351-400|pt|400 Eduquemos com o coração de Dom Bosco

EDUQUEMOS COM O CORAÇÃO DE DOM BOSCO


1. Educar com o coração de Dom Bosco

1.1. Vocação e caminho de santificação, 1.2. Amor preveniente, 1.3. A linguagem do coração

2. Cuidar do desenvolvimento integral dos jovens

2.1. Confiança compartilhada na educação, 2.2. Partir dos últimos

2.3. Uma nova educação. 2.3.1. Complexidade e liberdade, 2.3.2. Subjetividade e verdade, 2.3.3. Proveito individual e solidariedade

2.4. Amadurecimento da fé dos jovens neste contexto

2.5. Resposta da Família Salesiana. 2.5.1. Retorno aos jovens com maior qualidade, 2.5.2. Relançamento do "honesto cidadão", 2.5.3. Relançamento do "bom cristão"

3. Promover os direitos humanos, particularmente dos menores

3.1. Direitos humanos e dignidade da pessoa, 3.2. Missão salesiana e direitos dos jovens, 3.3. Tentemos apresentar os mesmos conceitos com a linguagem dos direitos humanos, 3.4. Educar-nos e educar para a transformação de toda pessoa e de toda a sociedade: em vista do desenvolvimento humano, 3.5. Um texto que Dom Bosco estaria pronto a subscrever:

À moda de conclusão


«O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa-Nova aos pobres: enviou-me para proclamar a libertação aos prisioneiros e, aos cegos, a recuperação da vista; para dar liberdade aos oprimidos e proclamar um ano de graça da parte do Senhor» (Lc 4, 18-19)



Caríssimos irmãos e irmãs da Família Salesiana,


ao final de 2007, que nos viu empenhados em favor da vida, à imitação do nosso Deus "amante da vida", e no limiar de 2008, que se abre diante de nós como um "ano de graça do Senhor", dirijo-me a todos com o coração de Dom Bosco.

Apresento-lhes a nova Estréia, com o programa espiritual e pastoral para 2008. Como puderam ver pelo título e pelos conteúdos que lhes dei a conhecer antecipadamente, gostaria de colocar a minha atenção não tanto sobre os destinatários da obra educativa, mas diretamente sobre vocês, caros educadores e educadoras, que se sentem, como Jesus, consagrados e enviados pelo Espírito do Senhor a evangelizar, libertar das escravidões, dar novamente a vista e oferecer um ano de graça àqueles aos quais se dirige a sua obra educativa (cf. Lc 4,18-19). A Estréia 2008 é, pois, explicitamente endereçada aos membros das Comunidades Educativas e Pastorais, às Comunidades educadoras, aos Conselhos Pastorais etc. na vasta área da Família Salesiana. Ela pretende ser um apelo a reforçar a nossa identidade de educadores, a iluminar a proposta educativa salesiana, a aprofundar o método educativo, a iluminar o horizonte da nossa missão, a nos conscientizar do declínio social do fato educativo.

Fomos chamados precisamente para essa missão. O texto do Evangelho de Lucas, que escolhi para apresentar a Estréia, define a nossa vocação de educadores segundo o estilo de Dom Bosco. Esses versículos foram escolhidos não por acaso, nas Constituições dos Salesianos, como citação bíblica inspiradora do "nosso serviço educativo-pastoral".

Jesus, no início da sua vida pública, reconhece no texto do profeta Isaias lido na sinagoga de Nazaré, a sua missão messiânica e afirma, diante dos seus concidadãos: «Hoje se cumpriu esta passagem da escritura, que acabastes de ouvir» (Lc 4,21).

Este "hoje" de Jesus continua em nossa missão educativa. Fomos consagrados com a unção do Espírito, mediante o Batismo, e fomos enviados aos jovens a anunciar a novidade da vida que Cristo nos oferece, a promovê-la e desenvolvê-la através de uma educação que liberte os jovens e os pobres de toda forma de opressão e marginalização. As situações de marginalização impedem-lhes de buscar a verdade, abrir-se à esperança, viver com sentido e alegria, construir a própria liberdade.

A Estréia de 2008 põe-nos em continuidade com as Estréias dos dois últimos anos. A vida é um grande dom que Deus nos confiou como "semente", para que colaboremos com Ele a fim de fazê-la crescer e frutificar em abundância. A semente precisa "cair em terreno bom", no qual possa germinar e produzir frutos; esse terreno é a família, berço da vida e do amor, lugar primário de humanização. Ela acolhe com alegria e gratidão o dom da vida e oferece o ambiente natural propício ao seu crescimento e desenvolvimento. Entretanto, como acontece com a semente, não basta um terreno bom; exigem-se os esforços pacientes e laboriosos do agricultor que a irriga, preocupa-se com ela e a ajuda a crescer. O educador é esse agricultor que ajuda o desenvolvimento da vida. Dom Bosco assim dizia sobre isso: «Assim como não há terreno ingrato e estéril que não se possa finalmente fazer frutificar através de longa paciência, o mesmo acontece com o homem: verdadeira terra moral que, porquanto estéril e arredia, não deixa de produzir, imediatamente ou mais tarde, pensamentos honestos e, depois, atos virtuosos, quando um diretor (o educador) com orações ardentes acrescenta os seus esforços à mão de Deus no cultivá-la e torná-la fecunda e bela» (MB V, 367).

Creio oportuno repetir aqui o que já disse em outra ocasião. A Estréia deste ano não quer propor um novo tema, como se os dos anos anteriores estivessem definitivamente concluídos ou postos de lado. Estou convencido de que o trabalho educativo-pastoral não pode ser compreendido e realizado episodicamente, como pirotecnia; ele é como um trabalho de agricultura, que exige longos tempos, intervenções miradas, cuidado atento e, sobretudo, grande dedicação e amor. Neste caso, trata-se da melhor agricultura: a cultura, ou seja, o cultivo do homem e da mulher. Dessa forma, o tema escolhido este ano está justamente em continuidade com o da família e o da vida.

Eis, portanto a Estréia de 2008:


Eduquemos com o coração de Dom Bosco,
visando o desenvolvimento integral da vida dos jovens,
sobretudo dos mais pobres e necessitados,
promovendo os seus direitos.


Ao iniciar o comentário deste programa espiritual e pastoral anual, que é a Estréia, recordo-lhes o significativo apelo dirigido a nós salesianos pelo P. Duvallet, colaborador do Abbé Pierre por vinte anos no apostolado de reeducação dos jovens: «Tendes obras, colégios, oratórios para os jovens, mas só tendes um tesouro: a pedagogia de Dom Bosco. Num mundo em que os jovens são traídos, dissecados, triturados, instrumentalizados, o Senhor confiou-vos uma pedagogia em que triunfa o respeito pelo jovem, pela sua grandeza e pela sua fragilidade, pela sua dignidade de filho de Deus. Conservai-a, renovai-a, rejuvenescei-a, enriquecei-a de todas as descobertas modernas, adaptai-a a essas criaturas do vigésimo século e aos seus dramas, que Dom Bosco não pôde conhecer. Mas, por caridade, conservai-a! Mudai tudo, perdei as vossas casas se é o caso, mas conservai este tesouro, construindo em milhares de corações a maneira de amar e de salvar os jovens, que é a herança de Dom Bosco».1

Dificilmente poderíamos encontrar um apelo mais crucial do que este. Conscientes da grandeza da nossa vocação de educadores e do dom que recebemos na pedagogia de Dom Bosco, verdadeira "pedagogia do coração", queremos empenhar-nos para que as palavras proféticas deste testemunho eloqüente seja hoje uma realidade.

Em concreto, a Estréia quer focalizar:

  • o tema da pedagogia salesiana e do Sistema Preventivo como resposta à necessidade de aprofundamento e formação de nós educadores, para não dispersar a sua riqueza;

  • a contribuição válida que podemos oferecer, através da educação, para enfrentar os imensos desafios da vida e da família;

  • a promoção dos direitos humanos, particularmente os direitos dos menores, como caminho de inserção positiva do nosso trabalho educativo em todas as culturas.


1. Educar com o coração de Dom Bosco


Educar com o coração de Dom Bosco significa, para o educador, cultivar antes, e fazer brotar depois, do interior do próprio coração "razão, religião, bondade", fazendo da bondade a ponta de diamante, a atuação prática daquilo que é proposto pela religião e a razão. Trata-se de viver o Sistema Preventivo, que é caridade que sabe fazer-se amar (Const. SDB 20), com uma renovada presença entre os jovens, feita de proximidade afetiva e efetiva, de participação, acompanhamento e animação, de testemunho e proposta vocacional, no estilo da assistência salesiana. Ocorre uma opção renovada, sobretudo em favor dos jovens mais pobres e em situação de risco, individuando suas situações de insatisfação visível ou oculta, apostando nos recursos positivos de todo jovem, também o mais arruinado pela vida, empenhando-se totalmente na sua educação.

"O amor de Dom Bosco por esses jovens era feito de gestos concretos e oportunos. Ele interessava-se pela sua vida inteira, reconhecendo suas necessidades mais urgentes e intuindo as mais encobertas. Afirmar que o seu coração era entregue inteiramente aos jovens, significa dizer que toda a sua pessoa, inteligência, coração, vontade, força física, todo o seu ser estava orientado a fazer-lhes o bem, a promover o seu crescimento integral, a desejar a sua salvação eterna. Ser homem de coração significava, então, para Dom Bosco ser totalmente consagrado ao bem dos seus jovens e entregar-lhes todas as suas energias, até o último respiro!".2

Para compreender a renomada expressão de Dom Bosco: "a educação é coisa do coração e só Deus é o seu dono" (MB XVI, 447)3 e para entender portanto o Sistema Preventivo, parece-me importante ouvir um dos mais reconhecidos especialistas do Santo educador: "A pedagogia de Dom Bosco identifica-se com toda a sua ação; e toda a ação com a sua personalidade; e, em definitivo, Dom Bosco é colhido inteiramente no seu coração".4 Eis a sua grandeza e o segredo do seu sucesso como educador: Dom Bosco soube harmonizar autoridade e doçura, amor de Deus e amor dos jovens.


