301-350|pt|336 - Apelo do Papa em favor das missões


Egídio Viganò


APELO DO PAPA EM FAVOR DAS MISSÕES”


Atos do Conselho Superior


Ano LXXII – abril-junho, 1991


N. 336


Introdução — O coração missionário de Dom Bosco — Sonhou os seus no Sul e no Orien­te — A nossa é uma Congregação missionária — A mensagem do Papa na encíclica “Redemptoris missio” — O ardor na “missão” procede do mistério de Deus — A atividade missionária ocupa o primeiro lugar na evangelização — O missionário é convidado a se renovar sem desviar-se — Um olhar às missões de Dom Bosco hoje — Espiritualidade sa­lesiana para os nossos missionários — Todos: em comunhão e participação ativa — Deus prepara uma nova primavera da fé.


Roma, 24 de fevereiro de 1991


Queridos irmãos,



escrevo no clima litúrgico que nos prepara a reviver o mistério pascal de Cristo. Olhamos para Ele como centro de nossa vida e de to­da a história humana. Ele é o Bom Pastor, “enviado” pelo Pai a dar vi­da a uma Igreja toda ela “missionária” entre os povos. Nela suscitou também a nossa vocação como um especial carisma evangelizador.

Gostaria de convidar-vos, aproveitando a recente encíclica do Pa­pa, a refletir sobre a nossa dimensão missionária na Igreja.

Na carta anterior meditamos juntos sobre o acontecimento eclesial que foi o recente Sínodo dos Bispos, para nos preparar a comemo­rar o sesquicentenário da ordenação sacerdotal de Dom Bosco.

Nesta, acredito seja oportuno entreter-vos sobre outro aconte­cimento eclesial: a publicação da encíclica Redemptoris missio. É bom sintonizarmos, na oração e reflexão, com as orientações da Igreja.

A encíclica trata de um tema vital para todos os fiéis; e diz respei­to também a nós.

Por outro lado, na cidade de Lima, capital do Peru, celebrou-se com grande participação o COMLA-4 (Quarto Congresso Missionário Latino-americano) para fortalecer naquelas Nações, culturalmente cristãs, o compromisso missionário. Também esse acontecimento nos estimula a refletir sobre a importância das missões.

Além disso, também durante o nosso CG23 tratou-se da dimensão missionária da Congregação propondo sinteticamente uma orientação operacional para a avaliação e a progressiva coordenação das novas presenças no continente africano.1 Esta orientação foi atentamente es­tudada pelo Reitor-Mor com seu Conselho, estabelecendo algumas dis­posições, que já estão sendo executadas.2

Tal conjunto de circunstâncias, além das numerosas viagens “mis­sionárias” — programadas este ano pelo Reitor-Mor e pelos vários Con­selheiros Gerais —, convidam-nos a concentrar a atenção sobre um te­ma que é certamente vital. Ele faz-nos vibrar com os compromissos mais corajosos assumidos pela Congregação. Faz-nos também aprofun­dar uma orientação qualificante que o Papa lembrou várias vezes: o de sermos, em todos os lugares, verdadeiros “missionários dos jovens”. Existe algo na palavra “missionário” que nos reconduz às raízes da fé e nos faz perceber mais explicitamente o significado próprio da nossa vocação salesiana.

Antes de nos adentrarmos nos aspectos mais substanciais da encí­clica, é útil que reconsideremos juntos a dimensão missionária da nos­sa Congregação (e Família). Esta característica, em casa, é mais que pacífica. Não o é, porém, tão claramente fora. Assim, por exemplo, al­guns elencos, mais ou menos oficiais, não costumam inserir nossa Congregação (com as correspondentes consequências) entre os Institutos missionários.

E útil que consideremos brevemente, juntos, antes de mais nada o coração missionário de Dom Bosco, depois seus proféticos sonhos mis­sionários, para poder afirmar com razão a dimensão missionária da nossa Congregação.



O coração missionário de Dom Bosco



Podemos dizer que Dom Bosco pode ser inserido na longa série de missionários do século XIX, mesmo que nunca tenha estado pessoal­mente nas missões “ad gentes”.

O ideal missionário — escreve Eugênio Ceria — cresceu, pode-se dizer, com ele”.3 E um ideal intrínseco ao seu projeto vocacional de Fundador e inserido em sua vida. Antes, como estado embrionário e in­consciente, depois — gradativamente — de maneira cada vez mais cla­ra e distinta.

Afirmam isso, com palavras mais ou menos claras, seja o P. Paulo Albera seja o P. Filipe Rinaldi. Ambos sublinham que a visão missioná­ria de Dom Bosco já está presente no sonho dos nove anos.

As missões “ad gentes”, escreve o P. Albera, “foram sempre a aspiração mais ardente do coração de Dom Bosco e não tenho medo de errar se afirmo que Maria SS. Auxiliadora, desde suas primeiras manifestações maternas concedeu-lhe, jovenzinho ainda, uma clara intuição... Disso nos falava continuamente a nós seus primeiros filhos que, maravilhados, sentíamo-nos transportados por santo entusiasmo junto à cama de um seu querido jovenzinho, João Cagliero, moribundo, viu os indígenas da Patagônia esperando dele a redenção; e Dom Bosco lhe anuncia a cura, revelando-lhe parte de seus futuros desígnios”.4

O P. Rinaldi, também afirma: “Comemorando aquele primeiro so­nho do venerável Pai, festejamos implicitamente o centenário do início de toda a Obra Salesiana; naquela primeira visão ele, pode-se dizer, foi consagrado apóstolo da juventude, pai de uma nova família religio­sa, missionário dos povos “não cristãos”; ela de fato suscitou-lhe no co­ração também um vastíssimo desejo de vida religiosa e de evangeliza­ção dos infiéis”.5

Realmente o ideal missionário, já vivo nele no final dos estudos gi­nasiais,6 cresce e se desenvolve com o passar do tempo.

Concluído o período de formação pastoral no “Colégio” de S. Fran­cisco de Assis, em Turim (1844), ele pensa entrar na Congregação do Oblatos de Maria, que abrira uma f florescente missão na Indochina (Vietnã), para ser também ele missionário. Prepara-se com a oração e com o estudo de alguma língua. O P. Cafasso, seu diretor espiritual, deixa-o estar, mas na hora oportuna manda parar tudo com um “não” decidido, e o segura em Turim, encontrando-lhe um lugar junto ao internato da marquesa Barolo, onde poderá interessar-se por muitos jovens. Ele obe­dece, e a Providência o guiará por seus caminhos. Mas o trabalho apos­tólico entre os jovens, antes que atenuar o seu ardor missionário, fortalece-o com luz mais viva e reveste-o de originalidade.

Sabemos que as aventuras missionárias, relatadas nos Anais da Propagação da Fé7— uma de suas leituras preferidas —, impressionavam-no profundamente. Havia em jogo tantas almas a serem salvas, das quais sentia-se, de alguma maneira, corresponsável.

Desde 1848 o P. Rua e outros ouviram-no exclamar muitas vezes: “Oh, se tivesse muitos sacerdotes e muitos clérigos, gostaria de man­dá-los a evangelizar a Patagônia, a Terra do Fogo...”.8

Foi visto, naqueles anos, a olhar em algum mapa e se entristecer com o pensamento que “tantas regiões estivessem ainda na sombra da morte”.9

Quando, após muitos sacrifícios, pode finalmente iniciar suas mis­sões (1875: o maior empreendimento da Congregação!), o seu coração missioná­rio exulta e, aparentemente, parece vibrar exclusivamente por elas. Afirmam-no os seus primeiros sucessores: “A partir daquele ano — es­creve o P. Albera — as Missões foram o centro de seu coração e parecia vivesse unicamente por elas... Falava delas com tanto entusiasmo que ficávamos maravilhados e muito edificados pelo seu inflamado ardor pe­las almas”.10

Com não menor intensidade o P. Rinaldi, falando de lembranças distantes, assim se expressa: “No seu grande coração ficaram acumula­dos por anos e anos os ardores apostólicos de um Francisco Xavier, ali­mentados por uma chama enorme que ia iluminando o futuro median­te os sonhos... Tenho para mim, que talvez nenhum missionário foi mais entusiasta e incansável propagandista do que ele. Revejo a este Pai amadíssimo nas longínquas lembranças da minha vocação salesia­na, exatamente nos anos do seu maior fervor missionário; e a impres­são que me ficou permanece indelével: era um verdadeiro missionário, um apóstolo devorado pela paixão das almas”.11

Mas Dom Bosco não guardou para si seu ideal missionário. Transmitiu-o à sua Congregação (e Família) como elemento constitutivo de seu patrimônio espiritual e apostólico. O relatório escrito para o Papa Leão XIII é claro: “As missões estrangeiras foram sempre objetivo almejado pela Congregação salesiana”.12

Quis, portanto, que a sua fundação fosse também missionária “ad gentes”.

