidência. Hoje não estão em causa as convicções e as orientações a respeito, mas as realizações concretas e as nossas capacidades de atuá-las.

Convém referir-se, embora por acenos, aos motivos das opções, porque elas sugerem atitudes úteis.

As iniciativas educativas e pastorais tornaram-se hoje abertas e regem-se por critérios de participação. Nelas trabalham numerosos leigos que, aumentados ultimamente, constituem a “maioria numérica”; nela intervêm pais e colaboradores; nela relaciona-se com organismos civis e outras agências educativas; elas abrem-se ao bairro e a uma rede de amigos e benfeitores; trata-se de um mundo de gestão complexa em que nem tudo pode ser feito diretamente e que exige algumas responsabilidades complementares e variadas competências.

Enquanto os ambientes educativos tradicionais adquirem novas dimensões, os espaços e as iniciativas para chegar aos jovens diversificam-se e multiplicam-se com programas adequados às suas diversas condições. De um lado, deve-se administrar ambientes sempre maiores, complexos e articulados; de outro há o apelo de novos campos educativos provocados pelas atuais necessidades e pobrezas. Isso comportou e comporta não só maiores forças do ponto de vista numérico, mas maior competência e maior ligação em todas as direções, segundo a natureza complexa da sociedade.

Tudo isso, porém, foi apenas o detonador. A razão determinante que nos levou a conceber a comunidade como núcleo animador foi a nova estação vivida pela Igreja. Ela revela uma consciência aguda de ser comunhão com Deus e entre os homens e toma a comunhão como a principal via para realizar a salvação do homem.

Isso não pode deixar de produzir modificações notáveis na práxis pastoral. Tudo adquire sentido e dimensão à luz da comunhão. As comunidades eclesiais tornam-se sujeitos solidários da missão; no seu interior são valorizadas as vocações dos religiosos, dos ministros ordenados e dos leigos, segundo o dom específico que o Espírito deu a cada um. Suas respectivas experiências interagem enriquecendo-se e empenham-se juntas na evangelização, que resulta “nova” também por este elemento: o sujeito eclesial que a realiza, no qual emerge hoje a importância do laicato.

Não foi um caminho curto. A faina pré-conciliar, a reflexão do Concílio, o esforço de reorganizar a vida eclesial e a pastoral no pós-Concílio, a síntese doutrinal e a prática amadurecida nos anos que nos levam ao ano dois mil, os Sínodos sobre os leigos, os ministros ordenados e a vida consagrada e as subsequentes Exortações Apostólicas esclareceram a forma das diversas vocações se completarem, enriquecerem, coordenarem; ou melhor, elas não conseguem ter uma identidade original a não ser na referência recíproca no interior da comunidade eclesial.

Nós, por outro lado, vemos essa forma de ser religiosos e de trabalhar pelos jovens no momento nascente da Família Salesiana. Dom Bosco, desde os inícios, envolve muitas pessoas com o seu testemunho e a novidade do seu trabalho; suscita a adesão de eclesiásticos e leigos; atrai para a sua obra homens e mulheres que o ajudam a dar catecismo, levantar escolas e oficinas, animar o pátio, colocar os mais necessitados junto de um patrão honesto. Com eles dá origem a grupos e formas ocasionais de cooperação.

Quando sente a necessidade de acolher alguns jovens em casa, cria uma família com a colaboração de Mamãe Margarida, com quem compartilha o governo da casa. O seu plano é a união de todos os “bons” e o alargamento máximo da colaboração. Sonha essa colaboração, propõe-na, começa a realizá-la com convites orais, amizade e cartas.9

Chega logo a convencer-se da necessidade dos “consagrados”, e não só porque a continuidade da obra exigia pessoas inteiramente disponíveis aos jovens, mas pela qualidade “religiosa” da educação que tanto desejava, a ponto de querer um sacerdote como sua cabeça. Não se tratava só de livrar os jovens da situação de pobreza econômica ou prepará-los à vida com os estudos e a aprendizagem de um ofício, nem sequer de só educar o senso religioso ou a consciência, mas de fazê-los encontrar Jesus Cristo vivo através da graça da fé, da eficácia dos sacramentos e da participação na comunidade eclesial.

As vocações “à consagração” deviam ser encontradas entre os seus próprios jovens. Começou, então, a reunir alguns deles, convidou-os a formarem uma Sociedade, pediu-lhes que ficassem com Ele para sempre, que se comprometessem totalmente e por toda a vida numa obra de caridade, que votassem a própria vida à sequela de Cristo obediente, pobre, casto para um serviço fiel a Deus e aos jovens.

O nosso carisma vê, portanto, a luz num contexto de comunhão “familiar e educativa”, animado pela abertura quase sem limites à colaboração no bem em círculos diversos, com um desígnio preciso de criar cooperação, solidariedade e comunhão.



1.4. O momento atual



Refletiu-se bastante nos últimos tempos sobre a comunidade consagrada.

Interessava a qualidade da vida fraterna em relação às legítimas exigências surgidas hoje na comunidade, às condições de vida que elas requerem, às novas possibilidades de relação e comunicação que se descobrem como conseqüência da cultura, da renovação eclesial e da sensibilidade atual das pessoas.

Interessava, também, e muito, o serviço à comunhão cristã e humana que as comunidades consagradas são chamadas a realizar neste momento particular da Igreja (evangelização, ecumenismo, diálogo inter-religioso) e diante do clima do mundo (paz, comunicação, reconciliação, conflitos étnicos, caráter intercultural da sociedade, globalização).

Os dois níveis cruzam-se, são interdependentes: é através da experiência de fraternidade em Cristo que se torna “especialista” de comunhão. Por isso um arrasta o outro; ambos devem ser despertados e renovados numa fase em que a comunidade deve fazer as contas com algumas condições.

Uma é a sua composição atual: diminui o número de membros nas comunidades e, em alguns casos, vive-se nos limites. Além de ver-se em número exíguo, os irmãos pertencem a diversas gerações; às vezes, é preponderante a presença de pessoas de mais idade e idosas. O que não representa uma desvantagem, no caso da presença preponderante de idosos, sobretudo quando vivido de modo positivo no que se refere ao número reduzido, como possibilidade de dar maior responsabilidade a cada um e possibilidade de intercâmbio e experiência carismática entre as gerações. Certamente, porém, essa composição exige uma nova capacidade de relações e adaptações variadas.

Um segundo elemento a ser considerado refere-se à relação que se está criando entre comunidade e obra apostólica. Em alguns lugares já não se tem mais a responsabilidade exclusiva da obra; nem todos os componentes da comunidade religiosa estão envolvidos nela; muitas vezes estão distribuídos nos diversos setores com pouca comunicação recíproca. Sente-se a desproporção entre o pessoal religioso e a dimensão da obra. Há, como conseqüência, o abundante intercâmbio de ideias e a partilha de responsabilidades entre os religiosos ainda ativos e os leigos que colaboram, e menos com os membros da comunidade religiosa. Em muitos casos a sobrecarga de funções ainda distancia alguns irmãos do ritmo regular de encontro com a comunidade.

Um terceiro elemento é a maior inserção da comunidade na dinâmica da Igreja e uma maior abertura ao contexto social. A vida consagrada é vista não como um “retirar-se” das questões que interessam ao homem, mas como um inserir-se nelas com uma contribuição original e para uma missão específica. Consequentemente há um multiplicar-se de relações e intercâmbios com o exterior. O tempo para a comunidade é menor e ela é menos recolhida e protegida, mais atravessada pela complexidade da vida e pelos estímulos do ambiente. Complexidade, acontecimentos, tendências, imagens penetram através dos meios de comunicação social sempre mais individualizados e desafiam não só a qualidade e a frequência das relações, mas também a capacidade de julgamento evangélico da comunidade.