1.1. Vocação e caminho de santificação


Não resta dúvida que a santidade original de Dom Bosco explica a capacidade de a educação salesiana ter atravessado os tempos, inculturar-se nos contextos mais variados e responder às necessidades e expectativas dos jovens.

A combinação feliz de dons pessoais e circunstâncias levou Dom Bosco a ser "Pai, Mestre e Amigo da juventude", como o proclamou João Paulo II em 1988: o seu talento inato de aproximar-se dos jovens e conquistar a sua confiança; o ministério sacerdotal que lhe deu um profundo conhecimento do coração humano e a experiência da eficácia da graça no desenvolvimento do jovem; o gênio prático capaz de realizar as intuições de formas simples; a longa permanência entre os jovens que lhe permitiu conduzir as inspirações iniciais ao pleno desenvolvimento.

À raiz de tudo está a vocação. Para Dom Bosco, o serviço aos jovens foi uma resposta generosa ao chamado do Senhor. A fusão entre santidade e educação, no que se refere a trabalhos, ascese, expressão do amor, constitui o traço original da sua figura. Ele é um santo educador e um educador santo.

Dessa fusão origina-se um "sistema", isto é, um conjunto de intuições e realizações práticas, que pode ser exposto num tratado, contado num filme, cantado num poema ou representado num musical. Trata-se de uma aventura que envolveu apaixonadamente os colaboradores e fez sonhar os jovens.

Assumido pelos seus discípulos, para os quais a educação também é vocação, esse sistema foi levado a uma grande variedade de contextos culturais e traduzido em diversas propostas educativas, conforme as situações dos jovens que eram seus destinatários.

Quando retornamos aos acontecimentos pessoais de Dom Bosco ou à história de alguma de suas obras, surgem espontâneas algumas perguntas: e hoje? Com que intensidade as suas instituições ainda se sustentam? De que modo as soluções práticas dadas por ele podem ajudar a resolver dificuldades que para nós são quase insuperáveis como o diálogo entre gerações, a possibilidade de comunicar valores, a transmissão de uma visão da realidade etc.?

Não me detenho em enunciar as diferenças que ocorrem entre o tempo de Dom Bosco e o nosso. São encontradas – e não certamente pequenas – em todos os campos: na condição juvenil, na família, nos costumes, na maneira de pensar a educação, na vida social, na mesma prática religiosa. Se já é difícil compreender uma experiência do passado visando sua fiel reconstrução histórica, muito mais árduo é revivê-la e traduzi-la de novo em prática num contexto radicalmente diverso.

Entretanto, estamos convictos de que o acontecido com Dom Bosco foi um momento de graça, cheio de virtualidade; que possui inspirações possíveis de serem interpretadas no presente por pais e educadores; que tem sugestões grávidas de desenvolvimento, como rebentos que esperam para desabrochar.5


1.2. Amor preveniente


Uma das mensagens a ser colhida refere-se certamente à prevenção, à sua urgência, às suas vantagens, ao seu valor e, portanto, às responsabilidades envolvidas. Hoje, ela vai-se impondo com dados sempre mais claros e alarmantes; assumi-la, porém, como princípio e atuá-la eficazmente não é um dado certo na evolução atual de nossas sociedades. Infelizmente, esta não é a cultura prevalente. Ao contrário!

A prevenção, contudo, custa menos e rende mais do que apenas a contenção do desvio e a recuperação tardia. Ela, com efeito, permite à maioria dos jovens ficarem livres do peso de experiências negativas que colocam em perigo a saúde física, o amadurecimento psicológico, o desenvolvimento das potencialidades, a felicidade eterna. Permite-lhes também liberar suas melhores energias, aproveitar da melhor maneira os caminhos mais substanciosos da educação, recuperar outros nos primeiros passos de uma eventual ruína. Essa foi a conclusão de Dom Bosco, depois da experiência com os jovens da prisão e o contato com a mão-de-obra juvenil de Turim.

A prevenção, de ação quase policialesca que tendia à conservação da ordem da sociedade, tornou-se para ele qualidade intrínseca e fundamental da educação. Ela era preventiva pela tempestividade, mas também pelos conteúdos e modalidades. Devia antecipar o surgimento de situações e hábitos negativos, materiais ou espirituais; devia, ao mesmo tempo, multiplicar as iniciativas que orientam os recursos ainda sadios da pessoa em vista de projetos atraentes e válidos. Dom Bosco estava convencido de que o coração dos jovens, de todo jovem, é bom, que até mesmos nos jovens mais desventurados existem sementes de bem, e que tarefa de um sábio educador, é descobri-las e desenvolvê-las. Era preciso criar, então, uma situação geral positiva a respeito do ambiente de família, dos amigos, das propostas, dos conhecimentos, que estimulasse a consciência de si, alargasse o conhecimento do mundo real, desse sentido à vida e gosto pelo bem.

Bastaria pensar na história de Miguel Magone, o "general da recreação" na estação de Carmagnola. Dom Bosco, inicialmente, oferece-lhe amizade; depois, um microclima educativo no Oratório de Vadocco; em seguida, a sua orientação competente ("Caro Magone, eu gostaria que me desses uma alegria... que me deixasses por um momento ser o dono do teu coração"), até fazê-lo encontrar em Deus o sentido da vida e a fonte da verdadeira felicidade ("Ó quanto sou feliz!") e fazer dele um modelo para os jovens de ontem e de hoje.

Um dos problemas das nossas sociedades atuais é a insuficiência do serviço educativo. Não chega a todos, perde a muitos pelo caminho, não alcança os sujeitos em sua situação. Sofrem com isso aqueles que partem em desvantagem ou não conseguem manter o passo. A fim de conter esse fenômeno através de uma ação múltipla de prevenção e tornar adequada a educação, é preciso a responsabilidade coral e sinérgica por parte das famílias, dos organismos políticos, das forças sociais, das agências deputadas à educação, das comunidades eclesiais e dos esforços individuais.

A educação, sobretudo dos jovens em desvantagem, mais do que problema de ocupação e qualificação profissional, é principalmente questão de vocação. Dom Bosco foi carismático e pioneiro. Ultrapassou legislações e praxes. Criou tudo que se liga ao seu nome levado por um elevado senso social, mas através da iniciativa autônoma, fruto de uma vocação. E hoje, talvez, a exigência não é diferente: fazer frutificar as energias disponíveis, favorecer as vocações educativas e apoiar projetos de serviço.

A eficácia preventiva da educação está na sua qualidade. A complexidade da sociedade, a multiplicidade dos horizontes e das mensagens oferecidas, a separação dos diversos âmbitos em que a vida se realiza trouxeram riscos também para a educação. Um deles é a fragmentação dos conteúdos oferecidos e da modalidade com que são recebidos. Vivemos de pílulas, também mentais. O slogan é o modelo das mensagens.

Outro risco é a seleção das propostas, segundo as próprias preferências individuais: trata-se do subjetivismo. O opcional passou do mercado à vida. Todos conhecem as polaridades difíceis de conciliar: proveito individual e solidariedade, amor e sexualidade, horizonte temporal e sentido de Deus, excesso de informações e dificuldade de avaliação, direitos e deveres, liberdade e consciência.

O critério de Dom Bosco foi desenvolver aquilo que o jovem traz dentro de si como impulso ou desejo positivo, colocando-o em contato também com um patrimônio cultural feito de modos de ver, de costumes, de crenças; oferecendo-lhe a possibilidade de uma experiência profunda de fé; inserindo-o numa realidade social da qual se sentisse parte ativa através do trabalho, da co-responsabilidade no bem comum, do empenho por uma convivência pacífica. Ele expressou-o em fórmulas simples, que os jovens podiam entender e assumir: "bons cristãos e honestos cidadãos", "saúde, sabedoria, santidade", "razão e fé".

As vantagens pessoais, adquiridas através da educação, eram finalizadas à sua valorização social de forma solidária e crítica; o viver com prosperidade honesta neste mundo estava relacionado com a dimensão espiritual, transcendente, cristã; instrução e preparação profissional estavam unidas à visão cristã da realidade, à formação da consciência, à abertura às relações humanas.

A fim de não cair no maximalismo utópico, Dom Bosco iniciava a partir de onde era possível, segundo as condições do jovem e a situação do educador. Em seu oratório brincava-se, era-se acolhido, criavam-se relações, recebia-se instrução religiosa, alfabetizava-se, aprendia-se a trabalhar, davam-se normas de comportamento civil, refletia-se sobre o direito ao trabalho artesanal e procurava-se melhorá-lo.

Hoje, pode existir uma instrução que não leva em consideração as questões da vida. É o clamor recorrente dos jovens. Pode-se ter uma preparação profissional que não assume a sua dimensão ética ou cultural. Pode-se ter uma educação humana fechada no imediato, que não enfrenta os questionamentos da existência.

Se a vida e a sociedade tornaram-se complexas, o sujeito a uma só dimensão, sem mapa e sem bússola, está destinado a perder-se ou tornar-se dependente. A formação da mente, da consciência e do coração é mais do que nunca necessária.

O punctum dolens da educação atual é a comunicação: entre as gerações, pela velocidade das mudanças, entre as pessoas, pela diminuição das relações, entre as instituições e seus destinatários, pela percepção diversa das respectivas finalidades. A comunicação, diz-se, é confusa, conturbada, exposta à ambigüidade pelo rumor excessivo, pela multiplicidade das mensagens, pela falta de sintonia entre emissor e receptor. Disso derivam incompreensões, silêncios, escuta limitada e seletiva feita como zapping, pactos de não agressão para uma maior tranqüilidade. Torna-se, assim, difícil conciliar atitudes, recomendar comportamentos, transmitir valores.