Seria interessante considerar, ainda que brevemente, alguns “so­nhos” de Dom Bosco que manifestam com clareza o seu projeto de Fun­dador.



Sonhou os seus no Sul e no Oriente



Sonhos, Dom Bosco teve vários: foi apropriadamente chamado “o Santo sonhador”.

A classificação (deles) é um problema espinhoso; mais ainda o é a sua interpretação. Não temos ainda hoje um estudo crítico-científico completo, nem sequer é fácil realizá-lo.13

Isto, porém, não significa que alguns de seus sonhos não tenham importância histórica e profética. Corroboram sua personalidade caris­mática, levando-o a corajosas iniciativas humanamente inexplicáveis.

Comentando o sonho chamado do personagem dos dez diaman­tes,14 dizia eu que se pode falar dos sonhos de Dom Bosco em um nível diferente e mais vital do que o crítico-científico (ainda que importante para a necessária seriedade da pesquisa). Trata-se do nível de influên­cia existencial no próprio ânimo do Fundador e na vida dos seus filhos.

Alguns sonhos devem ser considerados “reveladores”; não se po­dem explicar unicamente com uma análise da interioridade pessoal do Santo.

O P. Tiago Costamagna — depois bispo — (que constatara na Amé­rica Latina o valor carismático dos vários sonhos e que percebia sem dúvidas em Dom Bosco uma “personalidade profética”), após a leitura de um sonho missionário de 1885 escrevia ao P. Lemoyne citando uma frase que o bom Pai lhe dissera confidencialmente: “dentre todas as Congregações e Ordens religiosas, a nossa foi talvez a que mais Pala­vra de Deus teve”.15

Entre os chamados “sonhos reveladores”, há cinco que se referem exatamente às missões:

um sobre a Patagônia, de 1872: serviu para que se decidisse a iniciar as missões;

um segundo que descreve uma viagem através da América Latina, de 1883: apresenta muitos elementos não só desconhecidos a Dom Bosco, mas também aos estudiosos da época;

um terceiro, sobre o sul da América, de 1885: aquele que levou o P. Costamagna, já naqueles Países, a escrever a famosa frase que citamos;

um quarto, sobre a África, a Ásia e a Oceania, também de 1885; consideramo-lo hoje com especial maravilha porque já vemos bem desenvolvida sua maravilhosa realização;

e um quinto, sobre a viagem “aérea” de Valparaíso a Pequim, de 1886. Eu quis de alguma maneira controlá-lo geograficamente em diferentes viagens para convidar todos a reabrirem com esperança nossa coragem em favor do “Projeto-China”.16

Estes “sonhos missionários” ajudam-nos a conhecer a mente do Fundador, a compreender a magnanimidade e a audácia de suas inicia­tivas. Vê-se neles sem dúvida inserida a Congregação entre os grupos eclesiais comprometidos, como tais, com as missões “ad gentes”. E exa­tamente naquele Sul e naquele Oriente de que fala a encíclica: profeti­zam a fecundidade vocacional entre os autóctones. E abrem espaços de futuro para serem verificados... dentro de 500 anos!17

O tempo, desde a primeira expedição missionária (1875) até hoje, demonstra a realização desses sonhos, posto que permaneçam ainda abertas as fronteiras de crescimento. Especialmente na China, onde sem dúvida as missões salesianas tiveram sucessos inesperados e fo­ram fecundados pelo sangue dos nossos primeiros mártires.

São sonhos que — fato talvez único na história — traçaram, com uma antecipação de várias décadas, os caminhos que depois trilharam os seus. E com razão Dom Bosco é visto hoje, nas mais diferentes regiões do mundo, como presença precursora e paterna, como amizade cultu­ral e potente proteção.

Em numerosas viagens pelos vários continentes, eu mesmo pude, de alguma maneira, muitas vezes constatar o alcance profético desses sonhos, que ainda hoje projetam uma luz para o futuro. Pude constatar isso na América Latina, na África e Madagascar, na Ásia, no Japão e nas Filipinas, na Austrália e na Oceania. Os nossos irmãos desses Paí­ses releem e consideram esses sonhos como providenciais mensagens proféticas. Em alguns casos, fui até solicitado a resolver animadas discus­sões sobre algumas indicações geográficas.

São sonhos que incidiram verdadeiramente sobre a vida missioná­ria da Congregação (e ainda influenciam). Confirmam, a seu modo, um aspecto constitutivo da própria vocação salesiana na Igreja.



A nossa é uma Congregação missionária



A mente e o coração do Fundador e a tradição ininterruptamente vivida na Família, confirmam abertamente que a dimensão missionária é “elemento essencial” do nosso carisma.18 As missões “ad gentes”, para nós Salesianos, não são simplesmen­te um “conjunto de obras” iguais às outras, com a única diferença de estarem localizadas em Países distantes e com uma cultura diferente: não, não! Elas representam — muito mais profundamente — um aspecto constitutivo, uma dimensão peculiar da nossa identidade de Salesianos de Dom Bosco na Igreja. É verdade que a Congregação não é indicada no Anuário pontifício entre os “Institutos missionários” em senti­do estrito (ou seja, entre aqueles que se dedicam só às missões estran­geiras); porém nela — e precisamente enquanto instituição eclesial — o Fundador quis um verdadeiro compromisso missionário “ad gentes”. O seu foi um projeto verdadeiramente providencial. Hoje devemos reco­nhecer que as missões foram o instrumento histórico para a universalização e inculturação do carisma salesiano no mundo. É um grande merecimento.

Entre nós, cultivaram-se desde o início as vocações missionárias em sentido estrito, ou seja, o cuidado daqueles irmãos — não poucos — enriquecidos com a “vocação especial” que constitui a nota característica de todo verdadeiro missionário. E esta vocação especial não é neles algo excepcional relativamente aos outros irmãos, mas a expres­são mais viva e mais generosa da vocação de todos. De fato, ela mani­festa uma condição interna à índole própria do carisma comum; todo ir­mão está, de per si e no diálogo da obediência, disponível a ser manda­do para as missões.

Iniciamos — há mais de 100 anos — as nossas missões na Améri­ca Latina. 50 anos depois nos orientamos para a Ásia. E ultimamente (50 anos depois!), assumimos como um projeto unitário a presença na África e na Oceania. Podemos afirmar que verdadeiramente nos dirigi­mos, como sugere o Papa, para o Sul e o Oriente,19 onde se constata o maior crescimento demográfico da humanidade: muita juventude e tan­ta pobreza.

As nossas missões demonstram, em três grandes etapas, sucessi­vas e em nível mundial, a concreta opção preferencial da Congregação pelos jovens pobres e necessitados.

Nos últimos dois decênios houve entre nós um novo impulso missio­nário. Trata-se de uma iniciativa providencial que está revitalizando o carisma e que nos projeta com esperança para o futuro. Na circular sobre o “nos­so compromisso africano”,20 dizia-vos que a abertura dessa nova fron­teira missionária é inerente à nossa tradição de vida e portadora de pre­ciosas bênçãos de Deus. Estamos vendo confirmada aquela afirmação. O compromisso missionário está libertando-nos dos perigos do aburguesamento, da superficialidade espiritual e do genericismo. Nas missões, percebemos o gosto pelas origens, experimentamos a permanente vita­lidade do critério oratoriano, e parece-nos ver que Dom Bosco revive na autenticidade primitiva de sua missão juvenil e popular.

O CG23 orienta nossa atenção particularmente para o Projeto-África, mas aqui desejo convidar-vos a refletir ao mesmo tempo sobre to­das as outras fronteiras missionárias, algumas das quais são expressão de recentes iniciativas, como as das “missões nas alturas” da América Latina, as da Papua Nova Guiné e ilhas Samoa, a abertura na Indonésia e no Camboja e, com esperança e preparação, a volta ao imenso conti­nente chinês.

Com relação ao nosso compromisso na África, podemos afirmar que estamos iniciando uma nova etapa, que se caracteriza por uma cla­ra e crescente consciência de inserção na cultura daqueles povos, pela consolidação e o desenvolvimento das presenças, por uma cada vez mais apropriada prática evangelizadora da juventude e, de maneira particular, pelo cuidado das vocações locais e de sua adequada forma­ção mediante estruturas necessárias. Estamos dando um grande passo, que deveria ajudar-nos a rever e aprofundar o significado de todos os nossos compromissos.

