301-350|pt|306 - O Diretor Salesiano

Egídio Viganò



O Diretor Salesiano



Atos do Conselho Superior



Ano LXIII – OUTUBRO-DEZEMBRO, 1982



N. 306







A animação do Diretor Salesiano. Introdução. A riqueza de uma tradição carismática. — Portador de uma consagração em tempo integrei. — Testemunha da transcendência de Cristo-Mediador. Especialista do “sensus Eeclesiae”. Seus compromissos ministeriais característicos. — Profeta da verdade salvífica. — Mestre e guia de santificação. — Construtor de comunhão eclesial. — Conclusão.







Roma, 16 de julho de 1982.



Queridos Irmãos,



Meus votos de uma boa preparação do pró­ximo Capítulo Inspetorial! Recebestes o n. 305, “especial”, dos Atos do Conselho Superior. Tornai-o objeto fecundo das vossas reflexões. Empenhemo-nos todos em fazer com que cada uma das comunidades possa chegar de fato nestes tempos a um mais intenso “estado de adoração”.

Saiu finalmente nestes dias o “Manual do Diretor”, como queria o CG21; esperamos apa­reça quanto antes o do Inspetor.1 É um subsí­dio muito importante para uma adequada reno­vação da função do Diretor nas comunidades. É bom que todos os irmãos o conheçam, pois não basta o empenho do primeiro responsável para animar bem uma comunidade; é preciso a colaboração sincera e fraterna de todos.

Entre os aspectos da renovação do papel de Diretor, o Manual lembra o sacerdócio ministe­rial, que é salesianamente fundamental.

A Congregação saiu da crise em curso com as asas um tanto crestadas. Há urgência de reprojetar juntos a nossa santidade.2 É indis­pensável saber dar força aos irmãos.3 É neces­sário intensificar o nível espiritual de toda a Família Salesiana.4

Isso requer de nós um acurado relançamen­to do ministério sacerdotal e da sua específica humildade e poder de serviço: não “clericalização”, mas genuíno serviço espiritual e pastoral. É uma urgência para todos na Igreja e, de modo particular, para cada membro e para cada co­munidade da Família Salesiana.

A fim de esclarecer e revigorar nas nossas consciências o primado absoluto do “pastoral”, é indispensável zelar, em suas raízes, a mística do sacerdócio ministerial. Dela todos precisam: os Irmãos em geral, o Coadjutor, a Filha de Maria Auxiliadora, o Cooperador, a Voluntária de Dom Bosco, o Ex-aluno e todos os partici­pantes do grande movimento de espiritualidade apostólica ao redor de Dom Bosco.

À guisa de comentário deste aspecto apre­sentado pelo novo Manual do Diretor, ofereço a todos os irmãos algumas reflexões propostas, nos meses passados, em várias reuniões, aos Diretores de diversas Inspetorias. Dirijo-me então aos Diretores, mas num tema que a todos inte­ressa.

Ajude-nos nosso bom Pai a aumentar na Congregação os mesmos sentimentos que ele nutria quotidianamente no seu coração! Tudo quanto escapar ao seu mote-programa, Da mihi animas, coetera tolle, corre o risco de não ser genuinamente salesiano. É sobretudo nesse nível espiritual e pastoral que devemos temer a superficialidade.



* * *



Queridos Diretores, muitas vezes pensei nesse argumento. Vou apresentar de maneira familiar a vós, que sois meus colegas no serviço da auto­ridade salesiana, algumas reflexões que consi­dero muito importantes. Trata-se de um aspecto de fundo que se refere ao superior salesiano, segundo uma modalidade própria da nossa tra­dição: o fato de a animação do Diretor na Comunidade salesiana dever ser um exercício do ministério sacerdotal.5

A condição de padre interpela o Diretor na específica função animadora que lhe foi confia­da para o processo de identificação vocacional da sua Comunidade e da Família Salesiana local.





A riqueza de uma tradição carismática



Comecemos com algumas premissas.



Uma primeira premissa.

Em primeiro lugar, por que na tradição salesiana o Diretor é sacerdote? Que implica na prática esse aspecto?

É um dado de fato vivido por Dom Bosco e experimentado na vida da Congregação. Não deriva de exigências eclesiais ou sociais, mas de uma experiência carismática. Não pretendo aqui demonstrar algo, mas tão-somente ilumi­nar um compromisso de vida.

As observações de fundo que vos apresento deveriam tornar-se para vós um clima de cons­tante meditação, um quadro de referência para os exames de revisão, uma convicção clara, vivida. Não há necessidade de agitá-las, como para novamente provocar discussões. É uma consideração oferecida a quantos hoje estão exercendo este ministério de animação salesiana.



Sei também — é a segunda premissa — que o homem na história jamais realiza de ma­neira ideal uma determinada função, em sentido pleno e perfeito: fá-lo sempre com defeitos e falhas.

O que não impede que um papel importan­te deva ser apresentado em sua plenitude, com todas as suas características e exigências, des­crevendo a sua natureza da maneira mais com­pleta possível, como uma meta utópica (no sentido positivo) de atração. Quem não visa ao ideal, quando se prepara para agir, não encontra o estímulo necessário e a justa órbita para a sua ação.

Conhecemos as dificuldades numerosas e crescentes, estamos a par da vida das casas e das opiniões dos irmãos: cada um responde às exigências fazendo tudo o que pode!

Estamos, todavia, convencidos de que não estamos sós no exercício da nossa função ani­madora; o Senhor está conosco. Não é uma exortação moralista para nos animar ou depri­mir. É uma constatação objetiva, fortemente teologal, que deve habitar na consciência pessoal do Diretor: por conseguinte, uma visão de ver­dade e de objetividade que aproxima e torna possível o ideal. A segurança da presença de Deus que nos conforta obriga a recuperarmos continuamente o entusiasmo e a tendermos para a meta com renovada energia: “omnia possum in Eo qui me confortat”!

Os últimos dois Capítulos Gerais tocaram explicitamente este aspecto, como elemento pró­prio da nossa própria índole carismática; e o Papa Paulo VI convidou-nos, com uma carta do seu Secretário de Estado (no início do CG21),6 a conservar esta disposição constitucional ca­racterística do nosso carisma: que o Diretor, “munido dos carismas da Ordenação sacerdotal, possa guiar com sabedoria eclesial as várias e crescentes falanges de quantos tencionam mili­tar sob a guia e o espírito de São João Bosco”.

