301-350|pt|328 - O Papa nos fala de Dom Bosco

Viganò Egídio



O PAPA NOS FALA DE DOM BOSCO



Atos do Conselho Geral

Ano LXX – janeiro-março, 1989

N. 328





Introdução — A dimensão pastoral — A perspectiva da “santidade” — A opção do Batismo e a coragem da Confirmação — A entrega constante a Maria — O compromisso para a vocação — Centralidade do ministério sacerdotal — O carisma da educação — Evangelho e Cultura popular — A responsabilidade da Família Salesiana — Dom Bosco “verdadeiro” — Conclusão.





Roma, Solenidade da Imaculada, 8 de dezembro de 1988.





Queridos irmãos,

enquanto as celebrações do Centenário estão chegando ao fim, cresce no nosso coração a convicção que vivemos em família um rico “Ano de graça”.

Não chegou ainda a hora para fazer um balanço.

Com esta carta gostaria só de concentrar a vossa atenção sobre um aspecto particularmente significativo: o que disse e es­creveu o Papa João Paulo II a respeito de Dom Bosco nestes meses do ano jubilar.

As suas são palavras comemorativas de tipo litúrgico-pastoral; não constituem um estudo sistemático nem uma apresentação exaustiva da figura de Dom Bosco; mas manifestam um autorizado olhar de fé sintético e global, que contempla a sua originalidade de “Santo” e de “Fundador”.

Trata-se de dois aspectos objetivos que ultrapassam sua morte e seu tempo. Interessam-nos vitalmente porque aprofundam suas raízes naquele “carisma” do Espírito do Senhor, que foi transmi­tido a nós “para ser vivido, guardado, aprofundado e constante­mente desenvolvido em sintonia com o Corpo de Cristo em con­tínuo crescimento”.1

Não é comum que o Sucessor de Pedro se tenha entretido com tanto interesse e com tão agradecida atenção diante da atualidade eclesial de um Santo.



A dimensão pastoral



A dimensão das palavras do Papa é claramente “pastoral”. Parte da preocupação do seu ministério de sucessor de Pedro, ou seja, daquele constante e universal que torna João Paulo II um incansável buscador de novas e mais adequadas perspectivas de apostolado.

No dia 30 de maio do ano passado, o Papa convidou para um almoço de trabalho S. Em. o cardeal Ballestrero, arcebispo de Turim, com o Reitor-Mor. Queria falar da sua bem próxima visita a Turim e ao Colle Don Bosco e queria conhecer os detalhes, cada uma das etapas e o seu concreto significado pastoral. Pretendia estar presente na arquidiocese em atitude de peregrino nos lugares de Dom Bosco para proclamar a mensagem profética à Igreja local, à Família Salesiana e a todo o povo de Deus no mundo, subli­nhando a sua atividade pastoral em favor da juventude.

Ouviu com interesse cada uma das propostas, aprovou o longo espaço de tempo de dois dias e meio dedicado à visita e gostou de aprofundar as motivações de cada um dos encontros: o rito da Confirmação no Palácio dos Esportes, a Boa-noite aos jovens do “Confronto DB’88”, o diálogo com os sacerdotes e os religio­sos, a visita ao Batistério de Castelnuovo Don Bosco, a solene celebração eucarística dos Becchi com a beatificação da garota chilena Laura Vicuña e a visita à casa de Mamãe Margarida, o encontro em Chieri com os jovens chamados à vocação sacerdo­tal e religiosa, a visita à Universidade de Turim para um desejado contato com o mundo da cultura, o alegre diálogo com as massas de jovens que se reuniram no Estádio Municipal, a reza do terço transmitida pelo rádio no primeiro sábado do mês na igreja (restaurada) do arcebispado — onde Dom Bosco fora ordenado sacerdote —, a saudação à Escola de aplicação do exército ita­liano lembrando o testemunho cristão do Capitão Francisco Faà di Bruno, amigo de Dom Bosco, a breve visita à igreja de S. Fran­cisco de Assis onde Dom Bosco celebrou a sua primeira missa e encontrou Bartolomeu Garelli, a conferência às Religiosas na basílica de Valdocco, a grande Eucaristia celebrada na praça Maria Auxiliadora com o Ângelus dominical e a visita às “camerette” de Dom Bosco, o diálogo com os responsáveis de escolas reunidos na catedral de Turim, a exortação e o abraço pessoal a um não pequeno grupo de doentes na Praça real, a despedida da cidade e das autoridades na Praça Castelo e os dois almoços em casa salesiana (nos Becchi e em Valdocco) onde teria sido pos­sível uma Sua conclusão.

No ano anterior, quando o Reitor-Mor lhe pedira se fosse conveniente oferecer-lhe algum material para uma Sua carta comemorativa para o centenário, respondeu: “Dom Bosco é um dos grandes Santos da Igreja; desejo de verdade escrever esta carta para realçar a sua importante e atual mensagem profética”.

As palavras do Santo Padre nascem ao mesmo tempo de uma constante preocupação pastoral e de uma pessoal e agradecida simpatia por Dom Bosco. Admira-o em sua estatura de Santo e de Fundador, como dom do Espírito do Senhor à Igreja; está convencido da sua grandeza profética; vive em sintonia com a sua predileção pelos jovens; admira a sua original metodologia de educação à fé, o critério oratoriano e a sensibilidade pelo mundo do trabalho, a abertura para os leigos, a valorização da mulher, o arrojado sentido de universalidade e a predileção pelos pequenos e os pobres das classes populares. Em particular agrada-lhe sublinhar a sua intensa e operosa devoção mariana, forte­mente eclesial e de uma especial atualidade nos tempos difíceis.

A leitura atenta da sua Carta do dia 31 de janeiro (de 1988) e dos seus Discursos do mês de setembro são para nós um con­vite para voltar às fontes e beber a água cristalina e pura, assim que o Centenário se torne um fortíssimo estímulo para renovar a nossa qualidade pastoral.