Para continuar com sabedoria e eficácia nesta nova etapa é bom reforçar, não só naqueles que estão diretamente empenhados, mas em todos os irmãos, uma mais genuína mentalidade missionária.

A ocasião é-nos oferecida pela recente importante encíclica sobre as missões. O esclarecimento daquilo que é, ainda hoje, a atividade es­pecificamente missionária aprofunda e concretiza o significado de to­da a nova evangelização; trata-se para todos de repensar a autenticida­de da fé: a do apóstolo e a do catecúmeno.

O Santo Padre insiste em afirmar que a finalidade interna da encí­clica é, afinal, “a renovação da fé e da vida cristã. De fato, a missão re­nova a Igreja, revigora a sua fé e identidade, dá-lhe novo entusiasmo e novas motivações.21

Procuremos utilizar estas reflexões e orientações do magistério do Papa. Em todos nós há uma raiz missionária que pede à nossa fé o compromisso de transmiti-la. Também o CG23 nos lembrou que o nosso apostolado vai “da fé” (a nossa) à (dos jovens)” sob o impulso da espiritualidade salesiana que nos impele a caminhar.

João Paulo II, por outro lado, lembra a todos que “é dando a fé que ela se fortalece”.22





A mensagem do Papa na encíclica Redemptoris missio



Por ocasião do 25º aniversário do decreto conciliar Ad gentes (de­zembro de 1965), o Santo Padre publicou a encíclica Redemptoris mis­sio para afirmar claramente a permanente validade do mandato mis­sionário na Igreja. Ela representa um grande apelo do Papa para res­ponder com maior reponsabilidade ao desafio das missões “ad gentes”. Além disso, a encíclica oferece reflexões e esclarecimentos diante das impor­tantes evoluções que se verificaram nos últimos decênios.

O título de encíclica lembra-nos o anúncio dirigido a todos por João Paulo II no início de seu pontificado: “Abri as portas a Cristo!”. Grito que encontrou depois um amplo comentário em sua primeira en­cíclica Redemptor hominis, em que afirma que o “primeiro caminho da Igreja” é o homem. A esses e a outros apelos o Papa acrescentou depois o seu testemunho pessoal no modo de exercer o ministério de Pedro. Justamente definiram-no, por causa de suas frequentes viagens apostólicas, “o primeiro missionário do mundo”.

Pode-se dizer que a exortação de abrir as portas a Cristo é o ele­mento fundamental de todo o seu pontificado: em particular, constitui a primeira grande finalidade desta nova encíclica: “a missão de Cristo Redentor, confiada à Igreja, está ainda no começo!... Devemos empenhar-nos com todas as forças”.23 É suficiente olhar para a humanidade atual: numa população com mais de 5 bilhões de habitantes, só um ter­ço conhece Jesus Cristo, e destes só 18% professam-se católicos (e en­tre os católicos nem todos são verdadeiros fiéis). No continente asiáti­co, onde vivem 60% da humanidade, os batizados não chegam a 2%. E, em todos os lugares, cresce mais depressa o número daqueles que não o conhecem, do que o número daqueles que o seguem.

É urgente, portanto, relançar a preocupação missionária; ela esti­mulará a renovação de todos os compromissos na evangelização e apre­sentará a Igreja como verdadeiro sacramento de salvação no mundo.

A encíclica considera os progressos feitos e abre novas perspectivas.

Podemos indicar algumas: a novidade conciliar do profundo conte­údo teologal da “missão”; a novidade da diferença entre atividade espe­cificamente missionária em relação seja ao cuidado pastoral dos fiéis seja à reevangelização dos países agora em acelerado processo de secularização; a novidade dos critérios para descrever especificamente a atividade missionária: não só critérios “geográficos”, mas também “so­ciológicos” e “culturais”; a novidade da importância dada às jovens Igre­jas ainda necessitadas de ulterior amadurecimento; a novidade da inclu­são de compromissos promocionais para o desenvolvimento dos povos mediante a educação das consciências.

A encíclica afirma, em síntese, que a atividade missionária aju­da a Igreja a responder ao imenso desafio de uma mudança de época, nunca vista até agora nos séculos por sua amplidão, profundidade e ra­pidez. Nesta mudança, o compromisso missionário aparece como “a ati­vidade primeira da Igreja, essencial e jamais concluída”.24

Convido a todos a relerem reler com atenção o documento pontifício.

Aqui refletiremos juntos sobre alguns aspectos que nos ajudarão a en­trar corajosamente em sintonia com o coração missionário de Dom Bosco.



O ardor na “missão” procede do mistério de Deus



O conceito de “missão” está no centro de toda a renovação eclesiológica trazida pelo Concílio Vaticano II; ele está intimamente unido à natureza mesma da Igreja, corpo histórico do mistério de Cristo. Sua dimensão missionária, de fato, encontra suas raízes nas missões trinitárias: na do Verbo enviado pelo Pai a se encarnar no seio de Maria, e, pela ressurreição de Cristo, na do Espírito Santo. A Igreja, Sa­cramento universal de salvação, harmoniza organicamente em si as duas missões trinitárias e torna-se a grande evangelizadora de todos os povos.

O Concílio, proclamando a natureza missionária da Igreja (especial­mente através da Lumen gentium e do decreto Ad gentes), afirma a extraordinária vitalidade deste seu dinamismo inato, sobretudo na atual mudança de época “da qual nasce uma nova condição da humani­dade”.25 Não só existe no mundo uma cultura emergente, que em si não nasce cristã, mas os próprios povos estão em movimento e o núme­ro dos homens que não conhecem Cristo aumenta sempre mais; os ho­rizontes e as possibilidades de compromisso missionário ampliam-se. A atividade missionária da Igreja está bem longe de se concluir; aliás — afirma o Papa — está só no começo. Os “últimos confins da Terra” indicados pelo Evangelho não são simplesmente geográficos; e pode­mos afirmar que, antes de estarem mais perto, eles se afastam. De aí a urgência missionária. Os fiéis estão todos convidados a se abrirem aos vastos horizontes do mundo não cristão.26

Esta visão conciliar infundiu novo ardor à Igreja. Em certo sentido fez confluir a consideração das “missões ‘ad gentes’” no único e funda­mental caminho da “missão” de evangelização (própria de todo o Povo de Deus), incorporando assim organicamente a missiologia na eclesiologia. Isto serve para melhor iluminar a atividade evangelizadora da Igre­ja, reforçando as estreitas relações que deve cultivar com o homem contemporâneo. Assim saberá dar respostas de salvação a seus insisten­tes desafios.

E nesta perspectiva global que nasceu a exigência da “nova evan­gelização” que orienta, hoje, a renovação da inteira ação eclesial. Tu­do se apoia nas missões trinitárias que se encarnam e fundamentam historicamente na única e fundamental missão da Igreja.



A atividade missionária ocupa o primeiro lugar na evangelização



Diante da visão unificadora do Concílio não faltou quem se pergun­tasse se ainda é oportuno falar de atividade missionária específica; não seria suficiente falar só de missão inerente a toda atividade eclesial?

Certamente é preciso reconhecer que se a missão da Igreja é úni­ca ela deve estar concretamente presente em cada uma das atividades eclesiais. Isto, porém, não comporta como consequência igualar entre si todas essas atividades. A encíclica está toda ela voltada para afirmar que a atividade das mis­sões “ad gentes” permanece como fundamental e indispensável: “Torna-se necessário — afirma — precaver-se do ris­co de nivelar situações muito diferentes, e reduzir ou fazer desapare­cer a missão e os missionários ‘ad gentes’”.27

O decreto conciliar já afirmara que a diferença nas atividades evan­gelizadoras não nasce da natureza eclesial da missão, que é sempre a mesma na sua identidade fundamental, mas é provocada pelas condi­ções existenciais dos destinatários. Essas condições dependem seja da Igreja seja também dos povos, dos grupos, ou dos homens aos quais a missão é dirigida.28 Assim, no contexto da única missão distinguem-se várias atividades evangelizadoras: tudo é evangelização — aliás, depois do Concílio, tudo deve ser “nova evangelização”29 —, mas é ne­cessário distinguir entre si algumas atividades com características pecu­liares.

O próprio decreto Ad gentes distinguia a específica atividade missionária da pastoral (em relação aos fiéis) e da ecumênica (em relação à recomposição da unidade dos cristãos).30

A última encíclica apresenta em geral três diferentes modalidades de atividade evangelizadora: a) a “atividade missionária” entre os po­vos que não conhecem Cristo; b) o “cuidado pastoral” entre os fiéis cris­tãos; e a “reproposta do Evangelho” nos Países de antiga tradição cris­tã atualmente secularizados.