1.3.A linguagem do coração


Até mesmo a linguagem do coração mudou, e não pouco, desde os tempos de Dom Bosco. Entretanto, vêm dele indicações que em sua simplicidade são vencedoras ao se encontrar a maneira de torná-las operativas. Uma dessas indicações é: "amai os jovens". "Obter-se-á mais com um olhar de caridade – lemos na assim chamada Carta sobre os castigos –, com uma palavra de encorajamento, do que com muitas repreensões" (MB XVI, 444).6

Amá-los quer dizer aceitá-los como eles são, gastar o tempo com eles, manifestar vontade e prazer de compartilhar os seus gostos e os seus assuntos, demonstrar confiança em suas capacidades e, também, tolerar o que é passageiro e ocasional, perdoar silenciosamente o que é involuntário, fruto de espontaneidade ou imaturidade. Era este o pensamento de Dom Bosco: "Todos os jovens têm os seus dias perigosos, e vós também os tendes. Ai de nós se não os procurarmos ajudar para que os passem depressa e sem repreensão" (MB XVI, 445).7

Há uma palavra, não muito usada hoje, que os salesianos conservam ciosamente porque sintetiza o que Dom Bosco adquiriu e aconselhou sobre a relação educativa: amorevolezza [= bondade]. Sua fonte é a caridade, como apresentada pelo Evangelho, pela qual o educador descobre o projeto de Deus na vida de cada jovem e o ajuda a tomar consciência dele e realizá-lo com o mesmo amor libertador e magnânimo com que Deus o concebeu. Bondade é amor recebido e expressado.

A bondade gera um afeto manifestado na medida do jovem, particularmente do mais pobre; é a aproximação confiante, o primeiro passo e a primeira palavra, a estima demonstrada através de gestos compreensíveis que favorecem a confiança, infundem segurança interior, sugerem e sustentam a vontade de empenhar-se e o esforço de superar as dificuldades.

Vai assim amadurecendo, não sem dificuldades, uma relação sobre a qual convém prestar atenção quando se projeta a tradução das intuições de Dom Bosco em nosso contexto. É uma relação marcada pela amizade, que cresce até a paternidade.

A amizade aumenta com gestos de familiaridade e deles se nutre. Por sua vez, faz surgir a confiança. E a confiança é tudo na educação, porque só é possível interagir no momento em que o jovem nos abre as portas do seu coração e nos confia os seus segredos. A amizade tem para nós uma manifestação muito concreta: a assistência.

É impossível compreender o valor da assistência salesiana pelo significado que o dicionário ou a linguagem atual dá à palavra. É um termo cunhado no interior de uma experiência e cheio de significados e aplicações originais. Ela comporta o desejo de estar com os jovens: "Aqui convosco encontro-me bem". É a presença física lá onde os jovens se entretêm, trocam experiências ou fazem projetos; e, ao mesmo tempo, é força moral com capacidade de compreensão, estímulo e encorajamento; é também orientação e conselho segundo a necessidade de cada um.

A assistência alcança o nível da paternidade educativa, que é mais do que amizade. É responsabilidade afetuosa e autorizada que oferece orientação e ensinamento vital e exige disciplina e empenho. A paternidade educativa é amor e autoridade.

Ela se manifesta, sobretudo no "saber falar ao coração" de maneira pessoal, porque dessa forma se alcança o que ocupa a mente dos jovens, revela-se o valor dos acontecimentos de sua vida, faz com que compreendam o valor dos comportamentos e dos sentimentos, tocando a profundidade da consciência.

Não falar muito, mas de modo direto; não de forma agitada, mas clara. Há na pedagogia de Dom Bosco dois exemplos desse modo de falar: "a boa-noite", palavra dirigida a todos que, no final do dia, dava o sentido do que se vivera, e a "palavrinha ao ouvido", palavra pessoal que se deixava cair em momentos informais de recreação. São dois momentos carregados de emotividade, que se referem sempre a eventos concretos e imediatos e que transmitem uma sabedoria cotidiana para enfrentá-los; enfim, ajudam a viver e ensinam a arte de viver.

Amizade, assistência e paternidade criam o clima de família, no qual os valores se tornam compreensíveis e as exigências aceitáveis. Traça-se assim o limite entre o autoritarismo, que se arrisca a não influir embora obtendo resultados formais, e a ausência de propostas; entre a invasão, que não deixa espaço à livre expressão, e a ausência educativa, que não se empenha em transmitir valores; entre o camaradesco e a responsabilidade do adulto.

As manifestações da paternidade de Dom Bosco aconteceram num contexto marcado pelo caráter exemplar da familiaridade patriarcal. Seus papéis serviam como ponto de referência para todos os tipos de autoridade: civis, empresariais, educativas. Tudo então era "familiar": a educação, a empresa, a economia. Era axioma indiscutível que o educador devesse assumir uma "fisionomia paterna".

Para nós, igualmente, a paternidade tem um significado ainda insubstituível: é um amor que dá vida e se faz responsável pelo seu desenvolvimento, quer bem de coração, fala oportunamente, espera o amadurecimento, permite a autonomia, acolhe o retorno com alegria.

Prevenção, proposta, relação unem-se nos ambientes "juvenis". Os jovens precisam exprimir a própria vitalidade, aquilo que interiormente vão sentindo, aceitando e elaborando. Os jovens devem ser provados na responsabilidade, no cumprimento dos valores que proclamam, na solidariedade, na autogestão.

Para o educador salesiano o "lugar educativo" do conhecimento do jovem não é principalmente o teste psicológico, mas o pátio, ali onde ele se exprime espontaneamente. O encontro educativo não é principalmente aquele formal, mas o espontâneo. O caminho de crescimento do jovem está certamente no respeito das normas e na docilidade ao educador, mas encontra-se muito mais na capacidade de participar com alegria das iniciativas e da vida que se criam no grupo, na cooperativa, na comunidade juvenil, onde os educadores têm a não fácil missão de motivar, impelir e encorajar, abrir espaços, favorecer a criatividade.

As obras, que ainda hoje se referem a Dom Bosco, apresentam as características dadas por ele aos seus ambientes. Elas procuram responder às necessidades dos jovens com um programa concreto e potencialmente integral: ensino, alojamento, educação ao trabalho, tempo livre. Agregam também os adultos, principalmente quando pertencem aos setores populares ou estão interessados em ajudar os jovens. São "abertas" e não exclusivas. Trabalham em rede, em ligação com as instituições, o território, o povo e as autoridades.

Sente-se hoje a urgência de "espaços" para os jovens: pequenos, médios e grandes. Valha o exemplo das discotecas e dos grupos. Está à espreita o mal da solidão, origem de muitos desvios. A análise educativa adivinhou quando, sem rigidez, fez uma distinção entre lugares institucionais, organizados para finalidades precisas, e lugares vitais, abertos à expressão espontânea, à busca de sentido, aos projetos, à criatividade; lugares obrigatórios e lugares de opção pessoal; lugares impostos e lugares de vida. O espaço idealizado por Dom Bosco é uma síntese dos dois: superam-se assim, no fluir da vida cotidiana, as dicotomias nas quais a educação se debate.


2.Cuidar do desenvolvimento integral dos jovens


Diante da situação dos jovens, Dom Bosco faz a opção da educação. Trata-se de um tipo de educação que previne o mal através da confiança no bem existente no coração de todo jovem, desenvolve as suas potencialidades com perseverança e paciência, reconstrói a identidade pessoal de cada um. Ela forma pessoas solidárias, cidadãos ativos e responsáveis, pessoas abertas aos valores da vida e da fé, homens e mulheres capazes de viver com sentido, alegria, responsabilidade e competência. É uma educação que se torna verdadeira experiência espiritual, se nutre na "caridade de Deus que antecipa a toda criatura com a sua Previdência, segue-a com sua presença e salva-a com a doação da própria vida" (Const. SDB 20). Traduzir hoje essa opção de Dom Bosco exige assumir algumas opções fundamentais.

2.1. Confiança compartilhada na educação


A nossa época demonstra ter confiança na educação; por isso, empenha-se por estendê-la a todos. Procura adequá-la constantemente aos desafios que surgem no campo do trabalho, dos conhecimentos e da organização social. Confia-a sempre mais a instituições especializadas. Centraliza-a na comunicação cultural, na informação científica e na preparação profissional. A responsabilidade sobre ela parece sempre mais distribuída, compartilhada entre família, instituições sociais e estado.

Dessa forma, a educação tornou-se fenômeno social, direito reconhecido e aspiração de toda pessoa. As questões que lhe dizem respeito tornaram-se problemas de todos. Interessam às classes dirigentes e empresariais, ao cidadão comum, à opinião pública. Trata-se, substancialmente, do reconhecimento do valor único e da centralidade da pessoa no evolver-se das culturas, da vida social e dos próprios processos de produção.

Da parte da Igreja, a preocupação não foi menor, e ela não deixou de oferecer orientações também nesse campo. A sua intervenção na educação aparece como determinante em muitos contextos, quer em relação à extensão como também à qualidade. A relação intrínseca existente entre evangelização e educação leva a Igreja a assumir esta última não como empenho opcional, mas como o coração mesmo da sua missão; ela sente-se educadora do homem e o quer ser.

Os santos educadores são a expressão mais conspícua desse empenho: eles fizeram da missão educativa a expressão da opção preferencial de Deus, o exercício cotidiano do amor ao homem e o caminho da própria santificação. E, atrás deles, os institutos e movimentos eclesiais para os quais a educação constitui uma missão e um estilo.

Dom Bosco e a Família Salesiana estão entre estes movimentos eclesiais inspirados por um santo educador. E querem responder às aspirações profundas das pessoas, particularmente as mais pobres, inserir-se na atual situação histórica e assumir o convite para a nova evangelização.