Devemos de verdade estar agradecidos ao Santo Padre que nos ajuda a sermos mais autenticamente Salesianos no Povo de Deus que caminha na história.

Ouçamos a exortação que Ele mesmo nos escreveu na Carta “Iuvenum Patris”: “‘Dom Bosco retorna’ é um canto tradicional da Família Salesiana: exprime o ardente desejo de um ‘retorno de Dom Bosco’ e ‘um retorno a Dom Bosco’, para serem educa­dores capazes de uma fidelidade antiga e também atentos, como ele, às mil necessidades dos jovens de hoje; para encontrarem de novo a sua herança, as premissas a fim de responderem tam­bém hoje às suas dificuldades e expectativas”.2

O Papa também nos ensinou a dialogar familiarmente com o nosso querido Fundador; dirige-se a ele várias vezes dizendo-lhe: “Caríssimo São João Bosco!”, utilizando o “tu” como se ele fosse um seu amigo pessoal e chamando-o de “gênio espiritual”, “gênio do coração”.



A perspectiva da “santidade”



Dom Bosco pode ser estudado sob muitos aspectos; mas, para o Papa, aquele que os resume todos e que lhe dá o verda­deiro significado global é o da “santidade”. Vê nele uma pessoa com muitos dotes, mas plenamente dócil ao Espírito Santo, sob cuja ação deu origem a um testemunho evangélico peculiar, rico de atualidade.

Apraz-me considerar, a respeito de Dom Bosco, sobretudo o fato que ele realiza a sua santidade pessoal mediante o empe­nho educativo, vivido com zelo e coração apostólico, e que sabe propor, ao mesmo tempo, a santidade como meta concreta da sua pedagogia”.3 E aqui é necessário procurar “a mensagem profé­tica por ele deixada aos seus e à Igreja toda”.4

Na Igreja e no mundo a visão educativa integral, que vemos encarnada em João Bosco, é uma pedagogia realista da santidade. Urge recuperar o verdadeiro conceito de ‘santidade’, como com­ponente da vida de todo crente. A originalidade e a audácia da proposta de uma ‘santidade juvenil’ são intrínsecas à arte edu­cativa deste grande Santo, que pode ser justamente definido ‘mestre de espiritualidade juvenil’”.5

Toda santidade deve ser lida à luz da real presença do Espí­rito Santo na história: “a Sua escondida e poderosa eficácia é dirigida a fazer crescer a humanidade segundo o modelo de Cristo. O Espírito Santo (de fato) é o animador do crescimento do homem novo e do mundo novo”.6

O Espírito do Senhor, ainda, é criador originalíssimo; nunca se deixa estruturar num esquema pré-estabelecido; dá origem — em cada Santo — a uma sua obra de arte toda peculiar, sobre­tudo quando ele quer suscitar o Líder de uma especial via evan­gélica que será trilhada por muitos.

De Dom Bosco o Papa diz que “a sua estatura de Santo o coloca com originalidade, entre os grandes Fundadores de Institutos religiosos na Igreja”.7

Considera-o, assim, como o iniciador de um carisma, sua “índole própria comporta também um estilo particular de santi­ficação e de apostolado, que estabelece uma sua determinada ‘tradição’ de maneira que podem ser percebidos conveniente­mente os elementos objetivos”.8

Esta perspectiva da “santidade” de Dom Bosco é apresentada pelo Papa seguindo algumas etapas fundamentais da ação do Es­pírito do Senhor em sua vida.



A opção do Batismo e a coragem da Confirmação



Em Castelnuovo e no Palácio de esportes de Turim, João Paulo II falou do “Batismo” e da “Confirmação” de Joãozinho Bosco.



É conhecido que no Batistério da igreja paroquial de Cas­telnuovo foram regenerados para a vida cristã várias grandes testemunhas do Evangelho, entre as quais Dom Bosco. O Santo Padre entreteve-se em sublinhar de que raiz nasceu a sua santi­dade e a sua opção fundamental por Cristo: “O Concílio Vati­cano II recorda-nos — afirma — que a vocação à santidade tem a fonte originária no Batismo”.9

Esta opção pede o trabalho educativo dos pais e da comu­nidade paroquial: “Os vossos pais souberam viver a fé cristã de modo pessoal e comunitário na convicção de que a obra educa­tiva para com os filhos é a primeira e essencial forma de aposto­lado. Esta é uma forte e significativa tradição da vossa gente”.10

E aqui o Santo Padre focaliza o sábio cuidado cotidiano de Mamãe Margarida que influenciou grandemente no crescimento batismal de Joãozinho, em particular na sua preparação à pri­meira Comunhão. Cita as mesmas palavras de Dom Bosco em suas Memórias: “A minha mãe preocupou-se por me preparar o melhor que podia e sabia. Durante a Quaresma mandou-me todos os dias ao catecismo; depois levou-me três vezes para eu me con­fessar, fui examinado, aprovado... — João, disse-me repetidamente, Deus prepara-te um grande dom; mas procura preparar-te bem, confessar-te, não esconder coisa alguma na confissão. Na­quela manhã acompanhou-me à sagrada mesa e fez comigo a pre­paração e a ação de graças, dando-me aqueles conselhos que uma mãe carinhosa sabe achar oportunos para os seus filhos”.11



Na homilia pronunciada durante a Eucaristia no Palácio do esporte de Turim em que quase 800 jovens (com a presença de todo o episcopado piemontês) receberam o sacramento da Confirmação, o Papa lembra que este sacramento é a pessoal Pentecostes para cada cristão: “Sois agarrados hoje pelo Espí­rito Santo para ser suas testemunhas corajosas na defesa da fé e na prática da vida cristã”.12

Falando depois de João Bosco (crismado em Buttigliera) afirma que receber este sacramento foi “o momento decisivo da sua vida, da sua história pessoal, história de salvação”.13

Sublinha a “grande disponibilidade â ação do Espírito Santo” vivida por João Bosco. Aí se encontra “toda a explicação da sua vida excepcional”.14

Nisto consiste a particular ‘capacidade dos santos’ de irradiar Deus na sua vida”.15



A entrega confiante a Maria



Sabemos que João Paulo II considera Maria como Esposa e Colaboradora do Espírito Santo, como “Aquela que acreditou” e que, ressuscitada, acompanha maternalmente os homens no cons­tante crescimento da sua fé.