Os limites entre as três modalidades não são claramente definíveis; certamente, estas atividades não se identificam uma com a outra, nem se eliminam mutuamente como se se pudesse fechar cada uma de­las numa espécie de bloco totalmente isolado. São intercomunicantes; com uma condição, porém: a atividade especificamente missionária sig­nifica diante das outras a expressão primeira e qualificante de toda a evangelização: “sem a missão ‘ad gentes’, a própria dimensão missioná­ria da Igreja ficaria sem seu significado fundamental e seu exemplo de atuação”.31 O desinteresse por ela ou seu enfraquecimento demons­traria falta de fervor e seria sinal de crise na fé.

Assim, na visão conciliar da única missão, distinguir a atividade especificamente missionária das outras, em lugar de enfraquecê-la ou deixá-la de lado, reforça sua identidade e consistência e repropõe o elevado valor do serviço, o primeiro, que constitui o fundamento e a alma di­nâmica também para as outras.

Mas como individualizar, hoje, as caraterísticas próprias das mis­sões “ad gentes”? Abre-se aqui uma problemática não fácil; há em todo caso elementos que ajudam as diferentes situações; sobretu­do ajudam a afirmar como princípio fundamental a importância de dois aspectos mutuamente interligados: isto é, que todas as atividades evan­gelizadoras procedem da única missão da Igreja, e que a atividade es­pecificamente missionária é a raiz e o estímulo primeiro das outras ati­vidades evangelizadoras.

A encíclica aprofunda, de maneira articulada e elaborada, o signi­ficado da atividade missionária em sentido específico. “Distingue-se das outras atividades eclesiais por se dirigir a grupos e ambientes não cristãos, caraterizados pela ausência ou insuficiência do anúncio evan­gélico e da presença eclesial”.32 O seu objetivo central é fundar comunidades cristãs “suficientemente amadurecidas para poderem encar­nar a fé no próprio ambiente e anunciá-la a outros grupos”.33

Consideram-se, portanto, também os aspectos sociais e culturais: “trata-se de um grande e longo trabalho, onde é difícil indicar as eta­pas em que cessa a ação propriamente missionária para se passar à ati­vidade pastoral”.34

Ao critério geográfico com que se costumava indicar as “terras de missão” — e que em parte permanece ainda válido (a encíclica fala de Sul e de Oriente) —, acrescenta-se um critério de ordem sociológica. Toma-se em consideração algumas grandes transformações que carac­terizam hoje o devir social, como a explosão demográfica nalguns Paí­ses, o mundo juvenil e do trabalho, a urbanização e as migrações, os refugiados e exilados etc.; e finalmente também um critério próprio da cultura emergente onde aparecem — como se fala na encíclica — alguns “areópagos modernos” (fazendo simbolicamente referência — como São Paulo — ao areópago de Atenas, que representava o centro cultural dos cidadãos), como a vasta área da comunicação social, da promoção da mulher, da solidariedade internacional, dos compromis­sos pela paz, pela liberdade e a justiça, a complexa área da pesquisa científica etc. Considerando os critérios propostos na encíclica, vê-se logo que a atividade especificamente missionária tornou-se hoje multiforme e flexível; já não se pode encerrá-la apenas na área territorial nem redu­zi-la a uma visão de sabor romântico, de florestas e desertos. Existe, afirma a encíclica, “alteração tal de situações religiosas e sociais que se torna difícil aplicar em concreto certas distinções e categorias eclesiais a que estávamos habituados”.35

As diferenças sociológicas e culturais, porém, não fazem perder as notas substanciais que caracterizam e distinguem a atividade especi­ficamente missionária, seja da pastoral, seja da proposta evangélica aos grupos secularizados.

A nós interessa aprofundar um pouco esta elasticidade no concre­to da atividade especificamente missionária aplicada ao nosso carisma. Por ora é-nos suficiente saber que a encíclica assegura sua permanência, que aliás “está ainda no início”.36 Antes de continuar, interessa focali­zar algumas dimensões novas bem positivas. A encíclica ajuda a afas­tar algumas dúvidas e ambiguidades que surgiram e as acompanham.



O missionário é convidado a se renovar sem se desviar



Entre as novidades que a encíclica aprecia e ressalta, encontramos três particularmente significativas: a visão conciliar de “Reino de Deus” mais ampla do que a de Igreja; o processo de personalização que apro­funda os valores da subjetividade, evitando na atividade evangelizado­ra tudo que tenha sabor de proselitismo; e os novos exigentes valores seja do ecumenismo seja do diálogo inter-religioso e da urgência da inculturação do Evangelho.

Trata-se de algumas perspectivas atuais importantes para a nova evange­lização e que devem ser assumidas em cada uma das atividades apostó­licas da Igreja. O missionário é chamado, então, a renovar-se seguindo as indicações do Vaticano II: deve saber incorporar ao Reino, em sua atividade evangelizadora, os valores da criação; deve seguir uma meto­dologia capaz de mover a liberdade e a consciência pessoais; deve evi­tar os tons polêmicos e apologéticos para dar espaço a um inteligente e bem preparado diálogo inter-religioso. Não pode satisfazer-se com uma espécie de sacramentalismo mágico.

Como todas as novidades, também estas que indiquei trouxeram consigo algumas ambiguidades e levantaram dúvidas até agora inéditas.

A encíclica oferece uma preciosa iluminação para esclarecê-las. Surgiram de fato, sobre isso, algumas interpretações superficiais que, em lugar de renovar, pretenderiam marginalizar e enfraquecer, cá e acolá e de várias maneiras, a mesma atividade missionária. Interessa-nos seguir e encíclica para esclarecer as três novidades mais significativas indicadas.



O perigo de favorecer um sentido redutivo do “Reino”



O Concílio Vaticano II apresentou uma necessária distinção entre “Igreja” e “Reino de Deus”.37 “A realidade inicial do Reino pode estar também fora dos confins da Igreja na humanidade inteira”; aliás, o Po­vo de Deus tem a missão de coordenar, aperfeiçoar também os valores evangélicos das culturas e da ordem temporal em relação ao mistério de Cristo: a Igreja, de fato, é “semente e início” do Reino na história.38

A explícita visão conciliar assegura um horizonte mais amplo da atividade missionária e, para nós, serve para sublinhar o estilo sale­siano de interação e mútua circularidade entre evangelização e promo­ção humana.

Alguns, porém, interpretando mal a distinção, propuseram alguns anos atrás uma ideia secularista do Reino. Concentram a atenção nos valores humanos da ordem temporal e marginalizam a missão específi­ca da Igreja (porque é preciso evitar, afirmam, todo centralismo eclesial). Enquanto aprofundam os valores da ordem da criação (aliás positiva), passam por cima do mistério de Cristo Redentor (cujo esquecimento desvirtua o Cristianismo). Evidenciando só a riqueza da laicidade na rea­lidade histórica das culturas, chegam a concluir que “o que conta são os programas e as lutas para a libertação socioeconômica, política e também cultural” visando um progresso puramente terreno.39

Nesta visão ideológica marginaliza-se a atividade tipicamente mis­sionária; o primeiro objetivo a ser alcançado não seria o anúncio de Cris­to, mas o da justiça social, sobretudo entre os povos mais necessitados. É um perigo a ser evitado. Mas não é suficiente evitá-lo; o mis­sionário deve saber incorporar a novidade desta visão conciliar em sua atividade de enviado de Deus.

A nova evangelização, com efeito, empenha-se em valorizar mais o mistério da criação;40 o que evidentemente deve ser feito em plena e indispensável correlação com o mistério da redenção, focalizando a no­vidade do Evangelho e a necessidade histórica e teologal da cruz.41 O Reino de Deus, afirma o Papa, “não é um conceito, uma doutrina, um programa sujeito à livre elaboração, mas é, acima de tudo, uma pessoa que tem o nome e o rosto de Jesus de Nazaré, imagem do Deus invisí­vel”.42 É nele e através d’Ele que a nova evangelização privilegia a di­mensão social da caridade.43 É, pois, o mistério de Cristo que salva e valoriza a ordem temporal. O mesmo Concílio lembrou explicitamente que “a obra de Cristo, que consiste essencialmente na salvação dos homens, inclui também a instauração da ordem temporal... permeando-a e aperfeiçoando-a com o espírito evangélico”.44

Do mistério de Cristo — criador e redentor — nasce e cresce, por exemplo, a vocação e missão dos fiéis leigos no mundo e a urgência de saber formar adequadamente suas consciências. Quantos horizontes de novidade abrem-se aqui para a atividade do missionário!