2.2. Partir dos últimos


Apesar da confiança generalizada na educação temos a impressão de que haja em relação a ela uma distância entre aspirações e possibilidades, declarações e realizações, intenções e realizações, direito reconhecido e direito garantido. Isso é percebido de forma mais evidente em alguns contextos.

O primeiro clamor a recolher é, portanto, aquele que se eleva lá de onde faltam os serviços mínimos e as condições indispensáveis para a educação. Nos inícios do terceiro milênio, o deserto educativo, como o geográfico, não se reduz, mas se estende.

As possibilidades de educação reduzem-se dramaticamente em vastas áreas do mundo, de modo absoluto ou relativamente ao aumento da população. Os conflitos internos, a deterioração dos serviços, as administrações desordenadas e vorazes, o degrado social e político tudo isso causa um subdesenvolvimento progressivo, cuja primeira vítima é a juventude.

Entretanto, as possibilidades de educação restringem-se também nas sociedades avançadas. A insuficiência manifesta-se na dispersão escolar, na falta de apoio familiar, nas múltiplas formas de desvios, na desocupação juvenil, no meio precoce de sobrevivência freqüentemente ligado à criminalidade.

Um forte clamor eleva-se dessas realidades. Há necessidade de compartilhar os bens fundamentais da educação, redistribuir atenção, tempo e recursos em benefício daqueles que, hoje, em cada sociedade e no contexto mundial carecem deles.

Uma família como a nossa, que fez dos pobres a sua herança e empreendeu um vasto esforço por um continente pobre como a África, não pode ignorar esse fenômeno, se não fosse por outro motivo, para realizar alguns gestos proféticos.


2.3. Uma nova educação


O entusiasmo moderno pela educação, embora representando globalmente um fato positivo, não está isenta de ambigüidades quanto às organizações fundamentais e às orientações práticas.

Educar, como se disse, é ajudar cada um a ser plenamente pessoa através do emergir da consciência, do desenvolvimento da inteligência, da compreensão do próprio destino. Ao redor desse enlace reúnem-se os problemas e se confrontam as diversas concepções de educação.

Adverte-se hoje uma espécie de descompensação entre liberdade e sentido ético, entre poder e consciência, entre progresso tecnológico e progresso social. Essa descompensação é freqüentemente indicada com outras expressões: corrida ao ter e desatenção ao ser, desejo de possuir e incapacidade de compartilhar, consumir sem conseguir valorizar.

Trata-se de polaridades ricas de energias, se a pessoa consegue compô-las. Tornam-se destrutivas quando se inverte a hierarquia dos valores e, sobretudo se a principal for negada ou esmagada. Fatores estruturais, correntes culturais, formas de vida social podem impelir com força numa direção. A educação exigirá sempre uma atitude positiva de discernimento, proposta e profecia. Apresento algumas dessas polaridades às quais devemos dar atenção a fim de renovar a nossa proposta educativa.


2.3.1. Complexidade e liberdade


Muitos têm a impressão de que vivemos num mundo extremamente confuso a respeito do que é bom e do que é mal. Os sociólogos falam de complexidade, de uma situação social e cultural onde são muitas as mensagens, muitas as linguagens com que essas mensagens são comunicadas, muitas as concepções de vida que está à sua base, diversas e autônomas as agências que se fazem suas promotoras, inumeráveis e incompatíveis os interesses que as impulsionam. E não há uma autoridade capaz de propor autorizadamente e fazer aceitar uma visão comum do mundo e da vida humana, um sistema de normas morais, uma visão da existência, um "catálogo" de valores comuns.

Nessas condições, tornam-se difíceis os processos educativos. Os adultos não se sentem na posse de um patrimônio cultural seguro. Por outro lado, o tempo para apresentá-lo é pouco e as interferências são inumeráveis. Por isso, o que conseguem comunicar parece submetido à rápida usura. O pacote de propostas educativas nem sempre atrai ou nem sempre é compreendido em seu conjunto. A capacidade propositiva vacila.

A conseqüência mais vistosa para todos, mas especialmente para as jovens gerações, é a dificuldade de se orientarem na multiplicidade de estímulos, problemas, visões, propostas. As variadas dimensões da vida parecem confusas, e não é fácil perceber-lhes o valor.

A fragilidade da comunicação cultural por parte da família, da escola, da sociedade, da instituição religiosa cria dificuldades na organização da própria vida. Isso se manifesta na rendição diante de conflitos e frustrações, no cansaço de tomar e manter decisões de longo termo, no adiamento das opções de vida, no não conseguir reconhecer-se nos modelos de identificação oferecidos pela sociedade.

A questão educativa da identidade não é nova. Em todas as épocas os jovens tiveram que enfrentá-la para viverem conscientes do próprio ser e colocarem-se positivamente no sistema social.

É nova a situação na qual ela hoje se plasma. Combinam-se, de fato, diversos fatores que apresentam simultaneamente vantagens e dificuldades. De um lado, existem ofertas mais abundantes e maior liberdade. É como se dissesse ao jovem: "escolhe e arranja-te sozinho". É uma promessa de autonomia e uma garantia de auto-realização, mas na solidão. O déficit hoje não é de liberdade, mas de consciência e responsabilidade, de apoio e acompanhamento.

Por isso, a pessoa logo se embate em seus próprios limites e contra as barbáries que lhe opõe a sociedade pós-industrial: a concorrência e a seleção em todos os âmbitos, o mercado de trabalho, o prolongamento da dependência, a restrição dos espaços de participação pública, a falta de alternativas ao seu alcance.

Isso origina um sentimento de precariedade que torna os jovens vulneráveis à manipulação, atuada na nossa sociedade através de diversos canais. Os processos de persuasão, orientados para a aquisição de produtos, determinam não poucas de suas preferências, não só de produtos, mas de modelos: o tipo de homem e de mulher, a imagem da beleza e da felicidade, a escala de valores, as formas de comportamento e a posição social.


2.3.2. Subjetividade e verdade


O emergir da subjetividade é uma das chaves de interpretação da cultura atual. Ela está ligada ao reconhecimento da singularidade de cada pessoa e do valor da sua experiência e interioridade. É reivindicada pelos grupos que por muito tempo se sentiram "objeto" de leis, de imposições de identidade ou de convenções sociais, que lhes impediam de expressar-se. Abandonada, porém, ao próprio dinamismo, sem referência à verdade, à sociedade e à história, a subjetividade não consegue realizar-se.

A privatização ou elaboração subjetiva aparece mais evidente na ética e na formação da consciência. O exemplo mais à mão, mas não único, é o da sexualidade. Neste âmbito, ruíram os controles sociais e, por vezes, também os familiares. Há tolerância pública e direito a opções diversas. Antes, a imprensa, a literatura, os espetáculos muitas vezes exaltam as transgressões e apresentam os desvios como conseqüência de diversas condições. Qualquer dimensão ética, mesmo que apenas humana, é negligenciada, quando não ignorada, até mesmo em programas oficiais amplamente difundidos. Preocupa-se apenas em viver a sexualidade de modo gratificante e seguro de riscos para a saúde física ou psíquica. Ela vive separada das componentes que lhe dão sentido e dignidade.

A falta de referência à verdade é percebida também nas regras que orientam a atividade econômica e social. Elas inspiram-se, com freqüência, em critérios individuados no próprio âmbito e no consenso entre as partes mais fortes. Nem sempre correspondem ao bem comum ou às finalidades da economia ou da sociedade.

A qualidade da educação será jogada no preenchimento do descompasso que surge entre possibilidade de opções e formação da consciência, entre verdade e pessoa. É preciso orientar a compreender o peso histórico das próprias opções, a equilibrar a subjetividade selvagem, a perceber a consistência objetiva das realidades e dos valores.


2.3.3. Proveito individual e solidariedade


A complexidade e a subjetividade influem numa justa composição entre a busca do próprio proveito e a abertura solidária aos outros.

Houve uma estação em que se acreditava possível organizar uma sociedade livre e justa, que através de leis e estruturas provesse condições de bem-estar para todos. Muitos jovens apaixonaram-se pela transformação da sociedade e a libertação dos povos. A preparação do empenho político fazia parte da formação humana e da prática da fé; constituía um sinal de responsabilidade madura e idealismo generoso.

Veio, depois, o inverno das utopias, a queda das ideologias e com elas dos projetos coletivos, a questão moral, a contraposição entre as instituições. O confronto político tornou-se litigioso. A política tornou-se espetáculo e nem sempre foi exemplar. Seguiram-se, depois, a queda da sua cotação e a desafeição a ela, evidentes pela escassa participação. Abandou-se certa visão prática do bem comum e não se lhe sucedeu nenhuma outra que fosse orgânica e comprovada; ao contrário, ofereceu-se apenas "migalhas" de recíproca boa vontade social.

Nós, hoje, estamos vivendo a era do "mercado", como mentalidade e como enquadramento do social. Vai ganhando terreno, no momento, uma concepção individualista do social. A sociedade é considerada como soma de indivíduos, cada qual levado a buscar o próprio interesse, a compensação de suas necessidades, potencialmente ilimitadas. É o primado dos desejos e dos direitos individuais.

Nessa tensão incessante para a satisfação de necessidades artificiais fica-se surdo às necessidades fundamentais e autênticas. Os ideais de justiça social e de solidariedade acabam por se tornarem fórmulas vazias, consideradas impraticáveis.

Não é, pois, infundada a conclusão de muitos que vêem no mercado o principal obstáculo moral, cultural e legal ao crescimento de uma mentalidade solidária em adultos e jovens, em nível nacional e internacional.


2.4. Amadurecimento da fé dos jovens neste contexto


Complexidade, subjetividade e concepção individual da pessoa influem sobre o amadurecimento da fé dos jovens, que é substancialmente abertura, comunhão e acolhida da realidade da vida e da história.