O Papa insistiu mais de uma vez sobre esta presença eficaz da Virgem na vida de Dom Bosco, correspondida sempre por uma profunda devoção filial. Para ele Dom Bosco é, na Igreja, um dos grandes devotos de Nossa Senhora: chamava-a, de fato, “Fundadora e Mãe” das suas obras.

No encontro com os Sacerdotes e Religiosos afirma: “Dom Bosco foi um grande devoto de Nossa Senhora; como todos aqui em Turim, ele venerou com amor filial a ‘Consolata’; e durante os tempos difíceis dos ataques à Igreja e aos seus Pastores, re­lançou a devoção a Maria Auxiliadora, a quem ele chamou tam­bém ‘Mãe da Igreja’. Este templo foi precisamente querido por ele como demonstração da absoluta certeza da intervenção de Maria nas vicissitudes da história, e a Ela dedicou o Instituto das Irmãs que, como ‘monumento vivo’, quis ele que se chamassem ‘Filhas de Maria Auxiliadora’. A sua vocação sacerdotal teve sempre como estrela-guia, desde criança, Nossa Senhora, e a sua eficácia ministerial e a sua audácia apostólica tiveram a sua profunda e autêntica raiz nesta segura confiança n’Ela”.16

Lembra a presença de Maria nos “sonhos” de Dom Bosco; a Sua contínua assistência; a consideração da Sua estreita ligação com o mistério da Igreja; o seu poderoso auxílio na missão (“Estrela da evangelização”); o Seu cuidado no crescimento da santidade: a Sua amorosa solicitude na obra da educação.

O Papa lembrou, além da construção do templo de Valdocco também o grande quadro da Auxiliadora que manifesta uma explí­cita mensagem de apostolado. Neste sentido falou da entrega a Ela para a realização da tarefa de apostolado materno da Igreja: “É uma maternidade, a da Igreja, que tem necessidade de intér­pretes santos, dóceis e orantes como Dom Bosco; sobretudo quando se trata de educar à fé a juventude”.17

Na Carta Iuvenum Patris já lembrara que para Dom Bosco o trabalho educativo é “um delicado exercício de maturidade eclesial”, e que Maria “continua nos séculos a ser uma presença materna”.18

Olhando para Dom Bosco não se pode separar a ação do Es­pírito Santo daquela solícita e contínua intervenção de Maria numa objetiva leitura da sua santidade.



O compromisso para a vocação



Na catedral de Chieri, o Papa dirigiu-se aos numerosos jovens e às jovens que “com coragem e prontidão, responderam ‘sim’ a um especial chamado do Senhor e se preparam para construir sobre esta resposta toda a sua vida”.19

Afirma-lhes:

O jovem João Bosco, que no século passado caminhava por estas estradas e vivia sob este céu, será certamente para vós mo­tivo de inspiração. Nos ‘anos de Chieri’, ele lançou os fundamen­tos da sua missão. Compreender que ela não pode ser desempenhada sem uma preparação espiritual e cultural; nem pode ser continuada sem a força interior que vem do caminho ascético e da construção de relações comunitárias positivas; nem levada a termo sem o vigor interior que vem da oração e dos sacramentos”.20

Naqueles anos “o Senhor conduziu João Bosco a desenvolver progressivamente em si uma ‘nova mentalidade’; a fazer aquela síntese teológica e espiritual entre cultura e mensagem evangélica, que é característica da sua fisionomia espiritual e que parece uma das exigências deste nosso tempo”.

Aqui “preparou-se pacientemente para ser um ‘comunicador evangélico’“; aqui “desenvolveu também aquela maturidade de relações que se tornou fonte fecunda do seu oratório e coração daquela experiência educativa, que mais tarde chamará ‘sistema preventivo’. Ele intuiu que o Evangelho pode ser anunciado só por um evangelizador que ame e que tenha aprendido a revestir o amor de sinais imediatamente legíveis e perceptíveis”.21

No dia da vestidura traçou um itinerário de vida, ao qual se comprometeu com algumas promessas. ‘Fui — escrevia ele — diante de uma imagem da Bem-aventurada Virgem, li-as, e depois de uma oração àquela celeste Benfeitora, assegurei-lhe formal­mente que as observaria à custa de qualquer sacrifício! E pouco depois, aos pés do altar de Maria, ele comprometeu-se com voto de castidade, a empregar toda a força do seu amor ao serviço do Cristo”.22

Assim o Santo Padre apresentou àqueles jovens o seu coetâ­neo João Bosco como um extraordinário exemplo de alegre aco­lhida e de perseverança na vocação, aliás como um “convite vocacional” para todos os jovens; de fato, nele percebe-se que “a fé responde a muitas das imensas interrogações da juventude e que certamente não é preciso esquecer o Evangelho para ser jovem, nem abafar a juventude para ser cristão. Dizei-lhes que a fé e a felicidade não entram em concorrência, mas são os nomes diversos dados a uma mesma meta”.23



Centralidade do Ministério Sacerdotal



Na manhã do sábado, 3 de setembro, João Paulo II encontrou-se com os Sacerdotes e Religiosos do Piemonte na basílica de Valdocco abordando o tema do ministério sacerdotal. Lembrou-lhes que têm “uma vocação privilegiada no Povo de Deus. Da sua autenticidade derivam frutos abundantes para todos os fiéis; com uma sua crise estariam comprometidos quer a vida das comunidades eclesiais quer o fermento indispensável que elas devem inserir na convivência social”.24