O fato mais importante refere-se, porém, à passagem da insistência sobre a vida em comum àquela sobre a fraternidade, determinada pelas circunstâncias de trabalho e pelas novas exigências das pessoas.

Os dois termos, vida comum e vida fraterna em comunidade, dão imediatamente a idéia. Percebe-se com facilidade os seus valores diversos. “Vida em comum” quer dizer “habitar juntos na mesma casa religiosa legitimamente constituída” e fazer juntos as mesmas ações (rezar, comer, trabalhar, etc.) segundo as mesmas normas. Para a vida comum é importante reunir-se fisicamente.

Vida fraterna em comunidade” quer dizer, antes de tudo, acolhida da pessoa, qualidade das relações interpessoais, amizade, possibilidade de verdadeiro afeto, alegria de viver e trabalhar juntos, participação ativa de todos na vida do grupo. Damos hoje maior importância à união das pessoas, à valorização e ao papel ativo de cada um, à convergência das finalidades.

Vida comum e fraternidade estão relacionadas. «É claro que a “vida fraterna” não será automaticamente realizada pela observância das normas que regulam a vida em comum; é evidente, porém, que a vida em comum tem a finalidade de favorecer intensamente a vida fraterna».10

É preciso encontrar um equilíbrio: nem a pura comunhão de espíritos, desvalorizando as manifestações da vida em comum, nem tanta insistência legal sobre a vida em comum, a ponto de colocar em segundo lugar os aspectos mais substanciais da fraternidade em Cristo: «Amai-vos uns aos outros. Disso todos conhecerão que sois meus discípulos».11

As nossas Constituições ajudam a compreender e realizar o equilíbrio e a fusão dos dois aspectos. Dizem-nos que temos momentos em comum; caracterizados pelo espírito de família,12 eles tendem a criar entre nós uma relação madura, abrir-nos à comunicação, tornar-nos capazes de compartilhar «alegrias e dores (…) experiências e projetos apostólicos».13

O bom ordenamento e equilíbrio dos dois elementos realiza a vontade e a exigência de formar comunidades verdadeiras, de acordo com as condições de cada grupo e as aspirações da pessoa; comunidades profundamente renovadas, sejam elas pequenas, médias ou grandes, que de qualquer modo devam animar obras tradicionais ou estejam inseridas de forma mais viva entre o povo, mas sempre capazes de ajudar as pessoas a crescerem humana e religiosamente, a exprimirem com maior transparência aquilo que creem e comungam, capazes de suscitar o desejo de a elas pertencer, ou seja, comunidades com capacidades vocacionais.



1.5. O modelo de referência



Todas as formas de vida religiosa têm um elemento indispensável na comunidade. Cada uma realiza-a, porém, de forma própria e diversa.

A nossa vida comunitária reflete sobretudo aquela vivida por Jesus com os Apóstolos. Ele escolheu-os «para tê-los consigo, para enviá-los a pregar e para que tivessem o poder de expulsar demônios».14 Desde então, e em força desse chamado, eles formaram um grupo solidário na fidelidade ao mestre e à sua causa. Juntos gozaram da familiaridade de Jesus e escutaram explicações exclusivas sobre o mistério do Reino. Juntos foram testemunhas diretas de alguns momentos e participantes de acontecimentos centrais na vida de Jesus. Juntos aprenderam dele a rezar em solidão e em contato com os homens; foram solidariamente deputados a organizar a multidão na multiplicação dos pães e todos, embora em diferentes aldeias, foram enviados a preparar a chegada de Jesus e anunciar o Evangelho. Reuniam-se ao redor do Senhor para comentar as peripécias de suas caminhadas e tiveram até mesmo algumas contendas passageiras sobre a natureza do Reino e a sua participação na causa de Jesus. Jesus ensinou-lhes as atitudes necessárias para segui-lo e para construírem a união recíproca: o serviço, o perdão, a humildade nas exigências, o não julgar, a generosidade desinteressada. Com a pregação do evangelho e «para que o mundo creia»,15 ordenou-lhes que vivessem unidos; por eles rezou «a fim de que todos sejam um».16 Juntos, com Maria, receberam o Espírito e decidiram-se a criar comunidades, animando-as com a palavra, a Eucaristia, o serviço da autoridade.

O modelo apostólico é-nos mediado pela experiência carismática dos nossos inícios. Dom Bosco, na sequela de Cristo Bom Pastor, reuniu ao seu redor alguns jovens discípulos afeiçoados a ele para participarem com ele do serviço dos oratórios. Pede-lhes que fiquem com ele e trabalhem pelos jovens o tempo todo e por toda a vida. Com eles volta-se aos espaços geográficos que levam à expansão da Congregação e burila os traços espirituais que dão uma fisionomia típica à sua família.

É uma comunidade não só para os jovens, mas com os jovens: participa de suas vidas e adapta-se às suas exigências. A presença dos jovens determina os horários, o estilo de trabalho, a modalidade da oração. Ficar com Dom Bosco significa querer estar entre os jovens, oferecer-lhes tudo o que se é e se tem: coração, mente, vontade; amizade e trabalho; simpatia, serviço. Nessa relação e nesse ambiente amadurece a identidade da comunidade e dos indivíduos.

É uma comunidade com forte carga espiritual, caracterizada pelo “Da mihi animas”. Dom Bosco forja os seus primeiros colaboradores, com simplicidade e solidez segundo o programa: trabalho, oração, temperança. Pede-lhes que façam um “exercício de caridade” em favor do próximo. O amor a Jesus Cristo e a confiança em sua graça inspiram a preocupação pelo bem dos meninos, a partir de suas necessidades humanas e espirituais. Ajudam-se os mais abandonados a tomar contato com Deus e com a Igreja e orientam-se explicitamente à santidade aqueles que demonstram particulares disposições. A proximidade de Deus e a presença de Maria Santíssima tornam-se quase sensíveis.

De forma alguma extraordinária, formada por jovens ricos de entusiasmo, mas com pouca experiência, alguns com notáveis qualidades e outros normais e até mesmo modestos, a comunidade é orientada por Dom Bosco com senso concreto, segundo os recursos de cada um, em vista da “missão” sentida por todos como única e “comum”. Existem papéis, tarefas e trabalhos diversos, em espaços muito abertos; mas o sentido de pertença ao oratório e a Dom Bosco é geral. A variedade de serviços e de papéis, a dimensão e a distribuição dos espaços, a diversidade das competências não o diminuem ou ofuscam.

Embora com momentos de tensão ou dificuldades, que conhecemos, a comunidade de Valdocco demonstrava-se unida ao redor do projeto de ação e à pessoa do Diretor, condição que Dom Bosco considerava fundamental para a eficácia apostólica. Ele esforçava-se em favorecer a criatividade, envolver a todos, através de formas espontâneas e estáveis de participação, em vista da unidade do trabalho, da harmonia das pessoas e da concordância dos critérios.

A comunidade torna-se assim a alma de um ambiente que atrai e conquista o coração dos jovens: produz um clima de familiaridade, que favorece a espontaneidade e leva à confiança; exprime em comum “a caridade pedagógica”, bondade que faz perceber o afeto e suscita correspondência.17 Ela será apresentada por Dom Bosco na Introdução às Regras com estas palavras: «Quando o amor fraterno reina numa comunidade e todos os sócios amam-se reciprocamente, e cada um alegra-se com o bem do outro, como se fosse um bem próprio, então aquela Casa torna-se um Paraíso».