Impressionam, hoje, dois fenômenos. Há uma religiosidade difusa que toma os caminhos mais diversos. Ela corresponde à busca de sentido numa sociedade que não o provê, à vaga percepção de outra dimensão da existência que permanece não expressa. Com ela, porém, nota-se uma carência de fundamentos e motivações objetivas e, portanto, uma ruptura entre experiência religiosa, concepção de vida e opções éticas. Até mesmo as verdades religiosas são reduzidas a opiniões. A mediação da Igreja torna-se problemática e muito mais a de cada um de seus ministros ou representantes; usufrui-se dela de forma seletiva.

Há uma minoria que aprofunda, degusta e amadurece a experiência cristã expressando-o na fé, no sentido eclesial e no empenho social. Há, entretanto, também um grande número de jovens que, depois de terem ouvido o anúncio, vai-se afastando da fé sem saudades. Alonga-se a idade da formação religiosa e esta nem sempre conta com propostas que a revistam inteiramente.

Isso tudo tinge a fé de forte subjetivismo. Separada da concretude dos acontecimentos históricos da salvação, ela se torna extremamente frágil, uma espécie de bem de consumo, do qual cada um faz o uso que lhe agrada. Ela é justaposta assim aos outros aspectos da vida e do pensamento que se vão plasmando autonomamente. O risco da separação entre a vida e a fé, entre esta e a cultura é a condição em que todos nos encontramos, na qual nascem hoje os jovens. E isso, mesmo numa época em que a Igreja dá sinais fortes de vitalidade comunitária, de empenho social, de impulso missionário.


2.5. Resposta da Família Salesiana


Quais as respostas que os jovens podem esperar da Família Salesiana para o seu pedido de socorro? Quais energias nós podemos ativar?

Multiplicam-se hoje as figuras de educadores, especialmente profissionais. Há, ainda, educadores informais, que não têm uma tarefa específica nem são profissionais. Assim como existem currículos assumidos e outros ocultos. No centro do processo educativo está sempre mais, como juiz, o sujeito que escolhe e elabora livremente as coisas que lhes são propostas ou que vai descobrindo por si próprio. Hoje, mais do que nunca, não se pode delegar a educação a alguém, pensando que ele tenha a possibilidade de controlar o seu percurso. Os jovens nomeiam-nos secretamente como educadores quando nos dão acesso à sua inteligência e ao seu coração, quando querem ouvir de nós uma palavra ou colher um gesto que consideram válido em relação ao sentido da sua vida. A responsabilidade pode recair sobre cada um e em qualquer momento.

A incidência dos educadores delegados à tarefa educativa e dos escolhidos pelo sujeito dependem de três fatores: credibilidade da oferta em relação à situação vivida pelo jovem, autoridade da testemunha, capacidade de comunicação.

Há, pois, uma aposta para o adulto: exprimir uma orientação e uma resposta sem fugir da complexidade e da exigência da subjetividade e sem se deixar homogeneizar. Isso comporta abertura ao positivo, ancoragem sólida nos pontos dos quais a vida humana recebe significado, capacidade de discernimento. Eis três aspectos que a Família Salesiana deveria cuidar de modo especial.


2.5.1. Retorno aos jovens com maior qualidade


Dom Bosco elaborou o seu estilo de vida, o seu patrimônio pastoral e pedagógico, o seu sistema, a sua espiritualidade entre os jovens. O empenho exclusivo na missão juvenil foi para Dom Bosco sempre e, em todo caso, real, mesmo quando por motivos particulares não estava materialmente em contato com os jovens, quando a sua ação não estava diretamente a serviço dos jovens, quando defendeu com tenacidade diante de pressões de eclesiásticos, nem sempre bem iluminados, o seu carisma de fundador para todos os jovens do mundo. Missão salesiana é consagração, é "predileção" pelos jovens; e essa predileção, em seu estado inicial, é um dom de Deus, que cabe à nossa inteligência e ao nosso coração desenvolver e aperfeiçoar.

O verdadeiro salesiano não abandona o campo juvenil. Salesiano é aquele que tem um conhecimento vital dos jovens: o seu coração pulsa lá onde pulsa o dos jovens. O salesiano vive para eles, existe para os seus problemas; eles são o sentido da sua vida: trabalho, escola, afetividade, tempo livre. Salesiano é quem também tem dos jovens um conhecimento teórico e existencial, que lhe permite descobrir as suas verdadeiras necessidades, criar uma pastoral juvenil adequada às necessidades dos tempos.

A fidelidade à nossa missão, para ser incisiva, deve ser posta em contato com os "nós" da cultura de hoje, com as matrizes da mentalidade e dos comportamentos atuais. Estamos diante de desafios colossais, que exigem seriedade de análise, pertinência de observações críticas, confronto cultural aprofundado, capacidade de compartilhar psicologicamente a situação. Nesse contexto, a comunicação educativa privilegia alguns canais.

O primeiro é o da partilha dos interesses e das buscas em vez de soluções pré-confeccionadas; do diálogo em ampla extensão em vez de informações limitadas; da transparência ou explicações reais em vez de meias verdades.

Em seu esforço de adquirir uma visão de mundo, os jovens escutam, reagem, interiorizam, experimentam. Sentem-se como num mercado, onde podem ver o preço e a qualidade das propostas e pegar as que lhes interessam. O testemunho e a palavra, capazes de fazer brilhar luz e esperança, encontrarão audiência.

O educador do futuro será aquele que souber orientar, entre a multiplicidade de mensagens e visões, à escolha de valores e critérios aptos a sustentar um crescimento contínuo. E, justamente na educação aos valores, ele deverá mirar no envolvimento ativo do sujeito, mais do que somente na sua dócil aceitação.

As exigências devem ser apresentadas com coragem. Deve-se descartar a só adequação a questões imediatas, que privam o sujeito de horizontes e acabam por fixá-lo numa posição narcisista.

A responsabilidade é, porém, a principal energia para o desenvolvimento da pessoa. Esta deve interiorizar as propostas educativas através da experiência e da reflexão e elaborar assim as próprias conclusões. As propostas só entram na consciência do jovem e se tornam patrimônio válido para a vida se ele se tornar sujeito e não apenas objeto da ação educativa.

Há, ainda, outro elemento-chave nos modelos de comunicação: o ambiente. Hoje são valorizados os assim chamados "lugares vitais", ao lado das instituições educativas tradicionais. Estas influenciam através das estruturas, dos programas, dos papéis, das normas; parecem, porém, insuficientes para satisfazer as questões de sentido e de relação manifestadas pelos jovens. Os lugares vitais, entretanto, dão espaço à espontaneidade voltada ao positivo, à livre partilha, à amizade, à aceitação recíproca, à utopia, à linguagem simbólica, aos projetos. É de se desejar que assim se tornem as famílias, as comunidades cristãs, os grupos de empenho, os lugares de encontro juvenil, a escola.

Dirigindo-me a membros da Família Salesiana, não está fora de lugar recordar que Dom Bosco, por intuição mais do que por conhecimento teórico, deu origem a um sistema global de comunicação: o oratório, ambiente cheio de espontaneidade e livre expressão, no qual havia papéis reconhecidos e relações informais, alternavam-se programas propostos a todos e levados adiante com regularidade e com espaços de criatividade pessoal e de grupo.

No primeiro oratório da casa Pinardi, como foi pensado por Dom Bosco, estão presentes algumas intuições importantes que serão sucessivamente adquiridas em seu valor mais profundo de complexa síntese humanista-cristã:

  • uma estrutura flexível, como obra de mediação entre Igreja, sociedade urbana e faixas populares juvenis, à moda de "ponte";

  • o respeito pelo ambiente popular e sua valorização;

  • a religião como fundamento da educação segundo o ensinamento da pedagogia católica que lhe foi transmitida pelo ambiente do Colégio Eclesiástico;

  • o entrelaçamento dinâmico entre formação religiosa e desenvolvimento humano, entre catecismo e educação, ou também a convergência entre educação e educação à fé e a integração fé-vida;

  • a convicção de que a instrução é um instrumento essencial para iluminar a mente;

  • a educação, como também a catequese, que se desenvolve em todas as expressões compatíveis com a restrição do tempo e dos recursos: alfabetização de quem jamais pôde usufruir de qualquer forma de instrução escolar, colocação no trabalho, assistência ao longo da semana, desenvolvimento de atividades associativas e mútuo socorro...

  • a plena ocupação e valorização do tempo livre;

  • a bondade como estilo educativo e, mais em geral, como estilo de vida cristã.

O oratório, assim entendido, continua a ser para nós a "fórmula" que procuramos aplicar em qualquer que seja a situação ou estrutura educativa.


2.5.2. Relançamento do "honesto cidadão"


A reconsideração da qualidade social da educação, já presente em Dom Bosco, mesmo se imperfeitamente realizada, deveria incentivar a criação de experiências explícitas de empenho social no sentido mais amplo. Isso supõe uma profunda reflexão quer em nível teórico, dada a extensão dos conteúdos da promoção humana, juvenil, popular e a diversidade das considerações antropológicas, teológicas, científicas, históricas, metodológicas, quer no plano da experiência e da reflexão operativa de cada um e das comunidades. O Capítulo Geral 23 já falara, em âmbito salesiano, de "dimensão social da caridade" e de "educação dos jovens ao empenho e à participação na política", "âmbito um tanto descuidado e desconhecido por nós".8

A presença educativa no social compreende estas realidades: sensibilidade educativa, políticas educativas, qualidade educativa da vida social, cultura.

Quem está realmente preocupado com a dimensão educativa procura influir através dos instrumentos políticos, para que ela seja levada em consideração em todos os âmbitos: da urbanização e do turismo ao esporte e ao sistema rádio-televisivo, realidades nas quais freqüentemente se privilegiam os critérios de mercado.