Explicou porque concentrava suas reflexões “sobre a vocação dos presbíteros: o que meditamos sobre eles, serve também para as outras pessoas consagradas”.25 “Aos presbíteros é ‘concedida por Deus a graça para poderem ser ministros de Cristo Jesus’; a finalidade, a que tendem com o seu ministério e com toda a sua existência, é a ‘glória do Pai’, fazendo ‘com que os homens progridam na vida divina’ (cf. PO 2). Para alcançar este objetivo fundamental, eles têm necessidade de muitas virtudes e de uma verdadeira metodologia de santidade”.26

O padre é “consagrado” para agir muito mais além das nossas forças; o poder do Espírito de Cristo o envolve e o envia “para ser autêntico ministro da Palavra de Deus santificador mediante a Eucaristia e os outros sacramentos, e educador da fé no Povo dos crentes. Tudo isto comporta várias tarefas também de ordem cultural e promocional; com efeito, a Boa Nova trazida por Cristo não se une artificialmente à parte exterior da realidade humana, mas deve ser semeada e cultivada a partir de dentro, deve crescer a partir de dentro como parte constitutiva do homem integral e como energia indispensável da história. Será sempre uma tragédia para a humanidade separar o Evangelho da cultura”.27

As múltiplas atividades do ministério do padre exigem na sua vida “o testemunho de uma verdadeira unidade numa mais alta síntese de vida (cf. PO 14)”.

Dom Bosco apresenta-se como modelo extraordinário.

Eis a grande figura de São João Bosco sacerdote! A caracte­rística dominante da sua vida e da sua missão foi o fortíssimo sentido da própria identidade de sacerdote padre católico, segun­do o coração de Deus. Não sem razão, o nome que o designa mais corretamente foi e continua a ser, simplesmente, o de ‘Dom’ Bosco. Não podemos olhar para ele, sem nos convencermos pela sua intensa convicção de que Deus o queria sacerdote, sem sermos tomados de admiração diante da penetrante inteligência de valo­res genuínos da consagração sacerdotal”.28

Esta consagração da Ordem implica um íntimo e vital envol­vimento da pessoa do padre com o ministério recebido; ela atinge e impregna a pessoa em toda a sua existência. “Sem dúvida, o ministério sacerdotal não se identifica com a pessoa do sacerdote”; todavia “ajustar a própria pessoa a este ministério, per­correr todos os dias com maior clareza e intensidade este pro­cesso espiritual de identificação, representa em síntese o itine­rário da unidade de vida e da santidade do sacerdócio minis­terial”.29

O Papa acredita precisamente que a primeira grande intuição de Dom Bosco seja esta: a de sentir-se colaborador dos Apóstolos através da consagração divina: “nenhuma divisão nele, entre o tempo a dar a Deus e aquele a oferecer às obras, aos jovens, aos empenhos do apostolado”.30

E aqui o Papa enfrenta o tema da mútua e inseparável tensão entre consagração e missão que “não constituem dois polos em antítese, mas fundam-se no superior equilíbrio da caridade pas­toral, que traz vitalmente consigo uma admirável graça de uni­dade. A missão, com efeito, é para o sacerdote uma componente da própria consagração; e a ação ministerial é, por sua vez, para ele, uma manifestação concreta de interioridade. O Senhor con­sagra e envia; a ação apostólica é fruto da caridade pastoral”.31

Não se pode descobrir o segredo motor de Dom Bosco “santo e fundador” sem aprofundar atentamente a sua condição de padre, “ministro de Cristo” e “administrador dos mistérios de Deus”.32 Ele é padre em todo lugar, como ele afirmou em 1866 ao Presidente do Conselho de Ministros, Bettino Ricasoli, que o convocara ao Palácio Pitti em Florença, na época capital provi­sória do Reino da Itália.33



O carisma da educação



O trabalho sacerdotal, lembra o Papa, “não conhece exclusão de pessoas”, abrange todos. Todavia o nome de Dom Bosco “per­manece inconfundivelmente ligado àquele particular carisma de educação, que o faz justamente ser chamado o ‘Santo dos jovens’. E tal particularidade impõe aos sacerdotes motivos de reflexão, que hoje revestem uma dramática urgência”.34

Na homilia pronunciada por ocasião da solene beatificação de Laura Vicuña nos Becchi (por ele oficialmente reconhecida como a “Colina das bem-aventuranças juvenis”), João Paulo II desenvolveu a sua reflexão sobre Dom Bosco padre educador ampla e profundamente desenvolvida na carta “Iuvenum Patris”. Trata-se da mais específica herança deixada pelo Santo. Ele como o apóstolo João, escreveu com a sua vida apostólica “uma carta viva no coração da juventude. E escreveu-a nesta exultação, que é dada aos pequeninos e aos humildes sob a ação do Espírito Santo. E esta mesma carta viva continua a ser escrita nos cora­ções dos jovens, aos quais chega a herança do Santo Educador de Turim. E tal carta torna-se particularmente límpida e elo­quente, quando desta herança, de geração em geração, crescem sempre novos Santos e Bem-aventurados”.35

O Papa encontrou aqui a grande “mensagem profética de São João Bosco educador”, a sua originalidade e genialidade, ligada “àquela práxis educativa que por ele mesmo foi chamada ‘siste­ma educativo’. Este representa, num certo modo, a síntese da sua sabedoria pedagógica e constitui a mensagem profética, por ele deixada aos seus e à Igreja toda”.36