A reta visão do Reino não marginaliza, nem deixa para um segun­do plano a atividade missionária; exige, isto sim, a sua realização mais atualizada. Ou seja: a autêntica perspectiva da realidade histórica do Reino fortifica e amplia os alicerces e as finalidades do compromis­so missionário e ilumina o nosso “evangelizar educando”.



A tentação de não se comprometer na “conversão” e no “batismo”



Outra ambiguidade que a encíclica esclarece é a tentação de reduzir o Cristianismo a uma espécie de religião igual às outras: uma entre as muitas. E como em cada religião pode-se encontrar a possibili­dade de salvação, esvaziar-se-ia de sentido o trabalho de conversão. Quem cresceu numa cultura afastada do mistério de Cristo, mas imbuí­da de certa religiosidade, não deveria ser perturbado em suas crenças, mas ajudado a crescer nelas para reforçar a transcendência religiosa; o fato de convidá-lo a “se converter” seria “proselitismo” e ameaçaria a própria dignidade da pessoa. Assim o respeito pela liberdade e a cons­ciência excluiria a atividade missionária enquanto tendencialmente orientada para a conversão. E tem mais: no caso de conversões pes­soais a Cristo, este fato não deveria trazer consigo como conclusão ób­via a administração do sacramento do Batismo (que em casos concretos cria problemas sociais); de modo que ele não seria mais necessário pa­ra a salvação. Deus supriria com os elementos positivos das várias reli­giões. E esta interpretação deveria ser oferecida aos missionários co­mo uma atualização antropológica a ser seguida em suas programações.

A encíclica ajuda a refletir sobre a total originalidade do Cristianis­mo: ele não é simplesmente uma “religião” (fruto da busca humana), mas é uma “fé” que vem do alto mediante fatos históricos. Nenhuma religião humana é, por si mesma, portadora de salvação; só o acontecimento-Cristo: “ninguém vai ao Pai, senão por mim”.45 A “boa nova” des­te acontecimento histórico não é uma concepção cultural alienada das diferentes realidades dos povos que tenham recebido a notícia, mas é um fato que pertence também a eles, aliás da qual eles têm urgente ne­cessidade. De aí a importância missionária do “primeiro anúncio”: não se pode ficar calados: “Para mim é um dever — exclama São Paulo —. Ai de mim se não evangelizar!”.46 Todos, pois, podem perceber de algu­ma maneira o mistério de Cristo porque não se expressa com conceitos abstratos, mas narrado através dos acontecimentos reais de sua vida (nascer, fazer o bem, ensinar a verdade, sofrer, morrer, viver). Não existe nenhuma estrutura cultural que impeça compreender a “boa nova”, indispensável para cada pessoa e propriedade de todos os po­vos. A fé concentra-se sobre a realidade histórica de Jesus Cristo; é só n’Ele que se sabe “quem” é e “como” é Deus; é só por meio d’Ele que exis­te uma saída: “fora dele não há salvação”.47

E é justamente este elemento objetivo que constitui o motivo funda­mental pelo qual a Igreja é por sua natureza missionária.

A encíclica, portanto, faz ver por que o anúncio e o testemunho de Cristo, respeitando sempre as consciências, são uma proposta apre­sentada à liberdade do homem para favorecer e aperfeiçoar sua digni­dade.48 A conversão a Cristo é um dom de Deus; toda pessoa tem direi­to a ela, porque através da própria existência cada um é pessoalmen­te chamado à salvação. Pedro e os Apóstolos proclamavam explicita­mente a urgência de voltar-se para Cristo: “Convertei-vos!”.49

E o próprio Jesus uniu a conversão ao sacramento do Batismo.50 Se­parar a conversão do Batismo significaria apagar o genuíno significa­do da fé cristã; Cristo quis permanecer concretamente na história (em favor de cada pessoa) através da Igreja, como seu próprio Corpo “sacra­mental” portador de todos os elementos vitais de salvação e “lugar” em que é possível encontrar-se com Ele de maneira segura e com fre­quência.

O Batismo é o grande “sacramento da fé”; incorpora cada um, de maneira objetiva e orgânica, à Igreja, Corpo de Cristo aqui e agora.51 É verdade que ao redor da celebração do Batismo podem ter sido acres­centadas modalidades sociológicas (e até superstições), mas isto ofere­ce, em todos caso, uma razão a mais para sublinhar melhor a sua natu­reza própria e indispensabilidade teologal.

Portanto, a atividade missionária, repensada e relançada com os critérios da eclesiologia conciliar, é chamada a renovar seus métodos também considerando o estudo da subjetividade e das características de cada cultura; deve visar a consciência e a liberdade. Exatamente por isso é estimulada pelo próprio Cristo e pela prática secular da Igre­ja a solicitar, com inteligente pedagogia, a conversão das pessoas a Cristo, acompanhada por uma apropriada preparação ao Batismo, co­mo sacramento da vida nova que incorpora à comunidade dos fiéis na edificação da Igreja local.



Os riscos de um relativismo religioso



O fato que depois do Concílio tenha havido uma intensificação do ecume­nismo entre as várias denominações cristãs — pelas riquezas batismais comuns — e em diálogo com as outras religiões (sobretudo o Budismo, o Hinduísmo e o Islamismo) — visando as sementes da verdade evangéli­ca presentes nelas —, levou alguns a supor que a atividade missionária específica poderia ser substituída (nessas regiões) por oportunas rela­ções inter-religiosas. Considerando ainda que várias religiões estão for­temente encarnadas nas culturas dos povos que as professam, sugere-se que para inculturar a cristã naqueles povos seria necessário acei­tar essas modalidades de vida, também nos aspectos delicados da con­duta pessoal, familiar e social, pensando (e é também verdade) que o Evangelho não é propriamente uma moral.

Primeiramente, o “ecumenismo” deve ser entendido e assumido em profundidade; não deve ser identificado simplesmente com os en­contros de diálogos e contatos de colaboração, mesmo que estes mani­festem sua natureza. Essas iniciativas podem dar frutos nalgumas re­giões e não em outras; podem além disso ter apresentado alguns defei­tos. O ecumenismo apontado pelo Concílio comporta uma mudança pes­soal de mentalidade, uma atitude de busca da verdade, inerente à pró­pria natureza da nova evangelização; é “uma dimensão fundamental de toda a atividade da Igreja”. Exige uma formação adequada em to­dos, também nos missionários, para aprofundar e repensar o Evange­lho com uma mentalidade de compreensão das outras igrejas, na cons­ciência da própria identidade católica. Isto implica uma espécie de for­mação no fiel que, em lugar de torná-lo polêmico, habilita-o a buscar os pontos comuns na verdade e no diálogo; esta formação enriquecerá também o modo de realizar a atividade missionária, valorizando as riquezas comuns do Batismo e da Escritura; evidentemente se­rá necessário evitar cair num “irenismo” prejudicial, sobretudo quan­do se trata de seitas interessadas mais numa vaga religiosidade do que numa verdadeira fé em Cristo.

Quanto ao “diálogo com outras religiões”, trata-se de uma atitu­de semelhante à do ecumenismo, em relação aos valores positivos próprios de cada religião. Isto exige conhecimento das religiões e uma ati­tude de diálogo; saber fazê-lo traz certamente um enriquecimento recíproco. Não se trata simplesmente de mudar de tática, mas de compreender que também nas outras religiões existem as assim chamadas “sementes do Evangelho” que podem crescer e frutificar em plenitude com a ajuda da oração e do poder do Espírito Santo. Com razão a encíclica afir­ma que “as outras religiões constituem um desafio positivo para a Igreja: estimulam-na efetivamente quer a descobrir e a reconhe­cer os sinais da presença de Cristo e da ação do Espírito, quer a aprofun­dar a própria identidade e a testemunhar a integridade da revelação da qual é depositária para o bem de todos”.52

Não é fácil ter esta mentalidade e a correspondente competência de diálogo, mas é verdade que é uma atitude inerente à nova evange­lização iniciada pelo Vaticano II e que deve, portanto, ser parte constitu­tiva da renovada atividade missionária da Igreja.

Há, depois, a tarefa de se dedicar corajosamente à inculturação da fé, evitando, porém, interpretá-la superficialmente, levando-a adian­te sem o devido discernimento e prescindindo por leviandade dos crité­rios de comunhão com a Igreja local.