Não fazemos afirmações doutrinais a serem aplicadas a qualquer Instituto religioso: o nosso carisma nasceu e cresceu assim.



E uma terceira premissa:

Eu sinto no coração certa angústia, há anos; e ela é confirmada infelizmente, aqui e ali, nos meus contatos pelo mundo. Há na Congregação uma perigosa “crise de sacerdócio”; ela pode levar à ruína a identidade do nosso patrimônio carismático, dos nossos critérios pastorais e do estilo da nossa comunidade salesiana.

Embora haja na Congregação muitos pa­dres, nem sempre o sacerdócio funciona sufi­cientemente. É provável que na raiz dessa situação delicada haja um exercício defeituoso do ministério sacerdotal do Superior salesiano. É com os carismas da Ordenação sacerdotal que o Diretor, o Inspetor e os Superiores de­vem ajudar os outros irmãos a serem mais genuinamente salesianos: os Padres a serem especialistas de pastoral juvenil; os Coadjutores a serem mais genuinamente religiosos marcados por especial laicidade;7 os demais grupos da Família Salesiana a serem mais pastoralmente fiéis a Dom Bosco; as Filhas de Maria Auxiliadora, os Cooperadores, os Ex-alunos, as Voluntárias de Dom Bosco, todos, a serem “juntos” portadores e promoto­res da grande herança espiritual e apostólica recebida do nosso Pai e Fundador.

Seria preciso meditar estas ideias mais organicamente e escrever sobre elas com serie­dade e objetividade salesiana.

Vamos, aqui, conversar bem familiarmen­te, mas procurando dar a perceber sua impor­tância e profundidade.



Portador de uma consagração em tempo integral



Dom Bosco foi padre no altar, no púlpito, no confessionário, no pátio, na rua, nas vicissi­tudes políticas, diante dos ministros, no uso dos meios de comunicação social, nos setores culturais, em toda a parte e sempre.

O Diretor deve sabê-lo imitar, ainda que tenham sobrevindo muitas mudanças eclesiais no exercício do ministério sacerdotal.

Hoje, após o Vaticano II, há a respeito gran­des novidades, não porque mude a consagração da Ordem, mas porque mudam os problemas a serem enfrentados, as prioridades pastorais a serem escolhidas e o estilo de empenho. Várias vezes perguntei a mim mesmo: quando é que o Reitor-Mor funciona como padre?

Lembro que, anos atrás, quando ia à minha terra e celebrava na Colegiada, conversava com os sacerdotes diocesanos ligados à paróquia, via-os celebrar, confessar, presidir funerais, visitar os doentes, pregar e dar catecismo, e parecia-me ser um padre de outro tipo: ... para mais ou para menos? Vi depois no Concilio8 que existe uma tipologia multiforme de padres.

A resposta de fundo encontra-se, porém, na graça pastoral e penetrante da consagração da Ordem, pela qual um padre deveria saber fazer tudo enquanto padre. Justamente como Dom Bosco: não era pároco, todavia fazia tudo sob o impulso pastoral do “da mihi animas”, a ponto de já não saber dizer quando não era padre!

Deveríamos então perguntar-nos: quando é que um Diretor não é padre?

Mas para entender essa pergunta paradoxal é preciso aprofundar o que é o sacramento da Ordem e que significa ser consagrado padre.

Digo, para começar, que na consciência explícita de um Diretor salesiano deve brilhar com clareza, em primeiro lugar, esta convicção: o serviço ao qual fui chamado com vistas aos irmãos da minha Comunidade e da Família Salesiana local é um tipo de ministério sacerdotal originado e nutrido pela graça e pelos carismas pastorais do sacramento da Ordem.

Não é apenas uma afirmação doutrinal abstraía ou simples disposição jurídica, mas um dado carismático de fato, derivado da natu­reza salesiana do serviço de animação a ser prestado às nossas comunidades.



Testemunha da transcendência de Cristo mediador



Pela consagração da Ordem, o padre liga-se pessoalmente em forma sacramental a Cristo, fica habilitado a agir “in persona Christi”, so­bretudo quando celebra a Eucaristia e adminis­tra os sacramentos. É por Deus consagrado, na Igreja, para viver e operar diretamente ligado à missão e ao ministério do próprio Cristo.

E aqui lembremos que Cristo inventou um sacerdote totalmente original e inédito, exclu­sivo da nova e eterna Aliança. No Novo Testa­mento ele é chamado “presidente da caridade”, “presbítero”, “pastor” etc.

Cristo inventou um ministério que antes dele não existia. Havia os “sacerdotes” da Antiga Aliança, de tipo preferencialmente cul­tual, membros de uma tribo especial. Esse sacerdócio foi abolido. Depois da sua encarna­ção, Cristo é o único verdadeiro sacerdote da Nova Aliança. Não existe mais nenhum sacer­dócio válido a não ser o de Cristo. O sacerdó­cio dos outros, dos Bispos e de nós, padres, é expressão sacramental do seu único sacerdócio. Se és padre, não é por haveres nascido numa “tribo”, mas unicamente enquanto és expressão sacramental da missão e do ministério que Cristo veio trazer à terra e que realiza como ressuscitado. Através da nossa sacramentalidade de “ordenados”, passa a atual mediação de Cristo, Sumo e Eterno Sacerdote, sempre vivo para realizar ontem, hoje e no futuro a sua missão.

Nosso sacerdócio é, pois, singular e miste­rioso, apoiado no evento da ressurreição.

Mas em que consiste praticamente a sua originalidade?

Emprega-se hoje uma palavra que exprime bem sua natureza: a dimensão “pastoral”. Para quem é sacerdote de Cristo tudo deveria ser visto e guiado por esse valor, pela preocupação “pastoral”. Não que se exclua ou despreze o resto: profissões humanas, cultura, economia, política, não! Porém a dimensão pastoral não é, de per si, nem cultura, nem economia, nem política, nem ciência; é uma dimensão original. Para compreendê-la é preciso olhar somente para a pessoa de Cristo, o que ele fez na terra e o que faz agora, enquanto ressuscitado, como mediador permanente e senhor da história.