A preventividade do “sistema” possui, para o Papa, um significado bem atual. A “vontade de prevenir o surgimento de experiências negativas” traz consigo “profundas intuições, preci­sas opções e critérios metodológicos tais como: a arte de educar de modo positivo, propondo o bem em experiências adequadas e desafiadoras, capazes de atrair pela sua beleza e nobreza; a arte de fazer crescer os jovens ‘a partir de dentro’ fazendo apelo à liberdade interior, contrastando os condicionamentos e os forma­lismos exteriores; a arte de conquistar os corações dos jovens, para os estimular, com alegria e satisfação, para o bem, corrigindo os desvios e preparando os jovens para o futuro, por meio de uma sólida formação do caráter. Obviamente, esta mensagem pe­dagógica supõe no educador a convicção de que em todo jovem, por mais marginalizado ou desviado que seja, há energias de bem que, oportunamente estimuladas, podem determinar a escolha da fé e da honestidade”.37

E à continuação João Paulo II aprofunda o trinômio céle­bre da fórmula “Razão, Religião, Amabilidade”.38

Trata-se de critérios pedagógicos que “não estão confinados ao passado”; certamente a mensagem profética de Dom Bosco exige “que seja ainda aprofundada, adaptada, renovada, com inte­ligência e coragem, precisamente em razão dos mudados con­textos socioculturais, eclesiais e pastorais. Todavia, o essencial do seu ensinamento permanece, as peculiaridades do seu espírito, as suas intuições, o seu estilo, o seu carisma, não perdem valor, porque inspirados na transcendente pedagogia de Deus. Ele é atual por um outro motivo: ensina a integrar os valores da Tra­dição com as ‘novas soluções’ para enfrentar de maneira criativa as instâncias e os problemas emergentes: neste nosso tempo difí­cil ele continua a ser mestre, propondo uma ‘nova educação’ que ao mesmo tempo é criativa e fiel”.39

Por força da energia interior da sua caridade pastoral, Dom Bosco consegue “estabelecer uma síntese entre atividade evange­lizadora e atividade educativa. A sua preocupação de evangelizar os jovens não se reduz unicamente à catequese, ou apenas à litur­gia, ou àqueles atos religiosos que exigem explícito exercício da fé e a ela conduzem, mas abraça todo o vasto setor da condição juvenil. Situa-se, portanto, no interior do processo de formação humana, cônscio das deficiências, mas também otimista a respeito da maturação progressiva, na convicção de que a palavra do Evangelho deve ser semeada na realidade do viver quotidiano, para levar os jovens a empenharem-se com generosidade na vida. Visto que eles vivem numa idade peculiar para a sua educação, a men­sagem salvífica do Evangelho deverá sustentá-los ao longo do pro­cesso educativo, e a fé deverá tornar-se elemento unificante e ilu­minante da sua personalidade”.40

No final da celebração eucarística nos Becchi, o Santo Padre despediu-se com palavras carregadas de admiração por Dom Bosco educador.

Aqui “peregrina com a Família salesiana é toda a Igreja; estou também eu aqui para manifestar minha gratidão à Divina Providência por este presente que nos fez cem anos atrás, para toda a Igreja, para o bem dos jovens, para o bem da comunidade católica, cristã, humana, não somente do Piemonte, da Itália, mas de tantos Países, de tantos ambientes, de todos os continentes. Trago aqui também um agradecimento pessoal porque também vivi durante cinco ou seis anos numa paróquia confiada aos Sa­lesianos. E agora que me encontro aqui nesta ‘Colina das bem-aventuranças juvenis’, Colle Don Bosco, quando estou aqui a contemplar a fachada desta Igreja, não posso não lembrar a fachada de uma outra igreja que se assemelha um pouco a esta também arquitetonicamente: a paróquia de São Estanislau Kostka em Cracóvia. Lá fui tocado através de seus filhos espirituais, os Salesianos, pelo carisma de Dom Bosco. Assim chego aqui em peregrinação com todos vós para agradecer a parte que teve São João Bosco, a sua Família espiritual, o seu carisma, na minha vida. Quero agradecer juntamente com todos os presentes, com os piemonteses, com os chilenos, com os argentinos, com a Amé­rica Latina, com todos os Países do mundo aqui representados nas diferentes línguas, com todos os continentes. Quero agrade­cer aqui, neste lugar, onde nasceu, perto desta casa onde viveu, onde teve sua Mãe Margarida, onde desabrochou sua vocação”.

O gênio educativo de Dom Bosco, afirmou o Papa, manifestou-se no grau máximo através do amor pelos jovens: “para poder educar, é necessário amar”.

No discurso dirigido aos responsáveis de escolas reunidos na catedral de Turim, o Papa insistiu sobre a genialidade de Dom Bosco em superar a distância entre a civilização humana e a fé cristã. Com o seu amor ele foi “pai e mestre da juventude”, “o missionário dos jovens”.

É preciso saber cultivar este tipo de caridade pedagógica: é necessário fazer reviver a sua “preciosa herança histórica e espi­ritual, e possuir a graça de fazê-la reflorescer”.41 Um amor cheio de uma grande sensibilidade, capaz de “restaurar a aliança entre a ciência e a sabedoria. Torna-se necessário recuperar a consciên­cia do primado da verdade e dos valores perenes da pessoa hu­mana, como tal. É necessário por tudo isto reafirmar com Dom Bosco a convicção que em cada jovem existem energias de bem e qualidades interiores que se oportunamente estimuladas podem dar sabedoria ao homem”.42

É preciso, como ele, propor a santidade como meta concreta da educação cristã. “Que grande tarefa aquela do educador poder convencer cada um dos discípulos que está sendo chamado à santidade! Preocupai-vos, portanto, também de testemunhar o Evangelho na nossa vida quotidiana. Somente assim podereis ter uma envolvente influência evangélica sobre os alunos aos quais ensinais”.43

Dom Bosco é, portanto, para o Santo Padre, um eminente mo­delo de caridade pastoral no contexto cultural da educação.