Em cada cultura (e na religiosidade humana que a permeia) exis­tem, ao lado de tantos valores, também desvios e erros; em particular po­de existir uma visão pré-cristã que não considerou a contribuição históri­ca de Cristo; trata-se, portanto, não só de uma cultura “multimilenária” (rica de muita experiência humana) mas também de um pensamento re­ligioso parado “há mais de dois mil anos” (enquanto carente da experiência de fé que tem início em Cristo). A Igreja se, por um lado, é solicita­da à inculturação do Evangelho na variedade das Igrejas locais, por ou­tro, é convidada pelo próprio Cristo a “evangelizar culturas”, por­tanto a discernir os valores e a purificar os desvalores. E este segundo aspecto também traz consigo incompreensões e perseguições. Todos os apóstolos morreram mártires. O mistério da encarnação do Verbo, enquanto nos mostra a audácia e o realismo de “ser verdadeiro homem”, fala-nos também da coragem do testemunho e da paciência (paixão e morte) na proclamação da verdade salvífica. Cristo também corrige, e purifica, sempre em coerência com a própria identidade de Salvador.

Sabendo que a atitude ecumênica e inter-religiosa tem diante de si longos e difíceis caminhos a serem percorridos (especialmente com o Islamismo), o Papa encoraja os missionários a perseverar com fé e ca­ridade em seu testemunho cotidiano, conscientes que “o diálogo é um caminho que conduz ao Reino e seguramente dará frutos, mesmo se os tempos e os momentos estão reservados ao Pai”.53



Um olhar às missões de Dom Bosco hoje



A atividade missionária apresenta-se hoje multiforme e flexível: ao critério geográfico acrescentaram-se também outros, sociológicos e culturais. Há, portanto, uma evolução e uma mobilidade que não podem ser facilmente fixadas numa lista. O Papa insiste, porém, em afirmar que ficam claras as notas substanciais que especificam a ativi­dade missionária.

Faz bem a todos nós meditar sobre essa evolução e essa permanência, referindo-as às nossas missões.

Hoje, de fato, por mérito de tantos missionários, nasceram não poucas Igrejas particulares entre os povos que dezenas de anos atrás ainda não conheciam Cristo. Todavia naquelas mesmas regiões “há ain­da vastas áreas onde as Igrejas locais não existem ou são insuficientes diante da vastidão do território e da densidade da população”,54 ou seja: onde a fase da “plantatio Ecclesiae” não cresceu suficientemente; “o recente multiplicar-se das Igrejas jovens — reconhece a encíclica — não deve iludir-nos”.55

Portanto, nestas áreas permanece ainda viva a tarefa de formar comunidades cristãs que sejam verdadeiramente sinal da presença de Cristo na vida humana, mesmo que já haja uma fundamental estrutura dioce­sana estabelecida; é urgente continuar o trabalho de evangelização mais profunda.

Por outro lado, podem existir setores da população ou especiais am­bientes socioculturais que ainda não conhecem Cristo.

E isto leva-nos a pensar em outro aspecto a considerar seriamen­te: o dos vários carismas (por exemplo, o nosso) aprovados pela Sé Apostólica para a Igreja universal e que foram suscitados pelo Espírito exatamente para evangelizar determinados setores sociais ou ambien­tes culturais.

O nosso carisma foi suscitado em favor do mundo juvenil e das clas­ses populares. “Direis — observa Dom Bosco falando das missões — que já existem (em terras longínquas) outras Congregações. É mais do que verdade; mas nós vamos em auxílio delas e não para tirar-lhes o lugar, lembrai-vos bem disso! Geralmente, elas ocupam-se dos adultos; nós devemos nos ocupar especialmente da juventude, de maneira pa­rticular daquela pobre e abandonada”.56

A Congregação, de fato, assume sobretudo a tarefa de levar às jo­vens Igrejas (nos Países mais distantes) o dom da própria especializa­ção evangelizadora, ou seja, a capacidade de educar na fé os jovens mais necessitados e as classes populares. É claramente um dom para colaborar na edificação da Igreja local em setores ou ambientes com especial carência de Evangelho.

Certamente, isto pode verificar-se também em Igrejas já suficiente­mente consolidadas; de fato, os três distintos níveis indicados pela encí­clica (atividade missionária, cuidado pastoral e reevangelização) encontram-se facilmente e sobrepõem-se também nos Países considera­dos cristãos.

Mas se é assim, não deveríamos talvez ser missionários quase em todo lugar?

Em sentido geral, sim: é a missão fundamental da Igreja, que esti­mula o nosso zelo apostólico para fazer conhecer Cristo e seu Evange­lho aos jovens (somos em todo lugar “missionários dos jovens”).

Porém, não o somos em todos os lugares em sentido próprio e espe­cífico das missões “ad gentes”. Para sermos missionários neste senti­do estrito, também em nossa Congregação, requerem-se algumas condi­ções particulares, sobretudo as seguintes:



  • viver pessoalmente (por inspiração ou por particular disponibilida­de na obediência) uma vocação caracteristicamente missionária “ad gentes”: “O Cristo Senhor sempre chama entre os discípulos aqueles que Ele mesmo quer, para que estejam com Ele, e os envia a pregar aos povos”; assim os missionários “são assinalados por uma missão especial”.57

  • ser enviados pela legítima autoridade para levar a fé àqueles que estão longe de Cristo;58 isto comporta, de fato, sair da própria pátria e da própria cultura;

  • estar generosamente comprometidos no serviço da evangelização integral sem limites de forças e de tempo;59

  • dedicar-se constantemente, mesmo sendo difícil, a inserir-se o mais possível no povo e na cultura dos novos destinatários;

  • desejar permanecer comprometidos “ad vitam”; este é um aspecto, afirma a encíclica, que conserva hoje toda a sua vitalidade: “repre­senta o paradigma do compromisso missionário da Igreja, que sem­pre tem necessidade de doações radicais e totais, de impulsos novos e corajosos... sem deixar-se atemorizar por dúvidas, incompreen­sões, recusas, perseguições”.60



Se olharmos para os cem anos da atividade missionária da nossa Congregação, constataremos que em várias regiões ela se dedicou (e nalguns casos se dedica ainda) também à “plantatio Ecclesiae”. Em geral, porém, sobretudo ultimamente, foi-se inserindo nas jovens Igrejas do Sul e do Oriente para realizar nelas a peculiar missão juvenil e popu­lar do carisma de Dom Bosco. Nalguns casos, depois, após ter coopera­do para um certo crescimento na edificação da Igreja local (já estabele­cida como “diocese”), transformou sua presença passando da responsa­bilidade global àquela peculiar do próprio carisma.

O que vale mesmo ressaltar é que todas estas atividades especifi­camente missionárias não foram realizadas por indivíduos separada­mente, com um plano pessoal, cada um por própria conta, mas em for­ça da sua vocação salesiana foram enviados a colaborar num projeto missionário comum, organizado pela Congregação. Ela mesma, enquan­to Instituto de vida consagrada, possui uma alma missionária e assume generosamente a reponsabilidade; por outro lado, responsabiliza-se pelos missionários enquanto tais: sua especial vocação, sua forma­ção e seu destino, acompanhando-os ao longo de todo o trabalho “ad gentes”.

O Fundador deixou-nos em herança a convicção que nós Salesia­nos temos na Igreja uma tarefa missionária a ser cuidada e a ser promo­vida, e ele mesmo deu-nos o exemplo com grandes sacrifícios.61

O decreto conciliar Ad gentes questionava-nos seriamente se na época éramos capazes de ampliar ainda mais o nosso compromisso missio­nário, avaliando talvez algumas presenças nos Países já cristianizados para dedicar as melhores forças às missões.62 Graças a Deus, podemos afirmar que respondemos generosamente a este apelo: muitas Inspetorias adiantaram-se com sacrifício e audácia, e continuam a empenhar-se.

É certo que se pode fazer ainda mais e melhor. E é exatamente este o apelo que nós desejamos colher da nova encíclica.

Não se trata só de uma intensificação de sacrifícios, mas também de um verdadeiro e abundante enriquecimento de autenticidade sale­siana.

O CG23 pediu em geral que se melhorasse, em todas as nossas pre­senças, a qualidade pastoral. Pois bem, a encíclica assegura-nos que incrementando a atividade especificamente missionária encontrare­mos o segredo e o impulso para alcançar o nível mais alto em toda a ati­vidade pastoral: nas missões, de fato, experimenta-se melhor que o Evangelho é a preciosa “boa nova” para hoje, e que a fé dos próprios irmãos anima-se proclamando os acontecimentos de Cristo.

A atividade missionária faz-nos descobrir também a originalidade da nossa peculiar pastoral juvenil. É suficiente pensar, por exemplo, no oratório salesiano. Nalgumas beneméritas dioceses existem alguns exemplos admiráveis de oratórios paroquiais para os filhos das famí­lias cristãs da comunidade local; realizam tanto bem! Mas o oratório de Dom Bosco foi pensado numa perspectiva missionária para os jo­vens sem paróquia porque “a missão é mais vasta que a comunhão”;63 nele, os jovens mais crescidos na fé tornam-se apóstolos entre os cole­gas (“jovens para os jovens”!), enquanto os irmãos são chamados a se considerarem concretamente “missionários dos jovens”.