Aqui vem logo à mente qual deve ser o anseio interior de um padre, assim como o viveu Dom Bosco, exprimindo-o no mote pas­toral tão significativo da mihi animas, coetera tolle. O Diretor, o padre, deve ser uma teste­munha da transcendência histórica de Cristo e um realizador incansável da sua missão; deve saber cuidá-la e promover nos outros; deve manter na sua Comunidade o primado do “pas­toral” acima e dentro das outras atividades humanas. Deve ser, pois, primeiro que tudo um reflexo sacramental de Cristo-mediador que se empenha em dedicar-se aos seus irmãos (especialmente aos jovens) como “bom pastor”.

Repito: a dimensão pastoral não exclui nada; antes, fazemos pastoral empenhando-nos na promoção humana, na cultura.

Mas deve haver quem veja claro, medite, verifique, avalie o que se está fazendo e coloque sempre, continuamente (quando há um contato pessoal ou um ato de comunidade, uma reunião, um exercício da boa morte, um retiro trimes­tral) e no lugar justo a visão de conjunto e a impregnação pastoral do todo.



Especialista do “Sensus Ecclesiae



O Vaticano II nos lembra que o padre é ministro da Igreja, o homem da comunhão, o tecelão e condutor da comunidade dos crentes, um coração que pulsa em uníssono com o da Igreja — o Corpo de Cristo — que continua na história a missão do Senhor entre os homens. De sorte que vibra sempre no espírito do padre o “sensus Ecclesiae”: da Igreja universal e da particular.

Na tradição salesiana de Dom Bosco há, como característica sempre cuidada, um forte sentido da Igreja universal, que se traduz numa visão pastoral mundial e num ousado anseio missionário.

Mas outrossim um sentido vivo da Igre­ja local, traduzido em convicções e colaboração prática. Nenhum Diretor salesiano, com efeito (exceto um!), vive no Vaticano em contato com as sensibilidades da Igreja universal, em relação pessoal e direta com o Papa. O Diretor salesia­no vive numa nação, numa diocese, numa paró­quia, em relação com a Conferência episcopal, com o Bispo diocesano ou com o Pároco do lugar.

Como padre não pode prescindir da vida de conjunto da Igreja local nos seus diferentes níveis.

Portanto, a consagração da Ordem move o Diretor a cultivar em si, e a cuidar nos outros, esta sensibilidade pastoral, interessando-se con­cretamente pela vida e pela atividade da Igreja local.

Ligada a este “sensus Ecclesiae” há toda uma rede de laços com o Papa, os Bispos e os outros padres. O Vaticano II descreveu justa­mente o sacerdote como inteligente e inventivo “colaborador do Bispo”. Este singular aspecto de “colaboração” pastoral é intrínseco à própria natureza do sacerdócio cristão. Não é um acrés­cimo que alguém decide fazer por generosidade, não! é uma dimensão indispensável porque foi chamado e consagrado para realizar o verdadeiro ministério sacerdotal de Cristo. Ora, ser “colaborador do Bispo” cria muitas exigências concretas no projeto e realização de uma pastoral. Compreendo que podem surgir também dificuldades, e não sempre pequenas. Numa reunião plenária da SCRIS (S. Congrega­ção para os Religiosos e Institutos Seculares) sobre o tema das mútuas relações entre Bispos e Religiosos, pude ouvir várias, até dos próprios Bispos. Por outra parte, a vida de Dom Bosco pode sugerir-nos exemplos!

Não nos interessa, agora, entrar nesta pro­blemática. Queremos aprofundar a interiorida­de do espírito sacerdotal, queremos sentir as palpitações do seu coração, conhecer os seus ideais, intuir os seus projetos e anseios. Isso tudo comporta na consciência do padre respon­sabilidades próprias que devem ser cultivadas mesmo quando os problemas e as circunstân­cias podem fazê-lo sofrer.

O Diretor, porque padre, deve zelar eclesialmente pelo significado e pelos horizontes da atividade pastoral sua e da comunidade; deve saber viver e fazer viver em sintonia e colabo­ração com o Papa, com os Bispos e com os sacerdotes; promover as relações com eles, a simpatia, a amizade, a estima e a colaboração; não por diplomacia ou simples conveniência, mas porque tudo isso constitui um aspecto importante do conteúdo do seu serviço à Comu­nidade salesiana.

Deve, pois, ter atenção e compreensão e sensibilidade por tantas iniciativas que se tra­duzem numa pastoral orgânica, guiada pelo Bispo, onde aparece com clareza a colaboração dos padres. As atitudes de nós, religiosos, bem como as nossas obras, infelizmente ressentem-se ainda, por vezes, de certas modalidades herda­das dos tempos em que se trabalhava em com­partimentos estanques. As coisas, todavia, estão mudando; em alguns países muito velozmente, em outros menos.

O caminho pastoral do futuro é plenamen­te eclesial. O Diretor salesiano deve ter uma consciência sacerdotal de colaboração; deve procurar seguir o caminho eclesial justo e acei­tar a sinalização renovada que nos guia; deve, numa palavra, fazer crescer a visão e a atividade da sua comunidade no “sensus Ecclesiae”.



Seus compromissos ministeriais característicos



O ministério sacerdotal, na sua unicidade de representação sacramental do Cristo-Cabeça, desdobra-se em três funções complementares: o ministério da Palavra, da Santificação e o da Condução da Comunidade.

Punções essas indicadas em todos os do­cumentos do Concílio que tratam do tema, e sempre na mesma ordem, como para colocar em evidência certa prioridade entre elas.

Em primeiro lugar, o serviço da Palavra: perceber os valores da Revelação de Deus e saber mostrar sua verdade salvífica.

Em segundo lugar, o serviço da Santificação: a liturgia, as fontes da graça, a superação do pecado, o crescimento na caridade.

Por fim, o serviço da Condução comunitá­ria: a coordenação pastoral, o cuidado da comu­nhão, o governo espiritual da Comunidade.