É necessário, acrescentou o Papa, promover a responsabili­dade dos pais: já chegou “o tempo das associações de pais cristãos”. A educação, de fato, “é sempre a emanação da pater­nidade e da maternidade”. E aqui fez um outro simpático aceno a Mamãe Margarida: “é conhecida de todos a importância que teve Mamãe Margarida na vida de São João Bosco. Não só deixou no Oratório de Valdocco aquele característico ‘espírito de família’ que existe ainda hoje, mas soube moldar o coração de Joãozinho naquela bondade e naquela amabilidade que o tornam o amigo e o pai dos seus pobres jovens”.44



Evangelho e cultura popular



Falando da comunidade acadêmica da Universidade de Turim, João Paulo II apresentou o tema, a ele querido, da cultura e da urgência da educação do homem e da formação global da pessoa.

A Universidade foi concebida como uma particular ‘comu­nidade’ desde os inícios da instituição, na Idade Média”. É cha­mada a realizar a “difícil síntese entre a universidade do saber e a necessidade da especulação”. Ela “deve servir para a educação do homem. De nada valeria a presença de meios e instrumentos culturais, mesmo os mais prestigiosos, se não fossem acompa­nhados de uma clara visão do objetivo essencial e teleológico de uma Universidade: a formação global da pessoa humana, vista na sua dignidade constitutiva e originária, como no seu fim”.45 Ele lembra depois que a causa do homem “será servida se a ciência se aliar à consciência. Nesta importante missão, os deve­res do Ateneu encontram-se com os da Igreja. Igreja e Universi­dade não devem, portanto, ser estranhos, mas estar próximas e aliadas. Ambas se consagram, cada uma à sua maneira própria e com o próprio método, à busca da verdade, ao progresso do espírito, aos valores universais, ao desenvolvimento integral do homem. Uma maior e recíproca compreensão entre elas não po­derá deixar de ser útil para alcançar estas nobres finalidades que as unem”.46

Aqui o Santo Padre introduz o discurso sobre Dom Bosco “promotor de uma sólida cultura popular, formadora de cons­ciências civis e profissionais de cidadãos empenhados na socie­dade”. Este Santo, “apesar da sua atividade incrivelmente vasta, soube cultivar em si mesmo uma sólida preparação cultural, unida a felizes dotes de exposição literária, que lhe permitiu rea­lizar um notável apostolado. Ele sentiu o impulso fortíssimo de elaborar uma cultura que não fosse privilégio de poucos, ou uma abstração da realidade social em evolução”.

Dom Bosco “além disso, manifestou um extraordinário inte­resse pelo mundo do trabalho. Ele teve a clarividente preocupa­ção de dotar as jovens gerações de uma competência profissional e técnica adequada, sobretudo numa cidade como Turim e numa região como o Piemonte, que, mediante avançados centros de produção industrial, difundiram em escala mundial as criações e as descobertas científicas do gênio italiano. Foi notável também a sua preocupação por favorecer uma educação para a respon­sabilidade social cada vez mais incisiva, baseada numa crescente dignidade pessoal, à qual a fé cristã não só dá legitimidade, mas confere também energias de alcance incalculável”.47

Temos aqui uma preciosa e importante reflexão sobre um aspecto certamente característico de Dom Bosco, cuja missão “juvenil e popular” penetra no contexto vivo da presença do Evan­gelho como estímulo esclarecedor e purificador da cultura, em particular com a comunicação social entre o povo.48



A responsabilidade da Família Salesiana



O Santo Padre falou em várias ocasiões do carisma de Dom Bosco, referindo-se à Família Salesiana que guarda e transmite sua tradição viva. Aos membros do Conselho Geral já tinha repe­tido, anteriormente e com insistência, que todos os Salesianos devem ser, como o seu Fundador, “missionários dos jovens”.

Na peregrinação de setembro falou deste patrimônio a ser feito frutificar, sobretudo na homilia da Missa celebrada na praça Maria Auxiliadora: “Querido Santo! Quanto nos é necessário o teu grande carisma! Ainda que nos tenhas deixado há cem anos, sentimos a tua presença no nosso “hoje” e no nosso “amanhã”.49

Lembrou à Família Salesiana que ela é a portadora da “he­rança espiritual do seu Fundador”; herança “fortemente inserida na Igreja”.

Dom Bosco educou os seus colaboradores a se deixarem ca­tivar pelo “ministério do menino” tão bem apresentado pela lei­tura litúrgica do Evangelho do dia: Mt 18,5. Este foi o seu carisma: acolher os jovens em nome de Cristo. “Para ele, educar significa encarnar e revelar a caridade de Cristo, exprimir o contínuo e gratuito amor de Jesus para com os pequenos e os pobres e desenvolver neles a capacidade de receberem e doarem afeto”.50

Insistia com os seus: “Cada um procure fazer-se amar”: eis uma indispensável atitude de espiritualidade pedagógica. “A cari­dade operosa e sábia, reflexo e fruto da caridade de Cristo, foi assim, para São João Bosco, a regra de ouro, a força secreta que o fez enfrentar privações, para dar aos jovens pão, casa, mestres e de modo especial, para cuidar da saúde das suas almas; e que lhe permitiu ajudar os pequeninos a cumprirem e apreciarem, ‘com impulso e amor’, os empenhos penosos, necessários à for­mação da própria personalidade”.51 Insistia continuamente sobre a importância de “deixar-se guiar por uma grande confiança em Deus”, que o sustentava no seu não fácil empreendimento. Ele é o vosso modelo, “o homem humilde e confiante, e, portanto, tam­bém forte, cheio de coragem divina, da coragem sagrada de viver”.