Portanto, o atual compromisso missionário da Congregação é cha­mado a crescer em intensidade e qualidade e também a estimular a qualidade pastoral de todas as presenças e relançar o oratório de Dom Bosco como critério permanente de discernimento e de renovação de toda a nossa atividade e obra.64



Espiritualidade salesiana para os nossos missionários



A atividade missionária não se fundamenta diretamente sobre as capacidades humanas, mesmo que elas mantenham um papel importan­te. O protagonista de toda a missão da Igreja é o Espírito Santo: Ele cha­ma, ilumina, guia, dá coragem e eficácia; a sua obra refulge eminente­mente na missão “ad gentes”.65 O missionário é convidado a entrar em especial sintonia com o Es­pírito do Senhor.

A encíclica, no último capítulo, trata exatamente da espirituali­dade missionária. Lendo com atenção os breves parágrafos podemos aplicar seus conteúdos à herança que Dom Bosco nos deixou, assim co­mo a descrevemos na circular sobre a “espiritualidade salesiana para a nova evangelização”.66 A espiritualidade missionária não é para nós, outra es­piritualidade; é a mesma, intensificada e particularmente iluminada pela ótica do envio “ad gentes”.

Primeiramente, que nossos missionários se sintam fortemente “en­raizados no poder do Espírito”; Ele tornou missionária toda a Congrega­ção. Isto comporta neles uma intensificação da experiência de fé, esperança e caridade que faz viver numa constante união com Deus e numa penetrante atitude de êxodo que faz pensar na “kénosi” e na encarnação do Verbo. A encíclica põe exatamente como primeira con­dição a de “deixar-se conduzir pelo Espírito”: “a missão é difícil e com­plexa e requer a coragem e a luz do Espírito... é necessário rezar”.67 E o Papa acrescenta: “o contato com os representantes das tradições es­pirituais não cristãs e, em particular, as da Ásia, persuadiu-me de que o fruto da missão depende em grande parte da contemplação”.68 Nun­ca será supérfluo insistir na necessidade da meditação da palavra em confronto com a mentalidade e as situações das pessoas e o contínuo esforço de construir “comunidade” com uma constante e adequada pre­gação do Evangelho.

Quanto aos principais elementos (apresentados na citada car­ta circular) podemos observar que:



  • a interioridade apostólica, caracterizada pela caridade do “da mihi animas” (com a sua “graça de unidade” que une entre si consagra­ção e missão), põe o missionário salesiano em situação de saber tra­duzir sua contemplação de Deus em “êxtase da ação”. Sua fé dispo­nível e operativa enraíza-se na de Abraão, pai dos crentes, que deixa tudo e parte; um êxodo que traz consigo a efusão da própria inte­rioridade difundindo no mundo uma concreta “espiritualidade juvenil”;



  • a centralidade de Cristo Bom Pastor que exige do Salesiano uma pe­culiar atitude pedagógico-pastoral, ajudará o missionário a privile­giar o encontro com os destinatários — partindo do contexto dos mais pobres e abandonados — através da bondade que dialoga, como fazia Jesus apóstolo do Pai. A encíclica sublinha, exatamente, o sa­ber viver o mistério de Cristo “enviado”, como o descreve São Paulo: “despojou-se a Si mesmo, assumindo a condição de servo, tornando-se semelhante aos homens”. Um despojamento de si que exprime o amor que se torna tudo para todos69 e que convive com os destinatá­rios não tanto como “destinatários”, mas como irmãos em Cristo na mesma comunhão de esperança;



  • o trabalho educativo como missão: é uma nota característica que nasce da índole própria do carisma salesiano: trata-se de uma espiritualidade que dê verdadeiro impulso aos aspectos educativos com a estratégia de Dom Bosco. Isto convida o missionário a tomar seriamente em consideração tantos elementos de crescimento huma­no, que não derivam da evangelização, mas que a promovem realis­ticamente. Seria interessante, a esse respeito, dar uma olhada nos trabalhos concretos enfrentados pelos nossos missionários nes­te sentido: pensemos por exemplo nas obras de promoção na Patagônia ou no exemplo de Mons. Cimatti que percorreu as principais cida­des do Japão dando concertos de música. Também a encíclica fala de “promover o desenvolvimento educando as consciências”.70 O Pa­pa, ainda, escrevendo aos Religiosos da América Latina, lembra-lhes que muitos missionários na convivência com os indígenas “se fizeram lavradores, carpinteiros, construtores de casas e de templos, professores e aprendizes da cultura autóctone, bem como promotores de um artesanato original”.71 O estilo salesiano na educação comporta ainda a facilidade de convivência com as pessoas, a austeridade de vida, o sentido peda­gógico do cotidiano, o clima de simpatia na simplicidade;



  • a concretude eclesial situa todo Salesiano no coração da Igre­ja; portanto, o missionário vive e trabalha nela e por ela, sobretudo na delicada etapa de sua edificação. A adesão convicta ao magisté­rio do Papa e dos Pastores é para nós uma forte herança espiritual a fazer crescer em toda Igreja local. A encíclica afirma que “só um amor profundo pela Igreja poderá sustentar o zelo do missionário. Este amor, levado até ao extremo de dar a vida, constitui um ponto de referência para ele”;72



  • a alegria na operosidade lembra a nós Salesianos que nascemos na Colina das Bem-aventuranças juvenis e que a alegria é uma nota característica da nossa espiritualidade juvenil; o missionário sentir-se-á, portanto, animado a difundir ao seu redor o perfume da alegria cris­tã. A encíclica lembra exatamente que cada missionário deve ser o homem das Bem-aventuranças: “a caraterística de qualquer vida missionária autêntica é a alegria interior que vem da fé. Num mun­do angustiado e oprimido por tantos problemas, que tende ao pessi­mismo, o proclamador da “boa nova” deve ser um homem que encon­trou em Cristo a verdadeira esperança;73



  • a dimensão mariana: toda atividade salesiana, especialmente a missionária, é considerada na Congregação como participação na maternidade eclesial de Maria, invocada como Auxiliadora. A encí­clica deseja que às vésperas do terceiro milênio a Igreja toda saiba reunir-se (como os Apóstolos) “no Cenáculo ‘com Maria, a Mãe de Jesus’ para implorar o Espírito e obter força e coragem para cumprir o mandato missionário...: é Ela, Maria, o exemplo daquele amor ma­terno, do qual devem estar animados todos quantos, na missão apos­tólica, cooperam para a regeneração dos homens”.74



Se a dimensão missionária é na verdade um elemento essencial do nosso carisma, quer dizer, de um lado, que exige de nossa espi­ritualidade uma luz e uma força especiais para estar presente e operan­te nas missões; e, de outro, que a ótica missionária aprofunda e torna mais genuína a mesma espiritualidade salesiana.

Todos: em comunhão e participação ativa



As missões salesianas apoiam-se vitalmente, desde os tempos de Dom Bosco, sobre uma “responsabilidade” e uma “cooperação” que ul­trapassam o compromisso direto dos missionários; elas envolvem to­da a Congregação e, através dela, a grande Família Salesiana. É certamente importante realçar estes dois aspectos de ampla responsabilidade e de vasta cooperação.

Se a nossa Congregação é missionária, quer dizer que todos os seus membros compartilham a responsabilidade; não só aqueles que têm uma tarefa de animação e de direção (sobretudo o Reitor-Mor e o Con­selho Geral, os Inspetores e os Conselhos Inspetoriais), mas também as comunidades locais e cada irmão. Um sentido de atuante solidarie­dade deve mover a todos a suscitarem iniciativas de conhecimento, ora­ção, apoio, auxílio e partilha.

Em particular, as Inspetorias (e são tantas!) que se compro­meteram concretamente nalguma região do terceiro mundo deverão acompanhar com séria atenção e com generosa colaboração as indica­ções de coordenação que, por vontade do CG23 e determinação do Rei­tor-Mor com o seu Conselho, dará o Conselheiro Geral para as missões.

Dissemos que, a esse respeito, está iniciando uma nova etapa. Is­to não significa a supressão ou a diminuição dos compromissos inspeto­riais, mas sim uma maneira mais coordenada de crescimento. O que exige uma prestação ainda mais generosa e mais qualificada de susten­to e de intervenções, sobretudo no âmbito da formação do pessoal local.