A comunidade oratoriana e juvenil não é isolada nem fechada. Relaciona-se com pessoas significativas, variadas associações, religiosas e civis, e com o contexto citadino. Dom Bosco, inicialmente, pensa-a unida à Associação dos Cooperadores, como se fossem dois ramos da mesma árvore. Assim escreve no Regulamento dos Cooperadores: «A Congregação, tendo sido aprovada definitivamente pela Igreja, pode servir de vínculo seguro e estável para os Cooperadores Salesianos. De fato, ela tem como finalidade primária, trabalhar em benefício da juventude em que se funda o bom ou o triste futuro da sociedade. Com esta proposta não entendemos dizer que seja esse o único meio para prover a essa necessidade, porque existem mil outros deles, que nós recomendamos prementemente sejam postos em ação. Nós, por nossa vez, propomos um deles, e é a obra dos Cooperadores Salesianos».18

No centro do mundo, aberto e em movimento, que era Valdocco, Dom Bosco, guiado pelo Senhor, quis pessoas consagradas que arrastassem outras forças apostólicas envolvidas no mesmo projeto, garantia de desenvolvimento e continuidade da missão.

A missão, levada adiante com o mesmo espírito de Valdocco, oferece às nossas comunidades o critério para resolver as eventuais tensões. O que não diminui de nenhum modo a fraternidade, mas dá-lhe uma face concreta. Se diminuísse o sentido da missão juvenil, educativa, a nossa mesma fraternidade perderia a originalidade e a força de comunicação. Não seria aquele alvéolo vivo que foi o oratório, mas apenas uma sua reprodução “fixa”.

A missão, por outro lado, não é uma inserção individual, pela qual se retorna à comunidade apenas para rezar e repousar, ou de vez em quando: nós partilhamos a vida e assumimos em corresponsabilidade o trabalho apostólico: «Viver e trabalhar juntos é para nós, salesianos, exigência fundamental e caminho seguro para realizarmos a nossa vocação».19

A missão salesiana é comunitária por natureza. As Constituições afirmam-no com muita clareza,20 com a força de uma definição: a missão é confiada à comunidade, inspetorial e local.21

É missão juvenil: visa o crescimento dos jovens segundo as energias colocadas por Deus em cada pessoa e a graça comunicada por Cristo ao mundo. O Sistema Preventivo, que sintetiza os seus conteúdos, práxis e caminhos, requer um ambiente de família e, portanto, um tecido de relações. Não somos preceptores de indivíduos, nem educadores “privados”: agimos em e através de uma comunidade e procuramos criar amplos ambientes juvenis. O conjunto dos conteúdos e das experiências, reconhecidos pela práxis educativa como adequados ao crescimento humano e de fé dos jovens, requer uma sinergia convergente de intervenções que não podem ser realizadas por uma só pessoa.

Acrescentemos ainda que os jovens devem ser guiados à maturidade nas relações e à vida social, com tudo o que ela implica; e que o caminho de fé que propomos tem como objetivo levá-los à experiência de comunidade cristã vivida segundo suas dimensões características.

A comunhão e a fraternidade, a comunidade e a família são, então, condição, caminho e parte substancial da missão, o que nos convida a fazer dela uma experiência autêntica e a sermos seus especialistas e artífices.



2. Um itinerário comunitário para ser núcleo animador.



As reflexões anteriores trazem novos interrogativos: o que qualifica a comunidade salesiana, para que seja núcleo animador de um conjunto numeroso de pessoas, não raramente preparadas de maneira profissional? o que exige dela o fato de ser núcleo animador? que peso tem a consagração religiosa na animação de uma comunidade educativa?

Tentemos responder, aprofundando algumas perspectivas e explorando algumas possibilidades. Concentremos a atenção, não na realidade a ser animada, já apresentada pelo CG24, nem nas modalidades, caminhos e conteúdos da animação frequentemente insistidos, mas sobre o que qualifica o núcleo animador para que possa realizar o seu serviço.



2.1. Redesenhar a missão.



O que qualifica a comunidade, em função do seu papel animador, é o fato de redesenhar a missão e inserir-se bem nela, pensando-a de forma ampla, como a concebeu Dom Bosco e como é hoje expressa nas Constituições: na Família Salesiana, «por vontade do Fundador, temos particulares responsabilidades: (…) estimular o diálogo e a colaboração fraterna»;22 «realizamos em nossas obras a comunidade educativa e pastoral (…) até poder tornar-se uma experiência de Igreja, reveladora do plano de Deus».23 A importância salesiana e pastoral da animação torna-se clara vivendo-se comunitariamente bem, considerando a comunidade educativa e os seus componentes como a primeira destinatária da nossa ação em favor dos jovens, e assumindo juntos o trabalho de animação, mentalmente e na forma de projeto.

Existem ao nosso derredor, pessoas adultas que se referem a Dom Bosco de vários modos: pela simpatia, pelo trabalho, pelo espírito; a elas somos “enviados” por vocação. O serviço que lhes prestamos não é de pouca monta: é uma animação espiritual e salesiana.

Não somos chamados somente a dinamizar um grupo de educadores ou colaboradores com métodos oportunos; somos chamados a suscitar “uma experiência de Igreja”, a estender e dar consistência a uma realidade vocacional. Trata-se não só de empregar melhor os recursos disponíveis, por exemplo os leigos, mas de comunicar a fé e o espírito salesiano.

Animar vem a ser, então, uma parte não secundária da nossa missão e da maneira original de viver a nossa comunhão à qual devemos dedicar tempos não só residuais ou atenção “funcional”.

O carisma de Dom Bosco tem na comunidade SDB um grau particular de concentração, porque foi plasmada diretamente por Ele pela força da consagração, pela partilha cotidiana do carisma com outras pessoas, pelo projeto de vida assumido pela espiritualidade salesiana, pela dedicação completa ao trabalho apostólico.24 Tal concentração não é fim em si mesma; serve para comunicar e difundir o dom particular do Espírito à Igreja, que é o espírito salesiano.

Nós não somos uma sociedade de beneficência ou uma organização educativa que tem determinadas realizações materiais ou culturais como fim último; somos carismáticos. Isso comporta dar vida a uma presença que suscite questionamentos, dê razões de esperança, convoque pessoas, atraia colaboração, ative uma comunhão sempre mais fecunda para realizar juntos um projeto de vida e de ação segundo o evangelho.

A nossa, é uma colaboração com o Espírito. Ele anima a Igreja e o mundo. Abre-os à Palavra, suscita o desejo de unidade e a vontade de concórdia, dá eficácia aos esforços e empenhos pela transformação do mundo segundo o desígnio de Deus; distribui carismas e espalha sementes de bem na humanidade para que nelas se reforcem os elementos de paz e de comunhão.

Constituídos pelo Espírito em comunidade consagrada, tornamo-nos mediadores da sua ação animadora: ajudamos as pessoas a acolherem as suas moções, criamos condições para que as suas inspirações e os seus dons sejam visíveis na realidade para realizar, da maneira mais plena e ampla, a missão a que Ele nos chamou.

As tarefas confiadas à animação, particularmente na CEP, têm em vista colocar à disposição de todos aquilo que nos foi dado pelo Espírito: a fé no desígnio de amor que Deus Pai tem por cada pessoa, o amor de Cristo expresso na dedicação total à salvação dos jovens, a sabedoria pedagógica que aprendemos do Bom Pastor, a conformação a Cristo através do modelo de Dom Bosco.25

Só esse modo de pensar a missão faz frutificar, de forma adequada, a experiência do Espírito na comunidade, que reside no primado dado ao sentido de Deus, na sequela de Cristo, na caridade pastoral com que se coloca totalmente a serviço dos jovens, no patrimônio educativo e espiritual salesiano.