Deveremos aprofundar mais essas três ma­nifestações do serviço sacerdotal. Aqui lembra­mos que constituem três aspectos de um único ministério; três funções vinculadas intrinseca­mente entre si, mesmo que depois, conforme as circunstâncias e os encargos, uma se intensifi­que mais que a outra.

O sacramento da Ordem infunde no coração consagrado do padre uma específica energia de graça, caracterizada pela caridade pastoral que o ajuda a harmonizar na unidade as multíplices atividades ministeriais, enriquece-o na sua sen­sibilidade eclesial, torna-o capaz de testemunhar a transcendência histórica de Cristo e o sustenta e conforta nas diversas atividades e dificulda­des pastorais.

Tenhamos confiança, queridos Diretores! A caridade pastoral é um dom do Espírito, e a nossa consagração sacerdotal garante-nos uma abundância desse dom como dotação ao nosso caráter sacramental.



Profeta da verdade salvífica



O Concílio nos diz que o primeiro serviço que o padre deve saber oferecer é o de meditar, contemplar, rezar e perceber por conhecimento de conaturalidade qual é a verdade salvífica por comunicar. Não digo que o Diretor deve ser um biblista ou um teólogo; mas, quanto mais sou­ber dessas matérias, melhor será.

Certamente deve ser alguém continuamente à procura da palavra salvífica de Cristo. Não se lhe pede que leia o Evangelho com o método científico do exegeta; mas que o saiba perscru­tar para intuir a sua verdade salvífica e desco­brir a mensagem de libertação que oferece às pessoas que estão com ele. Deve traduzir a palavra de Deus em “mensagem”, hoje, para estes jovens, para estes seus irmãos, para estes acontecimentos sociais e políticos, para estas necessidades culturais, para este desvio ideoló­gico.

Eis aí um empenho de meditação que não é fácil, uma leitura que não se faz exclusivamente nos textos. Servem os textos, sem dúvi­da; mas é preciso acompanhá-los com a reflexão sobre a vida, sobre o que sucede, sobre as pessoas concretas e também incômodas, com suas virtudes e pecados, tal como são os irmãos, como é a juventude hoje. Refletir, ler, meditar, contemplar, rezar é uma atividade trabalhosa. O Diretor que trabalha muito, faz muito bem. Mas o seu primeiro trabalho é justamente este: ser não o “faz tudo”, nem o pensador, mas o contemplativo e o orante com vistas à ação pastoral salesiana. Eis aí seu primeiro compro­misso de padre!

O Diretor, o Superior salesiano não pode ser simplesmente um homem que age, nem sequer um homem que está o dia todo de joe­lhos. Para nós não é assim. Algumas vezes deve também estar sentado à escrivaninha com livros, não para tornar-se erudito, mas para compreender o conteúdo da mensagem evangélica e para ter orientações autorizadas que comunicar com realismo pedagógico. A mensagem a ser comu­nicada, queridos Diretores, não se encontra já feita e não brota do nada.

O mistério de Cristo e o seu Evangelho contêm todos os valores da salvação. O nosso empenho de contemplação coloca-nos em sinto­nia de conaturalidade com eles. Mas depois é mister aplicar sua mensagem ao dia de hoje.



dois canais de mediação qualificada que nos acompanham no aprofundamento da verdade salvífica a ser comunicada como men­sagem à Comunidade salesiana e ao ambiente. Não só à Comunidade salesiana, mas, através dela, à realidade juvenil, porque a Comunidade salesiana não existe para si mesma, existe para os jovens, para um ambiente, para um bairro.

Os dois canais de mediação qualificada são o Magistério da Igreja e o patrimônio espiritual do carisma de Dom Bosco. As luzes do magis­tério e da índole própria do nosso carisma ajudam-nos a traduzir o Evangelho em mensagem.



Começamos com o Magistério do Papa e dos Bispos. Pensai no Concílio Vaticano II, nas suas grandes orientações doutrinais e pas­torais, que guia este século e o advento do Dois mil (verão depois os nossos sucessores se serão de mais séculos!).

Depois, as exortações pastorais do Papa: as encíclicas, as alocuções, os vários documentos. Olhai, por exemplo, a recente encíclica Labo­rem exercens: será talvez um pouco difícil, mas é extraordinariamente importante: enfrenta um problema de atualidade com uma profundidade até aqui inédita.

Há ainda os Sínodos dos Bispos, com seus vários temas de atualidade; a Conferência epis­copal do próprio País, que ajuda e ilumina; há também o Bispo local, que intervém, sugere e dirige.

O Diretor que, como padre, tem uma espe­cial consciência de colaborador, saberá alimen­tar a própria responsabilidade de “profeta”. Deverá conhecer as intervenções do Magistério, adquirir os documentos, lê-los e meditá-los tam­bém para os outros. Eis por que tem necessi­dade de lugar e tempo de meditação para exer­cer o seu sacerdócio. Coisa bem diversa de simplesmente presidir funerais!

Assim se orienta a história; a pequena his­tória da própria Comunidade e a da Igreja local. Assim se guia sacerdotalmente, em nome de Cristo, assim se é profeta da verdade salvífica.

Vede que Dom Bosco é um exemplo extraordinário dessa função sacerdotal; um pastor juvenil e popular de genuína contempla­ção e de genial praticidade, unidas à qualidade heroica de trabalhador incansável, de comuni­cador indefeso. Era um incrível homem de ação, mas também um grande leitor, um traba­lhador atento e informado, profundo conhecedor do Evangelho, contemplativo do mistério de Cristo, dócil ouvinte do Papa e do Magistério, direi também estudioso, não com a preo­cupação da erudição, mas com o afã de poder exercer melhor o seu ministério sacerdotal. Como seria bonito que os Diretores salesianos fizessem o que fez Dom Bosco pela verdade salvífica!



Há ainda o segundo canal de mediação, o da Congregação com vistas à genuinidade do carisma salesiano que, numa mudança cultural como a hodierna, oferece também numerosas orientações concretas.