Entre as iniciativas a serem desenvolvidas nas Inspetorias e nas ca­sas, visando maior colaboração, existe aquela mais cara a Dom Bosco de despertar a sensibilidade missionária nos vários grupos da Família Salesiana, através dos meios de informação, nos movimentos juvenis, na pastoral vocacional e, em geral, entre as pessoas que admiram as missões.

E aqui é um dever lembrar a importância que sempre teve o Boletim Salesiano na divulgação das nossas missões. Hoje, isso pede maior es­forço e os missionários devem sentir-se pessoalmente envolvidos man­dando suas interessantes “reportagens” e um material fotográfico esco­lhido e expressivo, como exige a sensibilidade atual.

Um aspecto a ser promovido com cuidado é o “voluntariado”, não só entre os jovens, mas também entre os adultos. Já existem alguns exem­plos positivos a respeito.

Merecem louvor e incentivo as diferentes “Procuradorias” (com suas diferentes fisionomias) que não só ajudaram e sustentaram de maneira providencial tantas atividades missionárias, mas que se torna­ram também centros de informação e de animação.

É importante sublinhar, por fim, que a encíclica coloca em primei­ro lugar a cooperação espiritual. “A oração deve acompanhar os pas­sos dos missionários, para que o anúncio da palavra se torne eficaz pe­la graça divina... À oração deve-se juntar o sacrifício: o valor salvífico de qualquer sofrimento, aceito e oferecido a Deus por amor, brota do sacrifício de Cristo... O sacrifício do missionário deve ser partilhado e apoiado pelo dos fiéis... Recomendo — exorta o Papa — que os doen­tes sejam instruídos sobre o valor do sofrimento, encorajados a ofere­cê-lo a Deus pelos missionários. Com esta oferta, os doentes tornam-se também missionários”.75

E preciso reconhecer que a dedicação às missões sacode espiritual­mente e aproxima mais intimamente do mistério de Cristo.



Deus prepara uma nova primavera da



O Santo Padre, também reconhecendo que a Igreja enfrenta um compromisso bastante complexo e verdadeiramente superior às pró­prias forças, utiliza na encíclica um entusiasmante tom otimista. Não é que não veja os problemas e os aspectos difíceis e pouco encorajadores: “Se olharmos superficialmente o mundo moderno — afirma —, ficamos impressionados pela abundância de fatos negativos, que podem levar ao pessimismo”. Mas se o olhar é fortalecido por uma fé autêntica e pe­la contemplação da bondade misericordiosa do Pai, pela infinita solida­riedade humana de Cristo e pela presença e pelo poder transformador do Espírito, então se abre uma perspectiva de forte esperança. E o Pa­pa tem interesse em alimentar essa esperança; vê no grande jubileu do ano 2000 um ponto concreto de referência: “ao aproximar-se o ter­ceiro milênio da Redenção, Deus está preparando uma grande primave­ra cristã, cuja aurora já se entrevê”.76

Pode-se pensar de verdade que o Concílio Ecumênico Vaticano II foi o grande sinal de início, seguido de tantos outros sinais encorajadores.

Também o nosso CG23 descreve com otimismo e rápidas pincela­das, a caminhada feita pela Congregação para a nova evangeli­zação.77 E a encíclica acrescenta que “toda a Igreja está (hoje) ainda mais empenhada num novo advento missionário... A causa missioná­ria deve ser a primeira de todas as causas, porque diz respeito ao des­tino eterno dos homens e responde ao desígnio misterioso e misericor­dioso de Deus”.78

Às vésperas, pois, do Terceiro Milênio sentimo-nos convidados a esperar, a renovar com alegria o entusiasmo das origens, a trabalhar cada vez mais, a apoiar todas as atividades evangelizadoras de ação missionária, a sentir-nos contagiados — porque Salesianos — daquilo que o Concílio proclamou aos jovens, apresentando-lhes o rosto juvenil da Igreja, que é “rica de um longo passado sempre presen­te nela e, caminhando na direção da perfeição humana no tempo e do último destino da história e da vida, é a verdadeira juventude do mun­do. Ela possui o que faz a força e a beleza dos jovens: a capacidade de alegrar-se por aquilo que começa, de doar-se sem querer em troca, de renovar-se e lançar-se a novas conquistas”.79

A estimulante afirmação que “a atividade missionária está ainda no começo” deve ser interpretada no interior desta atitude de esperan­ça para viver este “começo” com o forte impulso das origens (seja o da Igreja, seja o do nosso carisma). “Os horizontes e as possibilidades da missão se ampliam”, mas vivemos uma hora especial do Espírito Santo que é o verdadeiro “protagonista da missão”.

Somos convidados a imitar os Apóstolos reunidos no Cenáculo “com Maria” para implorar e obter a presença e o poder do Espírito.

O Santo Padre confia todo o trabalho missionário ao amor mater­nal da Virgem Maria. Nós confiamos filialmente n’Ela, Mãe da Igreja e Auxiliadora de todos os povos.

Dom Bosco entregara ao P. João Cagliero — chefe da primeira ex­pedição missionária e futuro cardeal — um documento (com data de 13 de novembro de 1875) com as lembranças para os irmãos missioná­rios; exortava-os assim: “Fazei o que puderdes; Deus fará o que nós não pudermos fazer. Confiai tudo a Jesus Cristo sacramentado e a Ma­ria Auxiliadora e vereis o que são os milagres”.80

Com esta confiança, que é para nós herança sagrada, intensifique­mos em todo lugar o nosso compromisso por Cristo e por seu Evangelho: multiplicando o compromisso missionário seremos todos, na Congrega­ção, mais “missionários dos jovens”.

A todos, especialmente aos missionários “ad gentes”, uma sauda­ção reconhecida e a minha lembrança cotidiana na Eucaristia.

Com afeto em Dom Bosco,





P. Egídio Viganò

Reitor-Mor

1 Cf. CG23 310.

2 ACG 335, “Disposições e Normas”.

3 E. CERIA, Annali della Società Salesiana I – SEI, Turim, p. 245.

4 Lettere circolari di D. Paolo Albera, Direzione Generale Opere Don Bosco, Turim 1956, p.132-133.

5 ACS, 24 de junho de 1925, p. 364.

6 Cf. MB I, 328.

7 Cf. MB III, 363.

8 MB III, 363.

9 MB III, 546; IV 424.

10 Lettere circolari di D. Paolo Albera, o.c., p. 134.

11 ACS, 24 de junho de 1925, p. 367.

12 MB XIV, 624.

13 Cf. FAUSTO JIMÉNEZ, Los sueños de Don Bosco, ed. CCS, Madri 1989.

14 Cf. ACS 300.

15 MB XVII, 305.

16 Cf. ACG 323.

17 Cf. MB XVII, 645.

18 Cf. Const. 30.

19 Cf. RM 40.

20 Cf. ACS 297.

21 RM 2.

22 Ib. 2.

23 RM. 1.

24 RM 31.

25 AG 1

26 Cf. RM 40.

27 RM 32

28 Cf. AG 6.

29 Cf. ACG 331.

30 Cf. AG 6.

31 Cf. RM 33-34.

32 RM 34.

33 RM 33.

34 RM 48.

35 RM 30.

36 RM 30.

37 Cf. LG 5.

38 Cf. ib.

39 RM 17.

40 Cf. ACG 331.

41 Cf. Relação final do Sínodo-85.

42 RM 18.

43 Cf. Estreia 1991, Comentário do Reitor-Mor P. Egídio Viganò.

44 AA 5; cf. 7.

45 Jo 14,6.

46 1Cor 9,16.

47 At 4,12.

48 Cf. RM 7.

49 At 2,37-38; 3,19.

50 Cf. Mt 18,19.

51 Cf. RM 46. 47.

52 RM 56.

53 RM 57.

54 RM 49.

55 RM 37.

56 MB XVIII, 49.

57 AG 23.

58 Cf AG 23.

59 RM 65.

60 RM 66.

61 Cf. ACS 297: “O nosso Fundador viu-nos na África”.

62 Cf. AG 40.

63 RM 64.

64 Cf. Const. 40.

65 Cf. RM, cap. 3.

66 ACG 334.

67 RM 87.

68 RM 91.

69 Cf. RM 88.

70 Cf. RM 58.

71 Carta apostólica de João Paulo II aos religiosos e às Religiosas da América Latina por ocasião do V Centenário da Evangelização do Novo Mundo, L’Osservatore Romano, 27 de julho de 1990.

72 RM 89.

73 RM 91.

74 RM 92.

75 RM 78.

76 RM 86.

77 CG23 1-14.

78 RM 86.

79 Mensagem aos jovens, 8 de dezembro de 1965.

80 MB XI, 365.

25