Ser animadores do movimento de pessoas envolvidas no espírito e na missão de Dom Bosco não é, então, uma função acrescentada ocasionalmente: é um traço vocacional que pertence à identidade do consagrado salesiano, do indivíduo e da comunidade, parte não secundária da sua práxis pastoral.

«Cada SDB é animador e habilita-se sempre mais a sê-lo».26 Não há necessidade de qualidades especiais além daquelas que correspondem à vocação salesiana. Trata-se de viver o dom inscrito no estilo da comunidade juntamente com jovens e leigos que manifestam a mesma sensibilidade e convergem para as mesmas iniciativas educativas.



2.2. Viver e propor-se a comunicar uma espiritualidade.



Os adjetivos ao lado do termo animação são mais do que justificados, porque revelam bases doutrinais, percursos e objetivos diversos. A nossa animação é espiritual. O termo não é limitador, mas qualificante. Não exclui outros aspectos da animação: assume-os todos em perspectiva própria.

Para ser “núcleo animador” é preciso viver a nossa espiritualidade conscientemente, com convicção, e exprimi-la comunitariamente com alegria e imediatismo. Foi expresso no congresso dos jovens religiosos realizado em Roma no mês de setembro de 1997, o sonho de ver canonizados não só “indivíduos”, como também inteiras comunidades religiosas, como um sujeito que viveu solidariamente e de forma exemplar o ideal da vida evangélica. Acrescentava-se que uma carência vocacional está no fato de os jovens perceberem e serem atraídos por modelos “individuais”, por detrás dos quais não existe uma correspondente vida comunitária: santos solitários, em comunidades quase estranhas à sua santidade.

Dom Bosco criou em Valdocco uma escola de espiritualidade que se exprimia no ambiente, no trabalho cotidiano, na tonalidade da fraternidade e na oração: simples na aparência, mas substancial e autêntica. Ele convidou seus jovens e os que quisessem colaborar com ele a caminharem assumindo o mesmo espírito, segundo a própria condição e possibilidade. «Em Valdocco, recorda o CG24, respirava-se um clima especial: a santidade era construída juntamente, partilhada, reciprocamente comunicada, tanto que não se pode explicar a santidade de uns sem a dos outros».27

Construir e gozar do clima de “santidade” partilhada, é um empenho dos consagrados. A comunidade religiosa é lugar de uma experiência de Deus. Tudo foi pensado e predisposto para isso. «A vida espiritual deve ocupar o primeiro lugar no programa das Famílias de vida consagrada… Desta opção prioritária, desenvolvida no compromisso pessoal e comunitário, depende a fecundidade apostólica, a generosidade no amor pelos pobres, a própria atração vocacional sobre as novas gerações».28

O CG23 indicava-o como resposta adequada aos desafios da educação dos jovens à fé. Convidava as comunidades a serem “sinal” de fé, dando transparência evangélica à vida, até chegar a ser escola de fé. A fé, de fato, não pode ser comunicada se não for vivida como o grande recurso da própria existência. «A renovação espiritual e a renovação pastoral são dois aspectos que se compenetram e são interdependentes entre si».29

Ser animadores como comunidade, isto é, como núcleo animador, é levar juntos na ação educativa, compartilhada com outros, o sopro do Espírito capaz de dar sentido à promoção da pessoa e aos esforços de mudança da sociedade: a experiência do amor de Deus, a luz que vem de Cristo, a visão do homem que brota da Palavra de Deus.

É ter, como a comunidade apostólica depois de Pentecostes,30 a capacidade de “sair” em direção aos outros, atrair, reunir, converter, criar comunhão com critérios novos à luz do Cristo ressuscitado. «A primeira tarefa da vida consagrada é tornar visíveis as maravilhas que Deus realiza na frágil humanidade das pessoas chamadas. Mais do que com as palavras, elas testemunham essas maravilhas com a linguagem eloquente de uma existência transfigurada, capaz de suscitar a admiração do mundo».31

A experiência de Deus que está na origem e nas finalidades do nosso projeto de vida deve ser despertada, revivida e aprofundada segundo as características do nosso espírito. De fato, podemos ser levados a reduzir a vida à eficiência, a crer que os vários elementos da nossa vida religiosa existam em função dos resultados educativos. Isso pode levar ao progressivo esvaziamento interior, à dissolvência das motivações mais profundas e, como conseqüência, a certa desilusão ou queda de confiança em nossa intervenção, nos destinatários, na comunidade, nos leigos.

A capacidade de animação espiritual, como deve ser a nossa, supõe e pede a experiência de oração: pessoal, pedida como graça, aprendida e praticada com assiduidade; e comunitária, sentida e partilhada em momentos preparados e tranquilos, livres da pressa e da dispersão.

A oração dá o gosto renovado de estar com Cristo e o sentido da missão. «Assim como o alimento nutre o corpo e o conserva, diria Dom Bosco, assim também as práticas de piedade nutrem a alma e fazem que ela seja forte contra as tentações. Enquanto formos zelosos na observância das práticas de piedade o nosso coração estará em boa harmonia com todos, e veremos o salesiano alegre, e contente da sua vocação».32 Não são, justamente, “o estar em boa harmonia com todos e a figura do salesiano alegre e contente da vocação” as representações mais verdadeiras do animador?

Dois sinais parecem-me importantes na expressão da espiritualidade da comunidade através da oração assídua e de qualidade. O primeiro refere-se à Palavra de Deus a qual aderir e compartilhar quando se trata de iluminar a vida pessoal e comunitária, as situações dos jovens e os desafios da cultura. A Bíblia fala da experiência religiosa da humanidade; as atitudes, as provas e reações daqueles que viveram neste mundo segundo o senso de Deus, ou melhor, em relação de aliança com Ele. É a “história” da espiritualidade vivida no interior dos acontecimentos.

O Evangelho, depois, não só nos oferece os ensinamentos e exemplos de Jesus, como também nos colocam em contato com a sua pessoa e o seu mistério. Só o discernimento evangélico pode dar-nos hoje a mentalidade “cristã” e ajudar-nos a manter a visão de fé, a atitude de esperança e o critério de caridade.

O segundo sinal é a participação dos jovens e dos colaboradores em nossa oração; a nossa capacidade de introduzi-los na oração, fazer com que a apreciem. Não faltam exemplos disso. O caminho iniciado deve ser continuado. Não nos limitemos às celebrações extraordinárias e sugestivas; acompanhemos os jovens no caminho da oração até fazê-la desejar e tornar-se atitude, hábito e necessidade.

Somos frequentemente reconhecidos pelos jovens e colaboradores como trabalhadores e amigos próximos deles, desejosos de seu bem, generosos e disponíveis; mas não aferram as motivações de fundo que movem a nossa vida e constituem a sua originalidade. Por isso não conseguem perceber o valor da vida consagrada, nem se sentem despertados para seguir o nosso caminho, mesmo continuando amigos.

A forma mais apropriada de a comunidade religiosa “animar” é fazer partícipes da experiência de Deus, pôr em ação uma pedagogia de oração, que leve à relação pessoal com o Senhor, aberta à sensibilidade juvenil segundo a nossa espiritualidade.