Há, depois, o aspecto específico das políticas educativas e juvenis. É preciso despertar o seu interesse e batalhar para que não sejam colocadas em último lugar as soluções para algumas urgências, como por exemplo, a ampla ação de prevenção, a qualidade de um sistema educativo integrado, a conveniente diversificação de possibilidades educativas conformes às necessidades dos sujeitos, a paridade econômica, a recuperação dos que sofreram acidentes no percurso educativo.

O estilo de vida social e de práxis política constitui em si mesmo também uma grande escola cotidiana da qual os adultos e os jovens haurem silenciosamente lições práticas. É quase inútil, pode-se dizer, que as instituições educativas procurem educar à legalidade, se na vida pública outros critérios são vividos com consciência tranqüila, porque estes acabam por modelar as nossas convicções e comportamentos. É difícil inculcar o sentido de justiça se, na administração pública, dominam corrupção e compromisso. Torna-se árduo ensinar o respeito à pessoa quando, no debate político prevalece a desconfiança recíproca, a falcatrua e o espírito de rixa. Educação, convivência social e práxis política formam uma unidade, pela qual quem quiser dar um salto de qualidade numa delas deverá dedicar necessariamente suas energias para modificar as demais.

Enfim, à raiz da educação, da convivência social e da práxis política está a cultura. Ela dá motivações e comunica significados que vão penetrando silenciosamente nas consciências e codificando comportamentos. A fim de enraizar um determinado valor não bastam as iniciativas, embora abundantes, nem pessoas generosas e bem inspiradas. É preciso chegar ao amadurecimento de uma mentalidade comum. A cultura, de fato, refere-se não só a intenções e propósitos privados, mas ao emprego sistemático e racional das energias de que a comunidade dispõe. Há, às vezes, uma fratura entre os gestos individuais e a mentalidade coletiva, entre as iniciativas pessoais e as expressões sociais, entre a práxis e os seus fundamentos, pelo que uma coisa é a aspiração da pessoa e outra coisa é a realidade cotidiana que ela é obrigada a suportar.


2.5.3. Relançamento do "bom cristão"


O mesmo dever-se-ia dizer do relançamento do "bom cristão". Dom Bosco, "abrasado" pelo zelo das almas, compreendeu a ambigüidade e a periculosidade da situação social e moral, contestou seus pressupostos, encontrou formas novas para opor-se ao mal com os escassos recursos culturais, econômicos etc. de que dispunha.

Como atualizar o "bom cristão" de Dom Bosco? Como salvaguardar hoje a totalidade humano-cristã do projeto em iniciativas formalmente ou prevalentemente religiosas e pastorais, contra os perigos de antigos e novos integralismos e exclusivismos? Como transformar a educação religiosa tradicional numa educação para viver com a própria identidade num mundo multirreligioso, multicultural, multiétnico? Diante da atual superação da tradicional pedagogia da obediência, adequada a certo tipo de eclesiologia, como proceder em função da pedagogia da liberdade e da responsabilidade, que tende a construir um sujeito forte capaz de decisões livres e maduras, aberto à comunicação interpessoal, inserido ativamente nas estruturas sociais, em atitude não conformista, mas construtivamente crítica?

Trata-se de revelar e ajudar a viver conscientemente a vocação de homem, a verdade da pessoa. E os crentes podem, justamente nisso, dar a sua contribuição mais valiosa.

De fato, eles sabem que o ser e as relações da pessoa são definidos pela sua condição de criatura, que não indica inferioridade ou dependência, mas amor gratuito e criativo da parte de Deus. O homem deve a própria existência a um dom. Está situado numa relação com Deus a ser retribuída. Sua vida não encontra sentido fora dessa relação. O "além", que ele percebe e deseja vagamente, é o Absoluto, não um absoluto estranho e abstrato, mas a fonte da sua vida que o chama para si.

Em Cristo, a verdade da pessoa, que a razão percebe de modo inicial, encontra a sua iluminação total. Ele, com suas palavras, mas, sobretudo em força da sua existência humano-divina, em que se manifesta a consciência de Filho de Deus, abre a pessoa à plena compreensão de si e do próprio destino.

Nele fomos constituídos filhos e chamados a viver como tais na história. É uma realidade e um dom, cujo sentido o homem deve penetrar progressivamente. A vocação para filhos de Deus não é um acréscimo de luxo, uma complementação extrínseca à realização do homem. É a sua pura e simples realização, a condição indispensável de autenticidade e plenitude, a satisfação das exigências mais radicais, aquelas das quais se substancia a sua mesma estrutura criatural.

Quem educa – pai, amigo ou animador – mantém viva a consciência de ser testemunha e acompanhante nesta revelação das possibilidades da vida, que liga a consciência à sua fonte e ao seu fim, que desenvolve a vida, mas, sobretudo prepara um interlocutor de Deus e um sinal da sua presença.

Há um diálogo misterioso entre cada jovem e aquilo que lhe chega do exterior, ou que brota dentro de si e que descobre como imperativo, graça ou sentido. Aos poucos, ele vai adquirindo plena consciência de si e elaborando uma imagem da existência na qual aposta as suas forças e joga as suas possibilidades.

Os educadores, profissionais ou não, são chamados a oferecer tudo o que acreditam ser oportuno, vivendo com esperança as incógnitas do futuro. Interessam-se com sinceridade pelo humano incerto que cresce. Nele, de fato, Deus será acolhido e, também em força do crescimento, se manifestará com luminosidade sempre maior. Se as coisas caminharem da melhor forma, terão contribuído para manter na história a "estirpe de Deus", aqueles que se sentem em relação filial com Ele, e terão criado lugares vivos da sua presença.


3. Promover os direitos humanos, particularmente dos menores


Somos herdeiros e portadores de um carisma educativo que tende à promoção da cultura da vida e à mudança das estruturas. Temos, por isso, o dever de promover os direitos humanos. A história da Família Salesiana e a rapidíssima expansão, também em contextos culturais e religiosos distantes daqueles que viram o seu surgimento, testemunha como o sistema preventivo de Dom Bosco seja uma porta de acesso garantida para a educação juvenil de qualquer contexto e uma plataforma de diálogo para uma nova cultura dos direitos e da solidariedade. Considerando a dignidade de todo homem e a igualdade de seus direitos, pode-se compreender melhor o conjunto de razões que sustentam a opção preferencial da Igreja pelos pobres.

É sob este perfil que deve ser lida e atualizada a lembrança de Dom Bosco aos primeiros missionários: "Cuidai de modo especial dos doentes, meninos, velhos e pobres, e ganhareis a bênção de Deus e a benevolência dos homens".9 Como salesianos, a educação aos direitos humanos, particularmente dos menores, é o caminho privilegiado para realizar, nos diversos contextos, o trabalho de prevenção, desenvolvimento, construção de um mundo mais équo, mais justo, mais saudável. A linguagem dos direitos humanos permite-nos também o diálogo e a inserção da nossa pedagogia nas diversas culturas do mundo.


3.1. Direitos humanos e dignidade da pessoa


Os direitos humanos são direitos que se referem a cada indivíduo enquanto ser humano; não dependem da raça, da religião, da língua, da proveniência geográfica, da idade ou do sexo. São direitos fundamentais, universais, invioláveis e indisponíveis. Eles não são uma realidade estática, mas estão em evolução contínua. Os direitos civis e políticos, que se fazem remontar ao tempo da Revolução Francesa (1789), nascem da reivindicação de uma série de liberdades fundamentais que eram interditadas a amplos estratos da população: direito à vida, à integridade física, à liberdade de pensamento, de religião, de expressão, de associação, à participação política. Os direitos econômicos, sociais e culturais foram sancionados pela Declaração Universal dos direitos do homem de 1948: direito à instrução, ao trabalho, à moradia, à saúde etc. Há, depois, os direitos dos povos à autodeterminação, à paz, ao desenvolvimento, ao equilíbrio ecológico, ao controle dos recursos nacionais, à defesa ambiental. Há, enfim, os direitos ligados ao respeito do homem, em relação aos campos das manipulações genéticas, da bioética e das novas tecnologias de comunicação.

É preciso tomar consciência de que o respeito pleno dos direitos humanos é antes de tudo uma responsabilidade nossa. Infelizmente, as violações dos direitos humanos estão na ordem do dia e é evidente como os instrumentos e as prevenções existentes não são suficientes para eliminá-las. Mesmo nesta situação nós devemos trabalhar pelo respeito da dignidade da pessoa.

O ensinamento da Igreja afirma que a interpretação correta e a tutela eficaz dos direitos dependem de uma antropologia que abraça a totalidade das dimensões constitutivas da pessoa humana. O conjunto dos direitos do homem deve corresponder, com efeito, à substância da dignidade da pessoa. Eles devem referir-se à satisfação de suas necessidades essenciais, ao exercício de suas liberdades, às suas relações com as demais pessoas e com Deus. São universais, presentes em todos os seres humanos, sem qualquer exceção de tempo e lugar. Os direitos fundamentais pertencem, na verdade, ao ser humano enquanto pessoa, a toda pessoa e a todas as pessoas, homens e mulheres, crianças ou anciãos, ricos ou pobres, saudáveis ou doentes.


3.3. Missão salesiana e direitos dos jovens


Em 27 de novembro de 2002 fiz no Capitólio de Roma uma preleção sobre o tema "Antes que seja muito tarde, salvemos os jovens, o futuro do mundo". Nela, procurei fazer ver o Sistema Preventivo na ótica da promoção de cada menino ou menina a educar, a resgatar na totalidade da sua vida, no sentido da antropologia cristã, mas com uma referência precisa à transformação da sociedade, para que já não sejam marginalizados. Apresentei o Sistema Preventivo, sobretudo na ótica da aceitação consciente de responsabilidades por parte do educando, que se transforma de objeto de proteção, devido às suas carências, em sujeito responsável, pelos direitos que tem e pelo reconhecimento dos direitos alheios, preparando no jovem de hoje, o cidadão de amanhã: honesto cidadão e bom cristão. Proponho-lhes alguns trechos extraídos daquela preleção.