O educador que ama muito, diz o Papa, “deve ter enorme confiança. O homem que trabalha muito, deve permanecer cons­tantemente na presença de Deus”.52

Também falando às Religiosas, reunidas na basílica, por pri­meiro sublinhara a importância da união com Deus na experiên­cia vivida por Dom Bosco: ele “testemunhou em toda a sua vida o primado da vida interior. Este primado foi para ele admiravel­mente unido à intensa atividade no serviço dos irmãos, um ser­viço generoso e alegre, incansável e radical, transparência da sua comunhão com o Senhor”.53

Mas, na homilia, o Papa quis deixar algumas recomendações específicas à Família Salesiana, convocada “a acolher com em­penho generoso a missão e o serviço em favor da educação juve­nil herdados de Dom Bosco”.54

E as recomendações que nos fez são três:

1ª) “Enfrentar com coragem e com ânimo pronto os sacri­fícios que o trabalho entre os jovens requer. Dom Bosco dizia que é preciso estar pronto a suportar as fadigas, os aborreci­mentos, as ingratidões, os distúrbios, as deficiências, as negligên­cias dos jovens, para não quebrar a cana fendida, nem extinguir a chama fumegante”.

2ª) “À família Salesiana está confiada de modo especial a tarefa de conhecer os jovens, para que os seus membros sejam na Igreja animadores de um apostolado peculiar, orientado de modo particular para o serviço da catequese”.

3ª) É tarefa peculiar dos filhos de Dom Bosco encarnar uma espiritualidade da missão entre os jovens, tendo sempre pre­sente que a personalidade do jovem se modela pela figura do seu educador”.55

Podemos acrescentar que João Paulo II (que confessou a sua “predileção apaixonada pela juventude”),56 deu-nos depois tam­bém uma lição de como falar hoje aos jovens: seja na Boa-noite no “Confronto DB’88”, seja no Estádio municipal.

Exortou-os a serem jovens “destemidos, convictos, abertos à esperança”;57 e lhes falou de argumentos profundos e comprome­tidos: “jovens e opção cristã”; “jovens e Igreja”; “jovens e va­lores morais”; “jovens e empenho social”.58

Verdadeiramente a herança de Dom Bosco pede com urgên­cia a toda a Família Salesiana “estudar com atenção o mundo juvenil, para constantemente atualizar as linhas pastorais apro­priadas, pondo sempre em evidência, com atenção inteligente e amorosa, as aspirações, os juízos de valor, os condicionamentos, as situações de vida, os modelos ambientais, as tensões, as reivin­dicações, as propostas coletivas do mundo juvenil no seu cons­tante desenvolvimento”.59



Dom Bosco “verdadeiro”



Estas reflexões de João Paulo II revelam certamente, nos aspectos mais verdadeiros e mais profundos, a importância eclesial de Dom Bosco como iniciador de uma concreta e prodigiosa “tradição espiritual”. Não se pode, de fato, hoje olhar para ele sem considerar a validade do seu espírito, presente e operante em todos os continentes.

Dom Bosco Fundador iniciou esta “tradição viva”, não plagiando — talvez com esperteza — alguns adolescentes sem muita personalidade, mas formando neles — transmitindo a vida e numa dócil e inteligente escuta do Espírito do Senhor — convicções claras e sólidas, atitudes evangélicas originais, critérios pedagógico-pastorais, criatividade ativa e bondade de convivência, que enriqueceram as suas não comuns qualidades pessoais; pensemos em Rua, Cagliero, Fagnano, Lasagna, Albera, Rinaldi, Lemoyne, etc.

A leitura daquilo que o Papa meditou deverá nos servir tam­bém para evitar certas reduções em que podemos cair quando se exclui a sua santidade e o seu carisma de Fundador.

Alguém disse que “o Dom Bosco verdadeiro é maior do que o Dom Bosco histórico!”. É uma frase que pode ser mal-entendida, mas que pode ser também lida com inteligência, sem criar equí­vocos. Pode existir, de fato, uma “sábia superficialidade” anco­rada em métodos unicamente de racionalidade humana que, apesar de úteis e também — em parte — objetivos, não esgotam o tema, porque não atingem o segredo fundamental de um Santo Fundador. É tranquilo para um cristão, que não é possível ler objetivamente a realidade “verdadeira” de um Santo, desconhe­cendo a ação do Espírito do Senhor e a tradição viva e contínua (relançada com fidelidade após o Concílio Vaticano II), vivida depois com entusiasmo pelos seus melhores discípulos.

O cristão costuma ir mais além dos meios — também se vá­lidos — da racionalidade humana. A liturgia, por exemplo, que expressa a autenticidade da fé cristã, afirma e proclama “a ver­dade” sobre Jesus Cristo e a objetividade do seu mistério, também se não faz uso da crítica científica (que, por outro lado, não despreza). Assim, ficaria terrivelmente empobrecido julgar a pre­sença real do Corpo e do Sangue de Cristo na Eucaristia com a única aproximação da química e da física, também se são ciências indispensáveis.

A fé nos ensina que na história intervém efetivamente o Es­pírito do Senhor, com o seu inefável poder e com a sua impre­visível criatividade. São Paulo, anunciando o paradoxo de “Cristo crucificado”, exclama com vigor: “Está escrito: Destruirei a sabedoria dos sábios e anularei a prudência dos prudentes. No sábio plano de Deus o mundo, com a sua sabedoria, não reconhe­ceu a Deus. Nós pregamos Cristo poder de Deus e sabedoria de Deus. Quando estive convosco o fiz com simplicidade. Apresentei-me a vós fraco, cheio de temor e de preocupação. Apresentei-vos e ensinei-vos não com hábeis discursos de sabedoria humana. Era a força do Espírito que vos convencia. Assim a vossa fé não está alicerçada sobre a sabedoria humana, mas sobre o poder de Deus”.60

O estilo litúrgico e pastoral do Santo Padre nos seus discur­sos sobre Dom Bosco nos ajuda a aprofundar a parte mais fun­damental e viva da verdade sobre ele, sobre sua herança espiri­tual e pastoral, sobre a sua original via evangélica deste segui­mento de Cristo.