Além de oferecer experiências ocasionais, como amostragem de envolvimento, somos chamados a ser educadores e mestres de espiritualidade. Se nos parece uma meta ambiciosa, digamos que queremos ser companheiros e testemunhas autorizadas, orientadores, guias no caminho da espiritualidade. Não poucos leigos e jovens desejam uma experiência espiritual. Há neles uma exigência de interioridade e de sentido como contrapeso à exterioridade, ao rumor, à agitação. O CG24 coloca a espiritualidade no centro do nosso esforço de partilha. «Somos chamados a partilhar na FS, com todos os leigos, não somente o cumprimento material do trabalho cotidiano, mas, em primeiro lugar, o espírito salesiano, para nos podermos tornar corresponsáveis pela missão nas obras e para além de suas fronteiras»33. A meta da formação dos leigos e com os leigos é uma santidade compartilhada34 pelo que «a espiritualidade é chamada a ser a alma da CEP, o miolo dos itinerários formativos a serem percorridos juntos, num clima de intercâmbio de dons».35

É a mesma tarefa confiada pela Igreja aos consagrados: «Um renovado empenho de santidade das pessoas consagradas é hoje mais necessário do que nunca, para favorecer e apoiar a tensão de todo cristão à perfeição. As pessoas consagradas, na medida em que aprofundam a própria amizade com Deus, ficam em condições de ajudar os irmãos e irmãs com válidas iniciativas espirituais. O fato de todos serem chamados a tornar-se santos, não pode deixar de estimular ainda mais aqueles que, pela própria opção de vida, têm a missão de recordá-lo aos outros».36

A principal mediação para desenvolver essa missão é a nossa vida cotidiana inspirada na fé, próxima dos jovens e dos leigos, que difunde um estilo de vida por osmose ou contágio; é o ambiente educativo no qual os valores são concretamente realizados, com modelos significativos que atraiam, com propostas que envolvam e motivações que iluminem os comportamentos.

Será necessário, então, acompanhar cada indivíduo, aproveitando os momentos comunitários predispostos à partilha e à comunicação, e estar também disponíveis ao diálogo pessoal. O conjunto exige certamente atenção e intencionalidade.



2.3. Fazer da comunidade salesiana uma “família” capaz de suscitar comunhão ao redor da missão salesiana



Insistiu-se com frequência que a comunidade responde não somente a propósitos de perfeição religiosa e eficácia no trabalho, mas também aos profundos desejos e aspirações da pessoa: relações autênticas e profundas, comunicação, valorização pessoal, amizade e afeto.

Sente-se a necessidade e experimenta-se o fascínio de uma fraternidade autêntica e adulta. Embora tenhamos a oportunidade de variadas distensões individuais e não nos faltem hoje companheiros informáticos, o encontro pessoal, a experiência da amizade, a partilha de sentimentos e de situações continuam “únicos”.

Experimenta-se a dificuldade de comunicar em profundidade, e, portanto, um senso de isolamento e de solidão, na sociedade da comunicação que continua de “massa”, mesmo quando individualizada no que se refere aos equipamentos.

Isso é particularmente percebido entre os jovens e no âmbito de uma religiosidade marcada pelo subjetivismo e voltada à satisfação imediata do sentimento. Escutam-se com gosto os relatos pessoais, procuram-se ocasiões de acolher e ser acolhidos gratuitamente, sem condições e normas rígidas; escolhem-se relações humanas capazes de fazer-nos sentir livres e ajudar a exprimir-nos; participamos de grupos entre os quais possamos sentir-nos bem e criamos solidariedade através da comunicação de propósitos, desejos, realizações.

O que torna significativas as associações e as comunidades religiosas, a sua força de atração, não está tanto no que possuem e fazem, nas obras e no trabalho, quanto naquilo que vivem, em seu estilo de relações, em sua unidade.

É o impacto produzido pelas primeiras comunidades cristãs. O sinal externo da novidade da Ressurreição, imediatamente compreensível, também para quem não conhecia o conteúdo da fé, era a solidariedade do grupo concorde e constante «no ensino dos apóstolos e na comunhão fraterna, na fração do pão e na oração»; que «tinham tudo em comum» e não havia diferença entre os membros. O poder de convicção emanado atraía a estima do povo e tornava o grupo confiável, apetecível. E o Senhor (quase como uma conseqüência!) «a cada dia aumentava a comunidade com aqueles que iam sendo salvos».37

Também para Dom Bosco, a caridade fraterna, manifestada no espírito de família, era o sinal imediato que os salesianos deviam oferecer aos jovens, aos colaboradores e ao povo. «Amai-vos, aconselhai-vos e corrigi-vos mutuamente, mas não haja nunca entre vós inveja nem rancor; antes, o bem de um seja o bem de todos; as penas e os sofrimentos de um considerem-se como penas e sofrimentos de todos, e procure cada um afastá-los ou ao menos minorá-los».38

As Constituições recolheram abundantemente o pensamento do nosso Pai em suas duas acentuações: o estilo comunitário e o seu impacto sobre os jovens. A tonalidade da nossa vida comunitária é apresentada, entre outros, pelo artigo 51: «A comunidade salesiana se caracteriza pelo espírito de família que anima todos os momentos de sua vida: trabalho e oração, refeições e tempos de lazer, encontros e reuniões. Em clima de fraterna amizade comunicamo-nos alegrias e dores, e partilhamos corresponsavelmente experiências e projetos apostólicos». O artigo 16 recorda-nos a outra acentuação, que acena ao efeito educativo e vocacional que tanto nos interessa: «Esse testemunho desperta nos jovens o desejo de conhecer e seguir a vocação salesiana».

Quando nos perguntamos como fazer na situação atual para caminhar em vista desse “ideal”, e exprimi-lo com transparência, vem-nos à mente a “graça de unidade” que leva a nós salesianos a cultivar, de forma simultânea e concorde, as três instâncias: consagração, missão, fraternidade,39 dando a cada uma o seu peso e fundindo-as em estilo de vida e projeto de ação.

O primeiro é justamente a vida fraterna, que supõe predispor tempos e dedicar energias para cultivar e tornar visível a comunhão como um dom a ser oferecido aos jovens; supõe a ascese que nos amadurece na capacidade de amar, a experiência que nos prepara a uma relação madura com os colaboradores. São muitas as atitudes e as manifestações dessa fraternidade. «As comunidade de fato retomam cotidianamente o caminho, apoiadas pelo ensinamento dos apóstolos: “amai-vos uns aos outros com amor fraterno, rivalizai na estima recíproca” (Rm 12,10); “tende entre vós o espírito de concórdia” (Rm 12,16); “acolhei-vos por isso uns aos outros como Cristo vos acolheu” (Rm 15,7); “aconselhai-vos reciprocamente” (Rm 15,14); “esperai uns pelos outros” (1Cor 11,33); “pela caridade, ponde-vos a serviço uns dos outros” (Gl 5,13); “reanimai-vos reciprocamente” (1Ts 5,11); “suportando-vos uns aos outros com amor” (Ef 4,2); “sede antes bondosos e misericordiosos uns para com os outros, perdoando-vos mutuamente” (Ef 4,32); “sede submissos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5,21); “orai uns pelos outros” (Tg 5,16); “revesti-vos todos de humildade no trato mútuo” (1Pd 5,5); “estamos em comunhão uns com os outros” (1Jo 1,7); “não desanimemos em fazer o bem, principalmente a nossos irmãos na fé” (Gl 6,9-10)».40 Detenho-me em dois elementos que se manifestam atualmente: as relações interpessoais e a comunicação.

As relações são uma das provas de maturidade da pessoa: talvez, até mesmo, o principal dos parâmetros, em que se refletem as qualidades e limites de cada um. A sua qualidade, o modo de estabelecê-las e administrá-las manifestam até que ponto o amor, primeira energia e primeiro mandamento, caminhou em nós e até que ponto aprendemos a manifestá-lo.

Por isso, damos hoje uma atenção especial às relações no trabalho e na formação: não apenas do ponto de vista formal, mas olhando o aspecto interior e substancial. São necessárias, na vida fraterna, relações que superem o cansaço e o hábito para que sejam renovadas e não se interrompam porque somos capazes de reconciliação cotidiana. Insiste-se que sejam interiores e profundas, não só funcionais ao trabalho, mas tais que amadureçam em amizade até o crescimento no Senhor e a solidariedade na missão; sobretudo, que sejam inspiradas na oblatividade e na doação e não centradas na própria pessoa ou nos próprios fins.