Os dois últimos Capítulos Gerais adequa­ram a nossa Congregação aos grandes e exigen­tes princípios conciliares e aos tempos. Além disso, as orientações do Reitor-Mor com o seu Conselho, considerando as carências e necessi­dades da nossa Vocação hoje (Atos dos Capítu­los Gerais, Ratio, Manual do Diretor, Circulares do Reitor-Mor, cartas especiais etc.). São sub­sídios que, unidos ao patrimônio dos escritos de Dom Bosco e da tradição espiritual salesiana, constituem verdadeira e luminosa riqueza para a guia das nossas Comunidades.

Também o Inspetor com o seu Conselho dá orientações sobre problemas ainda mais con­cretos.

O Diretor deve considerar bem isso tudo. Deve levar tudo em consideração, não tanto com um sentido passivo de observância (não que a observância não seja importante!), mas ativamente, a fim de que não prevaleça no seu coração a simples preocupação de uma obser­vância, mas sim a ânsia sacerdotal de genuini­dade de vida, para um exercício eficaz da sua profecia ministerial. Saiba o Diretor trazer para casa as luzes que provêm desse nosso canal de mediação para que os irmãos e os grupos da Família Salesiana tenham um sentido mais atual e genuíno da própria atuação pastoral.

Já neste primeiro aspecto do ministério sacerdotal, a figura do Diretor-padre ajuda a considerar tudo o que deve fazer a Comunidade sob a ótica da dimensão pastoral. Ser, pois, animador, na qualidade de profeta da verdade salvífica, comporta numerosas exigências de preparação e doação. As recomendações que se referem a este serviço podem-se fazer de ma­neira superficial e quase material, como se se fizesse uma lista de deveres que, no fim das contas, deixam tudo como está. Mas se se con­sideram a partir da profunda visão do sacerdó­cio, então causam realmente impacto.

Cultivar na consciência a convicção de que esta é uma maneira de viver o próprio ministé­rio de padre muda as coisas, ou pode mudá-las. Desperta maior interesse, dá mais satisfação, porque a pessoa sente vibrar a consagração sacramental da Ordem, e percebe que está par­ticipando no mistério de Cristo. Mais ainda, tem a consciência de fazer viver e de fazer participar os próprios irmãos e toda a sua atividade neste mistério, animando e revigoran­do a vocação característica de cada um.

Quereis que vos diga algo sobre minha impressão?

Algumas vezes, nos giros pela Congregação, vê-se que as preocupações culturais e organiza­tivas dominam os Diretores e os Superiores e, desta forma, sem que se deem conta, tornam-se, no âmbito sacerdotal, passivos, ultrapassados, antiquados em espiritualidade e em pastoral, ainda que possuam boa cultura humanista ou técnica. Para um padre é um verdadeiro peca­do não viver atualizado no campo espiritual e apostólico do próprio ministério!

E a Congregação tem urgente necessidade de diretores espirituais, de pastores competen­tes, de bons confessores, de evangelizadores incansáveis. Quando afirmo que há na Congre­gação certa “crise de sacerdócio”, refiro-me primeiro que tudo a estas deficiências. Lembrai-vos que no ministério sacerdotal a função de serviço da Palavra que salva tem forte prioridade, ressaltada constantemente pelo Concílio para os tempos atuais.

Há hoje em muitas sociedades um confron­to muito delicado e muito difícil com variadas ideologias que emergem de uma cultura mate­rialista. Como me dizia o Cardeal Garrone: se alguém vê a televisão, ouve o rádio e acompanha os meios de comunicação social, não encontra mais um lugar adequado para a sua função de padre. Então, ou se identifica com algum setor da promoção humana ou aparece como o resí­duo de uma época ultrapassada, um objeto de museu.

O padre, ao invés, recebe como herança uma missão pastoral de absoluta atualidade, ainda que sua originalidade seja percebida somente por quantos creem no “mistério” de Cristo e da Igreja.

O padre desempenha o “ofício” de salvador. E quem não sente hoje a necessidade de um salvador?

Mas a maneira de pensar, as convicções, a influência da opinião pública marginaliza con­tinuamente a validez dessa função. Saibamos ir contra a corrente e não nos deixar plasmar pelos gostos superficiais do secularismo; de outra sorte insensivelmente vamos matando em nós o padre!

Ir contra a corrente não quer dizer ser polêmicos, mas ter convicções claras no coração e dinamizá-las. Se há uma hora na história na qual é muito urgente revalorizar o sacerdócio, é justamente a nossa, sobretudo se se pensa que em muitas culturas há todo um válido patrimô­nio cristão em perigo.

Que aconteceu nestes últimos anos? Eu compararia à dolorosa situação de muitos Países cristãos a atitude do camponês que vai à cidade. Deslumbra-se com as primeiras impres­sões das vitrinas, das ruas, das luzes artificiais e da técnica; pensa que todas as coisas do campo não passam de antiquada realidade; entra numa espécie de complexo de inferiori­dade; começa a duvidar dos grandes valores que haviam iluminado e sustentado a sua vida, e a pouco e pouco os vai perdendo. As lâmpa­das fluorescentes esconderam-lhe as estrelas! Resta apenas a esperança de que ele perceba quanto antes o despropósito cometido.

Em muitos Países passou-se de uma cultura camponesa à atual civilização técnica e plura­lista de tipo consumista. A opinião pública tornou-se como o camponês. Os grandes valo­res do Evangelho, vividos por toda uma tradição secular, são marginalizados.

É preciso então ter consciência clara da urgência de uma nova evangelização e sentir-se chamados, justamente como padres, a orientar um vasto empenho de pastoral juvenil para a construção de uma nova sociedade.

Urge fazer contestação profética com as convicções, com a preocupação de aprofundar, avaliar, desenvolver nos jovens a capacidade crítica daquilo que veem, do que ouvem, e sobretudo de conhecer objetivamente a história e o mistério de Cristo.

Estais vendo quão grande é a necessidade de sacerdócio na hora atual?

Olhemos para as nossas obras e, mais que demorar-nos em analisar a crise de sacerdócio que nelas pode haver, corramos aos reparos com todas as energias. O Papa no seu primeiro discurso, após a eleição, proclamou da praça de São Pedro que é preciso abrir as portas a Cristo: — Não tenhais medo, vós, homens da cultura, da política, da economia! — Cristo não é alternativa de ninguém; mas sem ele nenhuma coisa humana se fará bem.