«É grave a situação em que se encontram tantos jovens em tantas partes do mundo: jovens em situação de risco e marginalizados. Eles são tantos, são muitos. Eles são um grito não ouvido. Um peso na consciência da sociedade que procura globalizar a economia, mas não o empenho pelo desenvolvimento dos povos e a promoção da dignidade de todo homem.

Os desafios atuais. Eis um rápido mapa da marginalização e do abuso juvenil no mundo:

Os jovens de rua e as gangues

Os jovens soldados

Os jovens violentados

Os jovens trabalhadores e escravos

Os meninos "ninguém"

Os jovens encarcerados

Os jovens doadores forçados de órgãos e mutilados

Os jovens pobres e marginalizados

Os jovens dos esgotos e os sem rumo

Os jovens doentes

Os jovens refugiados e órfãos

Os jovens...

Tanta desventura solicita a consciência de todos. Ao final do Capítulo Geral 25, os Salesianos fizeram um apelo dirigido a todos os que têm responsabilidade em relação aos jovens: "Antes que seja muito tarde salvemos os jovens, o futuro do mundo". Este é também o meu apelo como sucessor de Dom Bosco.

Diante de um panorama tão triste das chagas do mundo juvenil, nós Salesianos "estamos com os jovens, porque nós – como Dom Bosco – confiamos neles, confiamos em seu desejo de aprender, de estudar, de sair da pobreza, de assumir o próprio futuro. Somos pelos jovens porque acreditamos no valor da pessoa humana, na possibilidade de um mundo diferente e, sobretudo, no grande valor do trabalho educativo".10 Invistamos nos jovens!

Globalizemos, por isso, o empenho pela educação e preparemos assim um futuro positivo para o mundo inteiro. A Família Salesiana, neste esforço, contribui com a riqueza do método educativo herdado de Dom Bosco, o bem conhecido Sistema Preventivo.

Segundo este Sistema, a primeira preocupação é prevenir o mal através da educação, mas, ao mesmo tempo, ajudar os jovens a reconstruírem a própria identidade pessoal, a revitalizarem os valores que eles não conseguiram desenvolver e elaborar, justamente pela sua situação de marginalização, e a descobrirem razões para viver com sentido, com alegria, com responsabilidade e competência.

Este Sistema, também crê decididamente que a dimensão religiosa da pessoa é a sua riqueza mais profunda e significativa; por isso procura como finalidade última de todas as suas propostas orientar todo jovem para a realização da própria vocação de filho de Deus. Creio que seja esta uma das contribuições mais importantes que o Sistema Preventivo de Dom Bosco pode oferecer no campo da educação dos jovens, dos meninos, dos adolescentes e dos jovens em situação de pobreza e risco psicossocial.

Trata-se de uma clara e significativa experiência de solidariedade, orientada a formar – são palavras de Dom Bosco – "honestos cidadãos e bons cristãos", isto é, construtores da sociedade, pessoas ativas e responsáveis, conscientes da própria dignidade, com projetos de vida, abertos à transcendência dos outros e de Deus».


3.3. Tentemos apresentar os mesmos conceitos com a linguagem dos direitos humanos


Fazendo referência ao elenco das violações dos direitos humanos expostos acima, torna-se claro que hoje a educação integral salesiana não pode prescindir do empenho pelos direitos fundamentais e a dignidade da pessoa humana.

Pode-se observar, antes de tudo, que o tema da educação aos direitos e às liberdades fundamentais está intimamente relacionado às duas Estréias precedentes, nas quais eu sublinhava o papel importante da família na educação e promoção dos direitos humanos, primeiro entre todos, a defesa e a promoção da vida.

A educação, neste âmbito, propõe-se como objetivo contribuir para a construção de uma cultura dos direitos humanos capaz de dialogar, persuadir e, em última instância, prevenir as violações dos mesmos direitos, mais do que puni-las e reprimi-las. É a passagem da mera denúncia das violações já perpetradas à educação preventiva.

Nessa perspectiva, a educação aos direitos humanos deve ser necessariamente multidimensional e caracterizar-se como educação à cidadania honesta, ativa e responsável, capaz de unir o descritivo ao prescritivo, o saber ao ser, e de integrar transmissão do saber e formação da personalidade.

A educação aos direitos humanos é educação à ação, ao gesto, à tomada de posição, à tomada de responsabilidade, à análise crítica, ao pensar, ao informar-se, a relativizar as informações recebidas da mídia; é uma educação que deve tornar-se permanente e cotidiana.

Com estes fundamentos, a metodologia a usar deve compreender ao menos três dimensões:

  • a dimensão cognitiva: conhecer, pensar criticamente, conceitualizar, julgar; Dom Bosco diria "razão";

  • a dimensão afetiva: provar, fazer experiência, criar amizade, empatia; Dom Bosco diria "bondade";

  • a dimensão volitiva comportamental ativa, eticamente motivada: fazer escolhas e ações, pôr em ação comportamentos orientados; Dom Bosco diria "religião".


3.4. Educar-nos e educar para a transformação de toda pessoa e de toda a sociedade: em vista do desenvolvimento humano


O Sistema Preventivo e o espírito de Dom Bosco chamam-nos então, hoje, ao empenho forte, individual e coletivo, voltado a transformar as estruturas de pobreza e subdesenvolvimento, para fazer-nos promotores do desenvolvimento humano e educar para a cultura dos direitos humanos, da dignidade da vida humana.

Os direitos humanos são um meio para o desenvolvimento humano; a educação aos direitos humanos é instrumental à consecução do desenvolvimento humano pessoal e coletivo e, portanto, à realização de um mundo mais équo, mais justo, mas saudável.

Cada um de nós, qualquer um de nós, justamente porque educador ou educadora e porque escolhe a visão antropológica cristã que inspirou Dom Bosco, pode ser um defensor, promotor e ativista de direitos humanos.

Devemos fazer, por isso, uma releitura salesiana dos princípios colocados como fundamentos dos direitos humanos, finalizada a individuar os desafios que os direitos humanos lançam à nossa Família Salesiana.

Eis alguns elementos para essa releitura:

  • integralidade da pessoa e aplicação do princípio de indivisibilidade e interdependência de todos os direitos fundamentais da pessoa: civis, culturais, religiosos, econômicos, políticos e sociais;

  • educação à cidadania honesta e aplicação do princípio de responsabilidade comum diferenciada para a promoção e a proteção dos direitos humanos;

  • o um por um e aplicação do princípio do interesse superior do menor;

  • o menor no centro como sujeito ativo e participante e aplicação do princípio da participação do menor;

  • o "basta que sejais jovens para que eu vos ame muito" e aplicação do princípio da não discriminação;

  • o "quero que sejais felizes agora e sempre" que se refira a todo o homem e aplicação do princípio do desenvolvimento humano integral: espiritual, civil, cultural, econômico, político e social do menor.


3.5. Um texto que Dom Bosco estaria pronto a subscrever:


A educação deve ter como finalidade:

  • favorecer o desenvolvimento da personalidade da criança, como também o desenvolvimento de suas faculdades e hábitos mentais e físicos em toda a sua potencialidade;

  • inculcar na criança o respeito dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e dos princípios consagrados na Carta das Nações Unidas;

  • inculcar na criança o respeito pelos seus pais, pela sua identidade, pela sua língua e pelos seus valores culturais, como também o respeito pelos valores nacionais do país em que vive, do país do qual é originário e das civilizações diferentes da sua;

  • preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, em espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e amizade entre todos os povos e grupos étnicos, nacionais e religiosos, com as pessoas de origem autóctone;

  • inculcar na criança o respeito pelo ambiente natural.


Trata-se do artigo 29 da "Convenção da ONU sobre os direitos das crianças e dos adolescentes", adotada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e ratificada atualmente por 192 Estados.

Corrija-se, pois, a práxis de muitos educadores que reduzem os direitos humanos a um elenco de conhecimentos ou que entendem a educação aos direitos humanos de maneira normativa, como explicação de textos jurídicos.

Nós propugnamos uma aproximação mais ampla, uma aproximação de socio-civic learning, que estimule à experiência prática, à aceitação de responsabilidades e à participação ativa e responsável.

A educação aos direitos humanos, ou melhor, à "cultura preventiva dos direitos humanos", capaz de prevenir as violações, deve sair do âmbito restrito da competência de juristas e advogados, para ser patrimônio de todos, de quem quer que se sinta pronto a iniciar e sustentar um diálogo multicultural que encontre seu fundamento nos direitos humanos.

Os direitos humanos, de fato, não são principalmente uma matéria jurídica ou filosófica; são uma matéria interdisciplinar e podem ser explicados e discutidos numa aproximação multicultural, no âmbito de numerosas disciplinas: história, geografia, línguas estrangeiras, literatura, biologia, física, música e economia.

Eles não representam uma matéria à parte, mas um tema transversal. Os direitos humanos deveriam ser parte integrante da formação e da atualização dos educadores, formais ou informais, para que sejam eles próprios a podê-los reelaborar e transmitir como leit-motiv e aproximação transversal no interior das diversas matérias.

Se entendêssemos por ensinamento uma atividade didática em que só alguém, o professor, tem algo a ensinar e os demais só têm que escutar, não se poderia usar esta práxis no caso dos direitos humanos. Os direitos humanos não se ensinam, assim como não se impõem, mas se educa a eles através do diálogo, do confronto recíproco, da reelaboração pessoal.

Como metodologia didática pode-se usar a arte, o teatro, a música, a dança, o desenho, a poesia; recordemos a respeito disso as iniciativas "inventadas" por Dom Bosco.