É uma avaliação corrente dos observadores de grupos e comunidades que a maior parte das dificuldades internas, que parecem de trabalho ou de ideias, estão ligadas no fundo a problemas de relações interpessoais mal colocadas, que têm no trabalho ou nas ideias o seu campo de desencontro.

Por outro lado, as relações desagradáveis, as situações de conflito não sanadas oportunamente com a reconciliação, agem no interior da pessoa bloqueando o processo de amadurecimento e criando dificuldades à mesma doação serena e alegre à missão e a Deus. A tristeza e a insatisfação que daí podem derivar são danosas em todos os sentidos. As amarguras internas desgastam. É um grande serviço ajudar a dissolvê-las, esclarecer as raízes, assumi-las como limites pessoais e enfrentá-las com calma, sem permanecer fixado nelas.

É necessário educar-se e educar os indivíduos às relações, também com a palavra, o apoio, o encorajamento. É necessário animar as relações, criando oportunidades para que possam exprimir-se e crescer. É um aspecto da caridade de todos, particularmente do Diretor e do Inspetor, com que se constrói a união da comunidade.

Ninguém pode esperar só receber na comunidade, como se fosse um ambiente já pré-fabricado e independente da própria contribuição. Por outro lado, é preciso suprir as eventuais carências de alguns com a maior capacidade de doação por parte dos outros. Existem sempre nas comunidades limites de comunicação, timidez, preocupações excessivas que entravam a familiaridade. O Senhor compensa tais limites com irmãos que estão dispostos a dar um pouco mais de conversa, de proximidade, de união e de alegria para que não se abaixe o nível de vida da comunidade no que se refere ao afeto recíproco e ao ambiente familiar. «A fraternidade rica de alegria é um verdadeiro dom do Alto aos irmãos que sabem pedi-lo e que sabem aceitá-lo empenhando-se na vida fraterna com confiança na ação do Espírito».41

Este comentário pode parecer não habitual numa circular, muito particular, quase técnico. Ele foi-me sugerido pelo documento A vida fraterna em comunidade quando afirma: «Parece útil mencionar as qualidades exigidas em todas as relações humanas: educação, gentileza, sinceridade, controle de si, senso de humorismo e espírito de partilha».42 Foi-me também sugerido pelo CG24 que fala da nossa espiritualidade relacional: espiritualidade que não só ama com caridade interior, mas, como Dom Bosco já ensinara a respeito do trato com os meninos, sabe entabular relações adultas de acordo com o ambiente de vida e as sensibilidades atuais. Foi-me sugerido ainda pela importância que têm hoje as relações, erigidas quase a objeto de estudo e treinamento em todos os campos do agir humano. Inspirou-me enfim o pensamento de São Francisco de Sales, em quem a “doçura” traduzia-se na quantidade e na qualidade das relações pessoais até constituir um traço distintivo.

A espiritualidade relacional tem a caridade como fonte, que se torna capaz e disponível a criar, sanar, restabelecer e multiplicar relações. Essa caridade é “pastoral” quando exercida no ministério de dirigir e orientar uma comunidade eclesial.

Além das relações e incluída em sua dinâmica há a comunicação. Deseja-se atualmente que nas comunidades ela não se limite ao funcional, mas alcance a experiência vocacional; que se faça intercâmbio não só das notícias de jornal ou dos dados de trabalho, como também das avaliações, exigências, intuições que se referem à nossa vida em Cristo e à nossa forma de compreender o carisma. A isso tendem a revisão de vida, a revisão da comunidade, o intercâmbio na oração, o discernimento das situações, projetos e acontecimentos.

O tempo atual tornou a comunicação necessária nas comunidades religiosas e modificou seus critérios e modalidades: ela tornou-se mais solta e distribuída. A complexidade da vida exige que nos confrontemos sobre tendências, critérios e acontecimentos de família e sobre fatos externos: ou conseguimos compreendê-los e interpretá-los à luz do evangelho, ou ficamos fora da vida e do movimento do mundo.

Torna-se necessário o hábito de avaliar, como também a elaboração dos critérios comuns de avaliação, o que exige frequentemente um caminho que comporta explorações e provas. Devemos estar dispostos a exprimir-nos com simplicidade, a mostrar-nos prontos a modificar juízos e posições, mesmo só com a finalidade de convergência fraterna e operativa: mediar serve sempre à comunidade, quando os valores essenciais não são comprometidos.

A comunicação é necessária, ainda, pelo pluralismo positivo de visões e dons existentes na comunidade: existem riquezas de inteligência, de espírito, de fantasia, de competências práticas a comunicar. Além disso, são muitos os temas sobre os quais comunicar com proveito na vida consagrada: o projeto apostólico, a experiência espiritual, os desafios da missão, as orientações da Congregação, as tendências da Igreja.

A comunicação exige aprendizado, prática e também animação. Digamos aprendizagem espiritual, mais ainda do que técnica. Expomo-nos quando comunicamos em determinados níveis. Há certo pudor a superar, pelo qual não queremos falar de nós mesmos; há também a confiança no outro a consolidar, que me garante que ele acolherá com maturidade e positivamente aquilo que eu digo.

A experiência diz que nem todos têm a coragem de fazer isso. É preciso aprendizagem também para receber a comunicação sem julgar a pessoa, sem colocá-la numa posição definitiva em base àquilo que expressou, sem diminuir a estima e as expectativas pelas diferenças de visão.

Além do aprendizado é preciso a prática. A capacidade de comunicação quando negligenciada, enferruja. Perde-se o seu gosto e o seu exercício. A prática leva à compreensão e ao uso das diversas linguagens adequadas às situações, que vão de gestos e atitudes a colóquios calmos e prolongados. Tudo inspirado na caridade, não no cálculo técnico. Recordem-se de Dom Bosco colocando a mão na cabeça dos jovens, a sua capacidade de sorrir, de dizer uma palavra ao ouvido, dar o boa-noite, manter um diálogo como fez com Domingos Sávio, pedir pareceres, discutir. É o esforço, tão típico do Sistema Preventivo, de tornar o afeto expressivo, de libertá-lo da atitude genérica ou fechada na fria interioridade. É preciso também, na prática da comunicação, aprender o valor do silêncio ativo e a capacidade da solidão. São esses os aspectos quase “banidos” da “Babel” das conversações, comunicados, músicas, festivais e rumores.

Uma comunicação válida é sempre preparada e regulada pela reflexão, medida e capacidade de “retirar-se”.

É preciso, então, a aprendizagem e a prática de cada um, mas é preciso também animação da parte de quem dirige para criar o clima adequado à comunicação serena e desenvolta. Dar oportunidade de comunicar, ter um estilo de direção em que seja fácil exprimir opiniões, pedir e provocar essas opiniões, gozar da multiplicidade de contribuições, fazer entender que a pessoa não será prejudicada pelo que diz num momento de confronto.

Além da atenção à vida fraterna, para qualificar a experiência comunitária, deve ser melhorada a nossa forma de trabalho em comum. A comunidade religiosa é o lugar onde acontece a passagem do eu ao nós, do meu trabalho ou setor à nossa missão, da busca dos meus objetivos e meios à convergência na evangelização e no bem dos jovens. Isso exige um tirocínio paciente para superar o que nos enclausura ou nos separa por causa da concepção individualista do trabalho e da autonomia não regulada nas iniciativas, e que nos torna pouco disponíveis a construir com os outros. Muitas iniciativas poderiam ser potencializadas só com a união daquelas que são semelhantes e justapostas, a ligação com as que são complementares e fazendo convergir tempos e pessoas em determinadas áreas.