Em ponto pequeno, no nosso pequeno cam­po, saiba o Diretor ser o primeiro e mais atento profeta da mensagem salvífica de Jesus Cristo.



Mestre e guia de santificação



O segundo aspecto do ministério sacerdotal é o de ser administrador da energia vital da graça e pedagogo de santificação.

Cabe primeiramente ao Diretor velar as fontes diárias da graça de Cristo na sua comunidade e entre os jovens; compete a ele a pri­meira responsabilidade da formação permanen­te, como crescimento ininterrupto na própria vocação de santidade. Em particular, deve saber perfurar a dura crosta do quotidiano para desfrutar os grandes poços do ouro branco da graça de Cristo.

As fontes da energia de ressurreição que enriquecem e dinamizam a vida são fundamen­talmente duas: a Eucaristia e a Penitência.

Queridos Diretores, essas duas fontes da graça devem funcionar bem nas casas! Repito, não para cumprir uma norma (não é preocupa­ção externa de conduta!), mas para uma con­vicção profunda de vida espiritual. Ninguém de nós pode desenvolver a sua vida cristã e a sua vocação salesiana sem a graça de Cristo. Ao falar de “graça” quer-se indicar a linfa vital que não procede de nós nem de nenhum valor humano, por grande e nobre que seja, mas que procede somente d’Ele; e brota d’Ele particular­mente através das duas mediações sacramen­tais da Eucaristia e da Penitência. Na vida quotidiana, depois da efusão da graça do Batismo e da Crisma (e, para os padres, da Ordem), são estes dois Sacramentos que constituem o objeto principal dos cuidados sacerdotais.

Encontra-se aí o fundamento do Sistema Preventivo: a Eucaristia e a Penitência, renovadas na sua celebração segundo a eclesiologia do Vaticano II, devem tornar-se novamente o cen­tro motor da vida comunitária e pastoral das nossas casas.

Eis um caminho concreto, o principal, para guiar sacerdotalmente os irmãos no processo de santificação.



Em primeiro lugar, o Diretor deve cuidar da melhor maneira do sacramento da Eucaristia.

Qual o significado da sua celebração?

A Eucaristia recolhe tudo o que há de amor e graça em cada um de nós, como participação pessoal de vida e de atividade, na Páscoa de Cristo. É o exercício do sacerdócio batismal de todos os membros da Comunidade; é a oferta da própria existência concreta (o meu corpo e o meu sangue!) como “hóstia pura e agradável” na solidariedade com Cristo-vítima.

Que é a vida religiosa senão uma educação para isso? Ajuda a tornar-nos, de fato, hóstias vivas.

A Eucaristia não se reduz e limita, pois, ao momento da sua celebração sacramental. É toda a vida que se deve centralizar na Eucaristia, na convicção de que Ela recolhe e oferece a Deus o que somos e fazemos: os nossos sentimentos, as nossas penas, o trabalho, as fadigas, os êxi­tos e os contratempos.

Vê-se desde logo que o Diretor muito tem a excogitar e a fazer para que o ministério litúrgico do seu sacerdócio funcione quotidia­namente. Vi, todavia, algumas vezes, que a Eucaristia já não é o centro da casa e desse modo não representa pedagogicamente o cume e a fonte de toda a vida quotidiana da Comuni­dade.

O Papa disse aos membros da SCRIS que não concebe uma Comunidade religiosa senão organizada em torno do tabernáculo!

Vede: um Diretor que se preocupe realmen­te dessa centralidade viva, após algum tempo de cuidados e inteligente insistência, perceberá um nível mais alto de vida espiritual na Comu­nidade, e um empenho mais adequado nas suas atividades apostólicas.

Procurai ter em casa também uma bela capela para a Comunidade! Ela devia tornar-se justamente o coração da casa: que tudo convir­ja para aí, e faça da comunhão entre os irmãos uma pequena, mas verdadeira “igreja doméstica”.

Atualizai os vossos conhecimentos litúrgi­cos e não permitais que se perca, nas celebra­ções, o sentido perceptível do sagrado. Nós que somos também pedagogos devemos saber apre­ciar, respeitar e valorizar os vários elementos simbólicos, da roupa aos gestos, à proclamação da palavra de Deus, às sóbrias e qualificadas intervenções criativas, ao tempo.

Na reunião plenária da SCRIS de que vos falei, quatro Superioras Gerais foram convida­das a intervir. Uma delas lamentava o desastre provocado em algumas comunidades de irmãs por parte de certos padres que fazem da litur­gia o que lhes parece bem, com iniciativas até extravagantes. E pedia insistentemente que se interviesse adequadamente para eliminar abusos tão prejudiciais.

Quando se espalha uma moda, bem pouco pedagógica, de secularização das celebrações, perde-se o preciso sentido do sagrado, vai-se enfraquecendo a percepção da profundidade do mistério e pode-se chegar a conclusões incríveis. Não é preciso que apresente exemplos.

Portanto, o cuidado em cada casa da Euca­ristia, como expressão de uma vida, que seja oblação de si a Deus durante todo o dia, é um serviço sacerdotal de santificação que exige uma doação atenta e ininterrupta.



O Diretor deve saber cuidar também e muito da Penitência. Os psicólogos e os soció­logos nos ensinam hoje uma mais profunda com­preensão crítica da pessoa e das estruturas de convivência. É interessante constatar o aumen­to da capacidade crítica; é um amadurecimento de humanidade e um crescimento em objetividade, embora nem sempre imparcial, nem bem-sucedida. Pois bem, a celebração do sacramen­to da Penitência é um exercício indispensável de autocrítica no campo profundo e delicado, o mais fundamental de todos, da personalidade humana. Acima do psicológico e do sociológico há o santuário da própria liberdade, como pri­meira forja do bem e do mal. Não por não acreditarmos que haja estruturas injustas por mudar. Existem várias, por certo. Mas porque estamos cristãmente convencidos de que no coração do homem está a última raiz de todo o mal, o pecado.

É indispensável, pois, cuidar em cada comu­nidade o exercício de uma autocrítica cristã para descobrir as verdadeiras carências e a causa dos desvios. O ministério de santificação deve fazer compreender aos irmãos (e aos jo­vens) que o pecado existe, que o pecado causou a morte de Cristo, que o pecado arruína a ver­dadeira vida. Deve-se saber lutar contra ele.