É assim que o vemos, com mais clareza, como “sinal e por­tador do amor de Deus aos jovens”.61

Para concluir, queridos irmãos, exorto-vos a ouvir com atenção e com propósitos operacionais este Papa que nos convida a buscar em plenitude o espírito de Dom Bosco. Nós mesmos, nos propomos isto no dia 14 de maio com a solene renovação da nossa Profissão.

Na noite do dia 3 de setembro — dia intenso de grandes emo­ções — enquanto jantávamos no refeitório de Valdocco e comen­távamos com admiração tudo aquilo que tínhamos presenciado, um Bispo que viera de longe e que estava sentado à minha frente, sintetizou assim o máximo das suas impressões:

Para mim é como se o Carisma de Dom Bosco começasse hoje.

Penso ao Concílio Vaticano II que nos tirou tanta poeira e alguns freios.

Comoveu-me este extraordinário e corajoso João Paulo II que o lançou exatamente aqui nos lugares de origem, na direção do terceiro milênio”.

Pareceu-me um juízo inspirado.

Entrego-o a vós como tema de reflexão e como aspiração de futuro.

Dom Bosco do céu interceda reconhecido por este Papa, tão benemérito do seu Centenário, e obtenha para nós juventude de espírito e incansável criatividade pastoral.

Será o dom mais precioso que poderemos oferecer aos jovens”.62

Desejo a todos um fecundo Ano novo. Cordialmente no Senhor,







Lista dos discursos pronunciados por João Paulo II na sua peregrinação aos lugares de Dom Bosco de 2 a 4 de setembro de 1988



  • Homilia durante a Missa e rito da Confirmação no Palá­cio dos esportes em Turim (2 de setembro de 1988).

  • Boa-noite” aos jovens participantes do “Confronto DB’88” (2 de setembro de 1988).

  • Discurso no encontro com os Sacerdotes e Religiosos na basílica de Maria Auxiliadora em Valdocco (3 de setembro de 1988).

  • Alocução durante a visita ao Batistério da igreja paroquial de Castelnuovo Don Bosco (3 de setembro de 1988).

  • Homilia na celebração nos Becchi (“Colina das bem-aventuranças juvenis”) com a beatificação de Laura Vicuña (3 de setembro de 1988).

  • Breve conversa no final do almoço no refeitório da comu­nidade salesiana do Colle Don Bosco (3 de setembro de 1988).

  • Discurso aos seminaristas e aos jovens religiosos e religio­sas e aspirantes na Catedral de Chieri (3 de setembro de 1988).

  • Discurso no encontro com o mundo da Cultura na Univer­sidade de Turim (3 de setembro de 1988).

  • Longo diálogo com os 70.000 jovens presentes no Estádio Municipal (3 de setembro de 1988).

  • Saudação durante a visita à Escola de aplicação do Exér­cito italiano em Turim (4 de setembro de 1988).

  • Saudação entregue por escrito na breve visita à igreja de São Francisco de Assis em Turim (4 de setembro de 1988).

  • Meditação às Religiosas reunidas na Basílica de Maria Auxiliadora em Valdocco (4 de setembro de 1988).

  • Homilia da Missa celebrada na praça de Maria Auxilia­dora (4 de setembro de 1988).

  • Alocução do “Ângelus” dominical após a Missa (4 de se­tembro de 1988).

  • Conversa familiar no final do almoço no refeitório da co­munidade salesiana de Valdocco (4 de setembro de 1988).

  • Discurso aos responsáveis de escolas reunidos na Catedral de Turim (4 de setembro de 1988).

  • Exortação aos doentes na praça Real de Turim (4 de se­tembro de 1988).

  • Despedida do grande número de pessoas e das autorida­des na Praça Castelo em Turim (4 de setembro de 1988).



[ Os discursos, em língua italiana, encontram-se em http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/it/travels/1988/travels/documents/trav_torino.html ]

1 Mutuae Relationes 11.

2 Iuvenum Patris 13.

3 Ib. 5.

4 Ib. 8.

5 Ib. 16.

6 Ib. 20.

7 Ib. 5.

8 Mutuae Relationes 11.

9 Discurso em Castelnuovo 4.

10 Ib. 4.

11 Ib. 4.

12 Discurso no Palácio do esporte 5.

13 No final da celebração no Palácio do esporte, antes da bênção apostólica.

14 Ib. 6.

15 Ib. 1.

16 Discurso aos sacerdotes 5.

17 Ângelus 2; Homilia na Praça de Maria Auxiliadora.

18 Iuvenum Patris 20.

19 Discurso em Chieri, 1.

20 Ib. 1.

21 Ib. 3, 4.

22 Ib. 2.

23 Ib. 5.

24 Discurso aos sacerdotes 1.

25 Ib. 1.

26 Ib. 1.

27 Ib. 1.

28 Ib. 1.

29 Ib. 2.

30 Ib. 2.

31 Ib. 4.

32 Cf. 1Cor 4,1.

33 Cf. Discurso aos sacerdotes 1.

34 Ib. 4.

35 Homilia nos Becchi 1,2.

36 Iuvenum Patris 8.

37 Ib. 8.

38 Ib. 10, 11, 12.

39 Ib. 13.

40 Ib. 15.

41 Discurso aos responsáveis de escolas 1.

42 Ib. 4.

43 Ib. 7.

44 Ib. 8.

45 Discurso na Universidade 2,3,4.

46 Ib. 4.

47 Ib. 5.

48 Cf. Const. 6, 7, 29, 33, 43.

49 Homilia na praça de Maria Auxiliadora 11.

50 Ib. 4.

51 Ib. 5.

52 Ib. 7.

53 Discurso às religiosas 2.

54 Homilia na praça de Maria Auxiliadora 8.

55 Ib. 8.

56 Discurso aos responsáveis de escolas 2.

57 Boa-noite no “Confronto”.

58 Discurso no Estádio Municipal.

59 Homilia na praça de Maria Auxiliadora 8.

60 1Cor 1,18; 2,5.

61 Const. 2.

62 Const. 25.

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