Se a acentuação do processo educativo é colocada nas motivações interiores necessárias ao educador, então o Sistema Preventivo torna-se uma "espiritualidade". Se a acentuação é colocada nas três colunas da razão, religião e bondade, então o Sistema Preventivo torna-se empenho ascético, quadro de valores e projeto de vida. Se a acentuação é colocada na relação do educador com o educando, o Sistema Preventivo postula uma forte mística. Se a acentuação é colocada no projeto de vida que o educando deve amadurecer em seu coração, então o Sistema Preventivo é evangelização completa, porque visa a formar o honesto cidadão e o bom cristão, para dizê-lo com a "Christifideles Laici", capaz de viver o evangelho servindo o homem e a sociedade.

O Sistema Preventivo, em definitivo, transforma tanto o educador quanto o educando em protagonista consciente, responsável do dever de defender e promover os direitos humanos, para o desenvolvimento humano pessoal e do mundo inteiro.

Parafraseando uma feliz expressão de Paulo VI na Populorum Progressio, arriscarei dizer que o novo nome da paz é a educação à defesa e à promoção dos direitos humanos.

Educar com o coração de Dom Bosco, para o desenvolvimento integral da vida dos jovens, sobretudo dos mais pobres e em desvantagem, promovendo os seus direitos comporta certamente:

  • uma renovada opção de partilha comunitária nos lugares concretos de ação.

O caráter comunitário da experiência pedagógica salesiana exige criar comunhão ao redor dos ideais educativos de Dom Bosco, saber envolver todos os responsáveis nas diversas instituições e programas educativos, formar neles uma consciência crítica das causas da marginalidade e da exploração dos jovens, uma forte motivação que sustente o empenho cotidiano e uma atitude ativa e alternativa. Tudo isso volta a propor o esforço de formação dos educadores.

  • uma renovada intencionalidade pastoral.

A ação salesiana compreende sempre a preocupação pela salvação da pessoa: conhecimento de Deus e comunhão filial com Ele através da acolhida de Cristo, com a mediação sacramental da Igreja. Ao escolher a juventude e os jovens pobres, os Salesianos aceitam os pontos de partida em que os jovens se encontram e as suas possibilidades de fazer um caminho para a fé. Em toda iniciativa de recuperação, educação e promoção da pessoa, anuncia-se e realiza-se a salvação que será ulteriormente explicitada à medida que os sujeitos se tornam capazes dela. Cristo é um direito de todos. Seja anunciado sem forçar os tempos, mas sem deixá-los passar em vão.


À moda de conclusão


E concluo, desta vez, não com uma fábula, mas com uma narração de família, antes com o "sonho" que está nas origens do que somos e do que fazemos. Um "sonho" que é memória e profecia, recordação do passado e projeção de futuro.


«Assim cheguei aos 9 anos de idade. Mamãe queria enviar-me à escola, mas preocupava-se com a distância, já que estávamos a 5 quilômetros do povoado de Castelnuovo. Meu irmão Antônio opunha-se à minha ida ao colégio. Chegou-se então a uma solução. Durante o inverno iria à escola do pequeno povoado de Capriglio, onde pude aprender a ler e a escreve. Meu professor era um sacerdote muito piedoso, chamado José Delacqua. Foi muito atencioso para comigo, interessando-se de bom grado pela minha instrução e mais ainda pela educação cristã. Durante o verão contentaria meu irmão, trabalhando no campo.

Um sonho.

Nessa idade tive um sonho, que me ficou profundamente impresso na mente por toda a vida. Pareceu-me estar perto de casa, numa área bastante espaçosa, onde uma multidão de meninos estava a brincar. Alguns riam, outros se divertiam, não poucos blasfemavam. Ao ouvir as blasfêmias, lancei-me de pronto no meio deles, tentando, com socos e palavras, fazê-los calar. Nesse momento apareceu um homem venerando, de aspecto varonil, nobremente vestido. Um manto branco cobria-lhe o corpo; seu rosto, porém, era tão luminoso que eu não conseguia fitá-lo. Chamou-me pelo nome e mandou que me pusesse à frente daqueles meninos, acrescentando estas palavras: – Não é com pancadas, mas com a mansidão e a caridade que deverás ganhar esses teus amigos. Põe-te imediatamente a instruí-los sobre a fealdade do pecado e a preciosidade da virtude.

Confuso e assustado repliquei que eu era um menino pobre e ignorante, incapaz de lhes falar de religião. Senão quando aqueles meninos, parando de brigar, de gritar e blasfema, juntaram-se ao redor do personagem que estava a falar. Quase sem saber o que dizer, acrescentei: – Quem sois vós que me ordenais coisas impossíveis? – Justamente porque te parecem impossíveis, deves torná-las possíveis com a obediência e a aquisição da ciência. – Onde, com que meios poderei adquirir a ciência? – Eu te darei a mestra, sob cuja orientação poderás tornar-te sábio, e sem a qual toda sabedoria se converteria em estultice.

Mas quem sois vós que assim falais?

Sou o filho daquela que tua mãe te ensinou a saudar três vezes ao dia.

Minha mãe diz que sem sua licença não devo estar com gente que não conheço; dizei-me, pois, vosso nome.

Pergunta-o a minha mãe.

Nesse momento vi a seu lado uma senhora de aspecto majestoso, vestida de um manto todo resplandecente, como se cada uma de suas partes fosse fulgidíssima estrela. Percebendo-me cada vez mais confuso em minhas perguntas e respostas, acenou para que me aproximasse e, tomando-me com bondade pela mão, disse: – Olha. Vi então que todos os meninos haviam fugido, e em lugar deles estava uma multidão de cabritos, cães, gatos, ursos e outros animais. – Eis o teu campo, onde deves trabalhar. Torna-te humilde, forte e robusto; e o que agora vês acontecer a esses animais, deves fazê-lo aos meus filhos.

Tornei então a olhar, e em vez de animais ferozes apareceram mansos cordeirinhos que, saltitando e balindo, corriam ao redor daquele homem e daquela senhora, como a fazer-lhes festa.

Nesse ponto, sempre no sonho, desatei a chorar, e pedi que falassem de maneira que pudesse compreender, porque não sabia o que significava tudo aquilo. A senhora descansou a mão em minha cabeça, dizendo: – A seu tempo tudo compreenderás.

Após essas palavras, um ruído qualquer me acordou, e tudo desapareceu.

Fiquei transtornado. Parecia-me ter as mãos doloridas pelos socos que deferira e doer-me o rosto pelos tapas recebidos; além disso, aquele personagem, a senhora, as coisas ditas e ouvidas de tal modo me encheram a cabeça que naquela noite não pude mais conciliar o sono.

De manhãzinha contei logo o sonho, primeiro aos meus irmãos, que se puseram a rir, depois à mamãe e à vovó. Cada um dava o seu palpite. O irmão José dizia: "Vais ser pastor de cabras, de ovelhas e de outros animais". Mamãe: "Quem sabe se um dia não será sacerdote". Antônio, secamente: "Chefe de bandidos, isso sim". Mas a avó que, de todo analfabeta, entendia muito de teologia deu a sentença definitiva: "Não se deve fazer caso dos sonhos".

Eu era do parecer de minha avó, todavia não pude nunca tirar aquele sonho da minha cabeça. O que vou doravante expor dará a isso alguma explicação. Mantive-me sempre calado; meus parentes não lhe deram importância. Mas quando, em 1858, fui a Roma para falar com o Papa sobre a Congregação Salesiana, ele me fez contar pormenorizadamente tudo quanto tivesse ainda que só a aparência de sobrenatural. Contei então pela primeira vez o sonho que tive na idade de 9 a 10 anos. O Papa mandou-me escrevê-lo literalmente e com pormenores, e deixá-lo como estímulo aos filhos da Congregação, a qual era precisamente o objetivo de minha viagem a Roma».11


Desejo a todos que façam seu o sonho do amado pai e fundador da nossa Família Salesiana, Dom Bosco. Esforcemo-nos para que seja realidade em favor dos jovens, especialmente os mais pobres, abandonados e periclitantes, e continuemos a cultivar novos sonhos por eles.

A Mãe de Deus, em cujo nome iniciamos este ano da graça 2008, seja mãe e mestra de todos, como o foi para Dom Bosco, de modo que à sua escola aprendamos a ter coração de educadores.


Roma, 31 de dezembro de 2007.


Reitor-Mor

1 AA.VV. “Il Sistema educativo di Don Bosco tra pedagogia antica e nuova”, Atti del Convegno Europeo Salesiano sul sistema educativo di Don Bosco, LDC Torino 1974, p. 314

2 P. RUFFINATO, Educhiamo con il cuore di don Bosco, in “Note di Pastorale Giovanile”, n. 6/2007, p. 9.

3 Cf. G. BOSCO, Dei castighi da infliggersi nelle case salesiane, in P. BRAIDO, Don Bosco educatore. Scritti e testimonianze, LAS, Roma 1992, p. 340.

4 Cf. P. BRAIDO, Prevenire non reprimere. Il sistema educativo di Don Bosco, LAS, Roma 1999, p. 181.

5 Cf. P. BRAIDO, Prevenir, não reprimir. O sistema educativo de Dom Bosco, Editora Salesiana, São Paulo 2004, p. 353.

6 Cf. G. BOSCO, Dei castighi da infliggersi nelle case salesiane, in P. BRAIDO, Don Bosco educatore. Scritti e testimonianze, LAS, Roma 1992, p. 335.

7 Cf. G. BOSCO, Dei castighi da infliggersi nelle case salesiane, in P. BRAIDO, Don Bosco educatore. Scritti e testimonianze, LAS, Roma 1992, p. 336.

8 Cf. CG23 203-210; 212-214

9 G. BOSCO, Ricordi ai missionari, in P. BRAIDO, Don Bosco educatore. Scritti e testimonianze, LAS, Roma 1992, p. 206.

10 CG25, 140

11 G. BOSCO, Memórias do Oratório de São Francisco de Sales de 1815 a 1855, Introdução, notas e texto crítico preparados por A. DA SILVA FERREIRA, Editora Salesiana, São Paulo 2005, 3ª edição, pp. 27-30.

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