Nas origens da nossa Família encontramos um menino santo que proclama: “A morte, mas não o pecado!”.

O Diretor deve saber zelar por tudo o que leva a uma capacidade evangélica de autocríti­ca: no colóquio pessoal, nas reuniões da Comu­nidade, nos momentos de revisão de vida realizados fraterna e familiarmente à luz do Evangelho: sobretudo por ocasião do Exercício da boa morte, nos retiros trimestrais, nos Exer­cícios Espirituais. Cada mês, cada três meses, cada ano, uma conversação sincera desse tipo, feita com humildade, vendo as faltas externas das pessoas e os defeitos comunitários na vida de consagração salesiana e nos empenhos de evangelização da juventude, é uma verdadeira graça.

Neste campo talvez falte atualização, luci­dez doutrinal. Há todo um aprofundamento por fazer hoje sobre o sacramento da Reconciliação e é mister promover iniciativas nas Inspetorias e nas casas, servindo-se de pessoas competentes, equilibradas e atualizadas para superar um atraso que se traduz em superficialidade e ignorância.

Saíram vários documentos do Magistério sobre este tema: talvez alguns irmãos nem sequer os conheçam. O Diretor deve tê-los à mão, medi­tá-los e criar um clima donde possa jorrar a graça sacramental, tão indispensável da Peni­tência. Servirá no caso também a preparação do próximo Sínodo dos Bispos que enfrenta precisamente este elemento da vida eclesial.

Podemos realizar nossa vocação somente com um constante crescimento em nós da graça de Cristo. O Diretor que Dom Bosco pensou era também “confessor”. É na administração do sacramento da Reconciliação que o sacerdote sente e faz crescer a sua peculiar “pa­ternidade” espiritual. Hoje o Diretor salesiano não mais confessa os irmãos. Mas se não con­fessar ninguém, perde o segredo da sua pater­nidade! Deveria procurar confessar alguma hora por semana, porque talvez não o possa fazer todos os dias. Deve fazê-lo sobretudo entre os jovens. Será para ele uma graça de Deus, que o fará crescer na bondade paterna tão característica da sua função.

Vede, existe boa diferença em falar com um irmão e corrigi-lo de uma falta conhecida por referência externa (entrando quem sabe pelo caminho da correção jurídica), ou fazê-lo depois de haver ouvido dele próprio, arrepen­dido, no sacramento da Penitência, se ainda se fizesse. Que havia de sentir então o Diretor? O desejo de mandá-lo embora? Nunca! Senti­ria um afeto especial, uma preocupação “pater­na”. Encaminhar-se-ia antes pela estrada da amizade, ajudá-lo-ia com bondade a superar as dificuldades. Essa é a paternidade! Mas se nós, lamentavelmente, não confessamos nunca a nin­guém, como havemos de treinar o coração para a compreensão paterna?

Se o Diretor de não-mais-confessor dos irmãos passa, habitualmente, a não se dedicar nunca à administração do sacramento da Recon­ciliação, perderá sem o perceber sua qualidade de “pai” para se tornar “superior”, “diretor dos estudos” ou “empresário”. Seria essa uma das feridas mais graves causadas à Congregação. Talvez encontramos aqui uma das razões mais profundas da crise de sacerdócio de que vos falava antes.

Queridos Diretores, se tiverdes ao lado uma igreja, uma paróquia, tomai algumas horas para atender ao confessionário nos domingos e sába­dos à tarde. Não é tempo perdido; não é aban­donar a Comunidade. Quem vos há de agrade­cer serão precisamente os irmãos que talvez vos criticaram porque não estáveis no escritório quando vos procuravam. Eles aos poucos dar-se-ão conta de que no Diretor há algo de novo, mais sacerdotal, mais salesiano; verão reapare­cer a auréola da “paternidade”.

A preocupação sacerdotal da centralidade da Eucaristia e da celebração frequente da Penitência leva necessariamente o Diretor a tornar-se, em casa, o promotor de adequada e preciosa formação permanente. Sentir-se-á es­pontaneamente chamado a ser o aperfeiçoador dos seus irmãos, o promotor da Família Sale­siana, o educador das vocações. Compreenderá facilmente por que sua casa deva transformar-se numa “comunidade formadora”, e se esforçará em procurar e encontrar os meios indispensáveis para alcançá-lo.

Constatará, dessa maneira, que a função de Diretor traz, de si mesma, um cúmulo de tra­balho delicado e nem sempre perceptível ao olho do infalível especialista em críticas, mas real e indispensável; a ponto de não lhe permi­tir ser um simples factótum, mas de dedicar-se a ser padre em tempo integral para o cresci­mento salesiano da sua Comunidade.



Construtor de comunhão eclesial



O terceiro aspecto do ministério sacerdotal do Diretor é o cuidado da comunhão e da coor­denação pastoral. Podia-se aqui tratar de muitas coisas. Quereria insistir somente sobre dois objetivos: a inserção na Igreja local e a anima­ção da Família Salesiana.



O primeiro consiste em incorporar a Comunidade e o seu trabalho na pastoral orgâ­nica da Igreja local; no cuidar, pois, das relações com o Bispo, com o presbitério, com os demais religiosos, com os leigos comprometidos.

Antes dizia-se que o melhor Diretor nunca saía de casa, agora o melhor Diretor não é cer­tamente o que nunca está em casa, tampouco o que nunca sai. O Diretor deve saber sair para cultivar essas relações de Igreja, de coordena­ção pastoral. É também importante a presença no campo civil, social, cultural, tendo em vista o nosso tipo característico de trabalho.