As Constituições e os Regulamentos dão oportunidades de entendimento, coordenação e convergência. Conselhos e assembleias comunitárias tendem a dar-nos uma leitura comum das situações à luz do evangelho e da nossa vocação original, a projetar de forma solidária os grandes aspectos da pastoral como, por exemplo, a orientação da educação dos jovens à fé ou a formação dos leigos.

O dia semanal da comunidade ofereceu nova oportunidade de um intercâmbio útil.

Num tempo em que se tende a coligações, sinergias e redes, devemos aprender que a fragmentação e os compartimentos estanques não retribuem e não nos formam como homens de comunhão. Convém que haja momentos de programação e orientação comum nas comunidades às quais são confiados diversos setores com alguma exigência ou rotina de autonomia.

Desde o início, a comunidade salesiana viveu com os jovens, participando plenamente de sua vida e vice-versa: os jovens participaram das jornadas dos salesianos. Hoje, muitos jovens e leigos desejam “ver” e “participar” da nossa vida fraterna e participar do trabalho conosco. A nossa vida comunitária deve, pois, ser estruturada de tal modo que seja possível rezar com os jovens, compartilhar momentos de fraternidade e de programação com os leigos colaboradores e até mesmo acolher alguns desses jovens e leigos para uma experiência temporária de vida comunitária.



2.4. Dar o dinamismo missionário do “Da mihi animas” à ação educativa, nossa e da CEP.



A pedagogia amadurecida por Dom Bosco e transmitida aos seus primeiros salesianos nasce da caridade pastoral, capaz de compreender e ter compaixão das situações dos jovens e criar iniciativas adequadas para ir ao encontro deles. Não se trata só de trabalhar pelos jovens, estar com eles, gastar as energias por eles. Por baixo disso existe um desejo: levá-los à fé em Cristo caminho, verdade e vida, sendo testemunhas e sinais do seu amor. É a experiência fundamental, que manifesta a originalidade da espiritualidade salesiana. O CG23 exprimiu-o num texto que alguns chamaram de “credo salesiano”.43

É a experiência que devemos comunicar e ajudar os colaboradores a viverem, animando um estilo pedagógico que coloque no centro a relação pessoal entre educador e jovem. Aprofundando-se até à confidência, essa relação será uma oportunidade de revelar a predileção de Jesus Cristo por cada um dos jovens.

Procuraremos criar um clima de família,44 rico de propostas e iniciativas em todo o front dos interesses e urgências dos jovens, que suscite a participação deles e os envolva na própria formação; clima que tem suas expressões maiores nas celebrações que introduzem no mistério da vida e da graça no qual se adverte a força transformadora dos sacramentos, sobretudo da Reconciliação e da Eucaristia.

Somos chamados a ser memória e estímulo desse estilo e programa. Devemos manifestar com serenidade, mas também com coragem missionária, que a fé em Jesus Cristo traz à educação uma luz e uma energia novas: é a imagem do homem que se revela em Jesus, a confiança na vida que a Ressurreição nos transmite, a consciência da relação filial com Deus, o horizonte da transcendência, a revelação do amor como segredo para a realização da pessoa e da civilização.

A nossa vida é profecia no âmbito da educação; ela manifesta o sentido e a meta em que são chamados a desenvolver-se os valores humanos: a força libertadora da relação pessoal com Deus, a fecundidade histórica das bem-aventuranças, a capacidade de valorizar a pessoa e os grupos dos mais pobres e excluídos, que são abandonados pelos outros.

Testemunhamos, num contexto tentado a prescindir de Deus, que o seu amor dá lucidez e felicidade insólitas; diante da busca do prazer, da posse e do poder, conseguimos dizer que «a necessidade de amar, a ânsia de possuir e a liberdade de decidir da própria existência adquirem em Cristo Salvador o sentido supremo».45

Se o nosso trabalho na educação não é “suplência” de serviço, mas contribuição original, devemos «introduzir no horizonte educacional o testemunho radical dos bens do Reino, propostos a cada homem enquanto aguarda o encontro definitivo com o Senhor da história».46 Diga-se que a isso tende todo o nosso esforço de preparação, que tem certamente uma dimensão profissional, mas fermentada e motivada por outra mais profunda que é a pastoral. Não se deve diminuir esta última, nem fazer da primeira um compartimento estanque. Nós educamos evangelizando.

«Pela sua especial consagração, recorda-nos Vita Consecrata, pela peculiar experiência dos dons do Espírito, pela escuta assídua da Palavra e o exercício do discernimento, pelo rico patrimônio de tradições educativas acumulado ao longo da história pelo próprio Instituto, pelo conhecimento profundo da verdade espiritual (cf. Ef 1,7), as pessoas consagradas são capazes de desenvolver uma ação educativa particularmente eficaz, oferecendo uma contribuição específica para as iniciativas dos outros educadores e educadoras».47 E acrescenta: «podem dessa forma dar vida a ambientes educativos permeados pelo espírito evangélico de liberdade e de caridade, onde os jovens são ajudados a crescer em humanidade sob a guia do Espírito».48

Hoje, o serviço educativo é exigido e revalorizado sobretudo com a extensão da formação à existência toda, mas também com uma visão que vai superando decididamente a tentação “unidimensional” para assumir a integridade da pessoa e levar em consideração o caráter singular de cada um.

Pede-se, então, ao serviço educativo que “assista” cada pessoa no desenvolvimento de todas as suas capacidades, comunique uma visão de vida aberta ao próximo, gere em cada um a capacidade de viver na liberdade e na verdade segundo a própria consciência iluminada pela experiência e pela fé.

Somos, como comunidade religiosa, núcleo animador de um conjunto de educadores que entendem comunicar esses valores e propor essa visão de vida.

A tarefa supõe que nós mesmos nos esforcemos para ser:

pessoas capazes de viver a própria vida com confiança e alegria, com atitudes de compreensão e diálogo com os jovens e o seu mundo, com atenção à cultura, com vontade de colaboração com todos os que trabalham por um mundo mais justo, livre e solidário;

educadores competentes, que fazem do próprio serviço aos jovens e aos pobres um empenho pelo Reino; a boa vontade não basta para animar uma comunidade educativa e outras forças apostólicas; a improvisação não compensa quando se trata de promover cristãmente um ambiente a longo prazo;

animadores dispostos a compartilhar com os colaboradores leigos os caminhos formativos49 na vida de cada dia, nos momentos comunitários de particular peso formativo, devidamente preparados e qualificados, como a elaboração do PEPS, a revisão da CEP, o discernimento diante de situações concretas e similares;

dirigentes que interiorizaram o valor da participação e corresponsabilidade e sabem animar criando e renovando as modalidades oportunas;

salesianos que manifestam uma sensibilidade especial pela educação dos mais pobres e se tornam promotores de uma cultura de solidariedade e de paz: essa sensibilidade constitui um dos sinais evangélicos mais significativos e é capaz de convocar muitas pessoas.



2.5. Vida fraterna e trabalho pastoral para crescer.



Vida fraterna (relações e comunicação) e boa organização do trabalho ajudam não só a sentir-se bem, como também a crescer; enriquecem do ponto de vista cultural, psicológico e social, e sobretudo espiritual.

Há um crescimento cultural, porque escutando os outros e colaborando com eles recebemos informações, visões, dados e leituras de variadas realidades. Hoje são buscadas e consideram-se indispensáveis as relações e a comunicação com pessoas competentes. Existem dessas pessoas também entre os irmãos que vivem em nossas comunidades, ou melhor, provavelmente cada um terá uma competência a oferecer-nos. Existem delas entre os leigos.

Há um crescimento psicológico, porque se desenvolvem a afetividade, a capacidade de acolhida de pessoas e mentalidades diversas, adquire-se maior capacidade de doação, de superar frustrações e bloqueios internos, fixações sobre nós mesmos e em nosso sucesso.

Há um crescimento social, porque se reforça a capacidade de inserção em grupos de trabalho, em equipes de participação e em ambientes variados, com liberdade e sinceridade; domina-se a ansiedade social, aquele primeiro sentimento de estranheza e desconforto que nos assalta quando nos encontramos num contexto ou grupo desconhecido e pouco familiar.

Finalmente e no vértice, dá-se um crescimento espiritual, ou total, porque as atitudes e hábitos indicados acima se inserem no esforço de resposta ao Senhor, de acordo com o carisma, e na qualificação para a realização da missão.

As experiências de formação permanente feitas longe da própria comunidade produzem alguns benefícios, como o repensamento, uma nova síntese, a atualização doutrinal, o entusiasmo vocacional renovado; mas, quando nos inserimos de novo na comunidade e no cotidiano, a visão renovada da vida e do trabalho, entrevista em condições extraordinárias de tempo e de ambiente, é traduzida com dificuldade na prática. Os ritmos habituais levam vantagem e o contexto humano “ordinário” e comum dilui as experiências exemplares de oração, de intercâmbio, de estudo. O curso de formação permanente fica dessa forma “isolado” no decorrer da vida, embora sejam inegáveis os seus efeitos benéficos sobre ela.

Introduziram-se então quatro variações no conceito de formação permanente, confirmadas pelas ciências da Formação. Referem-se ao lugar, ao tempo, à matéria e à metodologia.

O lugar preferencial da formação permanente é a comunidade local. É a mais real, porque é ali que se aprende a administrar a vida e reagir como religioso salesiano diante da cotidianidade.

O tempo mais adequado e continuado para a formação permanente é aquele marcado pela alternância de trabalho, estudo, confronto, encontro com pessoas. O tempo espaçado é útil como retomada e apoio.

A matéria ou conteúdos: é, certamente, útil uma exposição sistemática sobre a Igreja, Jesus Cristo, a comunidade, porque motiva, ilumina e reorienta. Tudo isso, porém, é encontrado como que distribuído, fragmentado e quase diluído no cotidiano. A comunidade, em que se deve conseguir ler em termos reais o que foi explicado, é aquela em que se vive ombro a ombro com os irmãos que têm as suas ideias, são marcados por um passado pessoal, têm alguns limites, embora tenham também tanta riqueza que é preciso saber descobrir e acolher.

Pode-se dizer o mesmo da eclesiologia escutada, da pastoral juvenil esclarecida, do Sistema Preventivo aprofundado: são quadros de referência úteis porque iluminantes. Eles, porém, devem ser levados depois ao concreto particular da comunidade eclesial e às suas condições, ao campo de trabalho pastoral e aos jovens que nele se encontram, ao ambiente salesiano em que o Sistema Preventivo escutado deveria ser aplicado. Esta, isto é, a maneira concreta de aplicar visões, quadros de referência ou tratados em casos particulares, é a matéria própria da formação permanente que se dá na comunidade local. Ali, nós a submetemos à reflexão e revisão para ver qual é a nossa resposta atual às exigências da vocação e do trabalho. Diria que a formação permanente reproduz mais o modelo do tirocínio bem feito do que o do estudantado.

Por último, mas relacionado a quanto foi dito anteriormente, deve-se acenar ao meio ou caminho mais eficaz para a formação contínua: há certamente a leitura, o estudo, a atenção à vida espiritual, a atualização teológica. Tanto o artigo 119 das Constituições como o artigo 99 dos Regulamentos acenam à comunicação fraterna: escutar-se com calma, observar e sintetizar cuidadosamente, elaborar avaliações e critérios, tomar algumas direções refletidas. Isso certamente deve ser consolidado e relançado com os assim chamados “tempos fortes” e o hábito pessoal de reflexão.

Relações, comunicação e trabalho programado satisfazem, portanto, processos de formação e crescimento. Atualmente nem todos entendem isso. Não se culpa ninguém porque na práxis formativa anterior a comunicação não tinha nem o peso nem as possibilidades atuais. Enquanto não culpamos ninguém, devemos saber criar e multiplicar as oportunidades de comunicação, colocar a questão das relações como tema, estar conscientes da plataforma exigida e preocupar-se com ela como prática da caridade pastoral para com irmãos e comunidade.



3. Conclusão



Concluo esta carta na festa da Anunciação, há dois anos da publicação da Exortação Apostólica Vita Consecrata. A vida comunitária quer ser um ensaio da vida trinitária como é possível ao homem; uma relação de amor que gera a unidade em que as distinções se exprimem, somam e fundem. Apresenta-se como um sinal e uma relação exemplares da comunhão eclesial. Pela multíplice graça que comporta, pelo apoio dos irmãos, pelos bens que nela circulam, pela ascética que exige é uma via que nos leva ao amor purificado e autêntico.

Maria exprime as três manifestações máximas desse amor, que a humanidade conhece e expressamos com três títulos: Virgem, Esposa, Mãe. Essa é a sua relação com Deus; essas as dimensões segundo as quais é ícone da Igreja. Estamos certos, de acordo com as palavras de Dom Bosco, que Ela participa das nossas comunidades como fez com os discípulos de Jesus em Caná e no Cenáculo. Contemplá-la e invocá-la servirá também à nossa comunhão.

São estes os votos que faço a cada comunidade e a cada irmão, para expressar com eficácia, com a ajuda de Maria, toda a riqueza da comunhão que é fruto da Páscoa do Senhor.



P. Juan E. Vecchi

Reitor-Mor





1 “Religiosos e Promoção humana” 24, in A vida fraterna em comunidade n. 10.

2 África Tropical Equatorial (ATE) e África Ocidental de Língua Francesa (AFO).

3 Cf. CG23.

4 Cf. CG24.

5 C 59.

6 Cf. C 59.

7 Cf. A vida fraterna em comunidade, “Congregavit nos in unum Christi amor”, Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica, Roma, 2 de fevereiro de 1994.

8 R 5.

9 Cf. Braido, P., Il progetto operativo di Don Bosco e l’utopia della società cristiana. LAS Roma 1982, pág. 11.

10 A vida fraterna em comunidade, n. 3.

11 Jo 13,34-35.

12 Cf. C 51.

13 Ib.

14 Mc 3,13-15.

15 Jo 17,21.

16 Ib.

17 Cf. Carta de 1884.

18 Bosco G., Regulamento para os Cooperadores, transcrito in Regulamento de Vida apostólica, pág. 87.

19 C 49.

20 Cf. C SDB 44; C FMA 51.

21 Cf. C 44.

22 C 5.

23 C 47.

24 Cf. CG24 236.

25 Cf. CG24 159.

26 Ib.

27 CG24 104.

28 VC 93.

29 Cf. CG23 216-217.

30 Cf. At 2,1ss.

31 VC 20.

32 Regras e Constituições da Sociedade de São Francisco de Sales. Introdução. Turim 1885.

33 CG24 88.

34 Cf. CG24 104.

35 CG24 241.

36 VC 39.

37 Cf. At 2,42-47.

38 Dom Bosco, Lembranças aos primeiros missionários.

39 Cf. C 3

40 A vida fraterna em comunidade, 26.

41 A vida fraterna em comunidade, 28.

42 A vida fraterna em comunidade, 27.

43 Cf. CG23 94-96.

44 Cf. CG24 91s.

45 C 62.

46 VC 96.

47 Ib.

48 Ib.

49 Cf. CG24 144.

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