Sabeis que os graves problemas do momen­to não são resolvidos por uma só obra e nem mesmo por toda uma Congregação; mas enfrenta-os, buscando resolvê-los, a Igreja no seu con­junto, com uma harmoniosa colaboração de to­dos. O Cardeal Poletti, na citada reunião plenária da SCRIS, lamentava o fechamento, na cidade de Roma, de certas obras católicas, que depois eram assumidas por organismos inspirados em ideolo­gias não cristãs. Se essas obras, nas dificuldades que lhes causavam decretos-lei ou iniciativas regionais ou municipais, aparecessem como per­tencendo não isoladamente a um pequeno Ins­tituto, mas solidariamente a toda a Igreja local, disposta a atuar e a reagir bem unida, antes de proceder contra elas pensar-se-ia duas vezes e não tanto por razões religiosas, mas por consi­derações de prudência política. Imaginai como poderia mudar o problema da educação se fosse visto em cada País a nível global por todos os cidadãos católicos solidamente unidos!

Por uma parte, a preocupação de cultivar estes elementos de solidariedade eclesial, que antes não se sentiam, mas que estão crescendo vigorosamente (pode-se dizer que, depois do Vaticano II, ainda estão sendo dados somente os primeiros passos de um longo percurso): por outra, o desafio do processo de socialização (comunhão e participação de todos na vida da sociedade civil e nas suas várias instituições, em particular para nós as da área cultural!) e as interpelações das fortes mudanças havidas na Sociedade, exigem uma vasta rede de contatos e uma preocupação constante de inter­câmbios e de coordenação. Portanto, “gover­nar” hoje uma Comunidade salesiana significa mover-se com consciente solidariedade numa nova concepção da Igreja e da Sociedade.



O segundo objetivo é o de zelar pela comunhão fraterna e a harmonia de intentos na própria Comunidade, para que se torne núcleo dinâmico e animador de toda a Família Salesia­na circunstante.

Queridos Diretores, dai grande importância à Família Salesiana do lugar. Percebereis que todos os grupos da Família têm especial neces­sidade do vosso ministério sacerdotal. A pre­sença salesiana não é realizada somente pelo Diretor, pelos irmãos e pelos meninos que a frequentam; mas nela participam também as Filhas de Maria Auxiliadora, os Cooperadores, os Ex-alunos, as Voluntárias de Dom Bosco etc., com toda a juventude e as classes populares a que se dedica o movimento apostólico lançado por Dom Bosco.

Esse horizonte mais vasto deve entrar nas perspectivas de coordenação próprias e pessoais do Diretor, mesmo que depois ele possa encarre­gar algum outro para determinadas tarefas de serviço e animação. Na sua consciência de “pastor salesiano” de determinada zona deve assumir de boa vontade o cuidado de fazer funcionar harmonicamente a presença salesia­na, que constitui uma mais ampla possibilidade de ação evangelizadora.

Dom Bosco ampliou sempre o campo da colaboração, não se limitou apenas aos salesia­nos, promoveu sempre a comunhão e a partici­pação de muitos e fundou, como herdeira da “Obra dos Oratórios”, toda uma Família.

Também neste setor a preocupação funda­mental de animação não visa antes à organiza­ção nem se esgota em algum plano “trienal”, mas concentra-se na presença eficaz de todo o carisma salesiano a ser aprofundado, promovi­do e relançado na Igreja local.

Para tender a isso é preciso um coração e uma mente grandes e magnânimos como o cora­ção e a mente de Dom Bosco padre, num empe­nho concreto de Igreja local: não nós sozinhos, mas com todos os filhos e as filhas de Dom Bosco.

Vede, então, que também a Família Salesia­na interpela, não indiferentemente, as iniciativas e as tarefas do vosso serviço sacerdotal de Diretores tais como os quis o nosso Pai e Fundador.



Concluo



Podia-se continuar a enumerar e considerar vários outros aspectos. Procurei aqui juntar para vós, queridos Diretores, algumas reflexões sobre um tema que toca a consciência pessoal de cada um na interioridade da sua consagra­ção sacerdotal. Haveis de encontrá-las indica­das e desenvolvidas mais amplamente e em conexão com outros aspectos no manual: “O Diretor Salesiano, um ministério de animação e de governo da comunidade local”, já impresso e, talvez, já nas vossas mãos. Os carismas do sacramento da Ordem revestem o serviço da autoridade salesiana de funções que enriquecem toda a Comunidade e cada categoria de mem­bros da nossa Família.

Na história da salvação o “ministério” sacerdotal tende a envolver na sua missão todos os recursos da pessoa escolhida para realizá-lo. Não é uma tarefa de “funcionário”, circunscrita a determinadas horas de trabalho. É uma “con­sagração” em tempo integral e por toda a vida, que assume e transforma toda a psicologia e todas as energias da vida; mais que uma “fun­ção” é uma “maneira de ser”. Não nos podemos sentir padres somente vinte horas por semana. Não, a consagração atinge os dinamismos recôn­ditos de toda a pessoa.

Dom Bosco pede ao Diretor Salesiano que faça desabrochar em proveito de todos esta consagração de serviço eclesial. Penso que se crescer na Congregação esta sensibilidade e este aprofundamento do ministério sacerdotal, sai­rão ganhando as Comunidades, todos os irmãos, toda a Família Salesiana e, sobretudo, os nume­rosos destinatários da nossa missão.

Que estas reflexões nos ajudem, à imitação de Dom Bosco, a crescer no amor a Cristo Sumo e Eterno Sacerdote, sempre vivo, a interceder pela juventude. Quão gratos nos serão parti­cularmente os queridos irmãos Coadjutores que desejam perceber com absoluta clareza que o sacerdócio ministerial é um “serviço” de ordem pastoral, indispensável à plenitude consagrada e salesiana da laicidade que eles vivem como expressão do seu sacerdócio batismal.

Quão gratos serão os irmãos da formação inicial, que aspiram ver a Vocação salesiana mais evangelicamente incisiva e mais apostolicamente eficaz.

Quão grata não será toda a nossa Família espiritual, que exige um maior nível de interio­ridade.

Que Nossa Senhora Auxiliadora alcance como presente privilegiado para nossa Congregação e Família, um mais genuíno, incansável e humil­de exercício do ministério sacerdotal, para o relançamento da santidade em todos os seus membros.

Cordialmente em Nosso Senhor,

1 Cf. CG21, 61d.

2 Cf. ACS 303.

3 Cf. ACS 295.

4 Cf. ACS 305.

5 Const. 35.

6 Cf. CG21, 448-450.

7 Cf. ACS 298.

8 Cf. PO, 8.

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