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II. TESTEMUNHO EVANGÉLICO


«Com grande poder os apóstolos davam

o testemunho da ressurreição do Senhor Jesus,

e todos gozavam de grande aceitação».1


A. CHAMADO DE DEUS



17. Chamados pelo Pai, pela força do Espírito Santo seguimos o Senhor Jesus,2 nossa regra viva.3 Iluminados pelo mistério de Deus, que é comunidade de Amor, vivemos o seguimento de Cristo em comunidade, no que encontramos resposta aos profundos anseios do coração, somos sinais de amor e de unidade para os jovens4 e a nossa vida comunitária se torna experiência cotidiana de espiritualidade.


18. A primeira comunidade apostólica, que por vezes entre dificuldades busca o seu caminho, permanece a referência fundamental para as nossas comunidades. O seu alegre testemunho do Senhor Ressuscitado se exprime na procura do Reino concretizado no serviço fraterno, vivido na comunhão e na partilha, proclamado no anúncio salvífico do Evangelho e celebrado na oração em comum e na fração do pão.


19. As nossas comunidades, igualmente, se tornam profecia para os jovens no serviço generoso, na fraternidade, no anúncio e na festa. A sua experiência de Igreja, fundada na Palavra e na Eucaristia, se torna fermento de comunhão e de novas comunidades, por meio do testemunho cotidiano de plenitude de vida e de felicidade que irrompem do Senhor Ressuscitado.


20. A comunidade de Valdocco, guiada e animada por Dom Bosco, procurou viver esse testemunho de forma cabal e harmoniosa. Dom Bosco mesmo, no sonho dos dez diamantes, representando a identidade do salesiano, traçou-lhe as características fundamentais e os perigos a que está exposta. Toda comunidade é formada por pessoas, imersas na sociedade, que exprimem a paixão evangélica do “da mihi animas, caetera tolle” com o otimismo da fé, a dinamicidade e a criatividade da esperança e com a bondade e a doação total da caridade. Este empenho é sustentado por uma estrutura espiritual forte e essencial, caracterizada especialmente pela dimensão ascética dos conselhos evangélicos e por um estilo de vida laborioso e temperante.


21. Seguindo o exemplo de Dom Bosco, a comunidade dá testemunho de toda a força educativa e pastoral da consagração, vivendo com entusiasmo e alegria a total consagração a Deus e aos jovens. Verificamos que a fidelidade à consagração é processo em constante crescimento e se exprime na contínua busca do ideal evangélico, tendo por modelo o itinerário da fé de Maria.


22. Caracterizam o atual contexto: o secularismo, o individualismo, o consumismo e o hedonismo. Mas perpassam-no também uma sensibilidade mais ampla pelo sagrado, uma abertura mais clara para o transcendente e um empenho de concreta solidariedade.

Por isso, hoje, mais do que nunca, as nossas comunidades são chamadas a tornar visível aos jovens, especialmente aos mais pobres e necessitados, o primado de Deus, que entrou na nossa vida, conquistou-nos, colocou-nos a serviço de seu Reino, como sinais e portadores do seu amor.5


23. Seguindo a Cristo obediente, pobre e casto na radicalidade do Batismo, a comunidade revela as melhores energias da sua liberdade, contesta a idolatria do poder, do possuir e do prazer, tornando-se desta maneira totalmente disponível para a missão em favor dos jovens. Busca na obediência a vontade de Deus por meio do diálogo e a fidelidade ao projeto comunitário, e vive e acolhe com espírito de família o serviço da autoridade. Na pobreza põe em Deus toda a sua confiança, abre-se à comunhão dos bens e à solidariedade, promovendo projetos em favor dos pobres e partilhando a sua condição. Exprime na castidade o seu amor a Deus e a total dedicação aos jovens, com aquela pureza de coração que é o distintivo que caracteriza a sua missão educativa e pastoral.


24. Sustentada pela experiência de Deus e pela total dedicação à salvação dos jovens, a comunidade vive a graça da unidade, que é dom do Espírito Santo e síntese vital entre união com Deus e dedicação ao próximo, entre interioridade evangélica e ação apostólica, entre coração que reza e mãos que trabalham, entre exigências pessoais e empenhos comunitários. Integram-se assim harmonicamente, na aliança com Deus, a missão apostólica, a comunidade fraterna e a prática dos Conselhos evangélicos.


25. Vivemos esta escolha na certeza de que ela concorre para construir um modelo alternativo de humanidade e de família humana, na perspectiva da esperança cristã.

Respondemos assim ao dom de Deus com um caminho comunitário e pessoal de santidade, rumo à plena maturidade de Cristo, por meio do qual nos tornamos sinal e profecia dos valores últimos do Reino de Deus, no espírito das Bem-aventuranças.



B. SITUAÇÃO


26. Como fruto dos últimos Capítulos Gerais, as comunidades em geral procuram viver uma espiritualidade salesiana cada vez mais autêntica.

Nota-se na verdade um crescimento:

- na identidade carismática,

- no conhecimento e na aplicação do Sistema Preventivo, também entre os leigos,

- na valorização da vida comunitária,

- no assíduo trabalho entre os jovens, especialmente os mais periclitantes,

- no esmero com que se fazem as celebrações litúrgicas e as várias formas de oração,

- no esforço que muitos fazem para viver a graça de unidade, harmonizando vida fraterna, oração e trabalho apostólico.


27. A par destes sinais de crescimento, nota-se também a presença de fenômenos negativos. Indicam-se entre eles:

- ausência de sentido comunitário da vida espiritual;

- ausência nos momentos de oração comunitária;

- observância formal das práticas de piedade;

- esquivança na partilha de experiências espirituais;

- eficientismo e individualismo;

- gestão não equilibrada das horas de trabalho, de vida comunitária e de oração;

- cansaço e desânimo perante um mundo em contínua mutação.


28. Na prática dos conselhos evangélicos existem exemplos de alegre testemunho individual e comunitário, e de radicalidade até ao martírio.

- A obediência é vivida com espírito de fé e de humildade, na escuta recíproca e no esforço por construir juntos o projeto comunitário.

- A busca de um estilo de vida mais simples e austero torna-se visível pela acolhida dada aos pobres, pelo viver nos contextos de pobreza, pela solidariedade e pela transparência da administração dos bens.

- A castidade se manifesta pela serena aceitação de si mesmo, pela cordialidade do relacionamento, pela generosa disponibilidade ao serviço, pela fidelidade da vida totalmente despendida pelos jovens.


29. Releva-se ao mesmo tempo que as comunidades nem sempre conseguem tornar legível o seu testemunho e se notam:

- dificuldades em trabalhar em equipe, tanto entre os mesmos salesianos quanto entre salesianos e leigos; e atitudes de autoritarismo;

- dificuldade para alguns salesianos em mudar de cargo ou casa;

- contraste de nível de vida entre comunidade religiosa e situação de vida do povo, entre uma casa e outra, às vezes com o malbarato dos bens de que dispomos, gerindo mal os recursos que estão a serviço da nossa missão;

- situações de frieza relacional, incapacidade de estabelecer relacionamentos autênticos, compensações fora da comunidade, ambigüidades de vida que comprometem a credibilidade das escolhas professadas.



C. DESAFIOS

30. Várias causas parecem estar na origem da situação precedentemente descrita, dentre as quais as seguintes:

debilidade no reconhecer o primado de Deus, que leva a comunidade e também o irmão a obnubilar as motivações de fé e a consciência de serem salesianos consagrados;

fragmentariedade na vida pessoal e comunitária, que se manifesta em sacrificar o importante pelo urgente, e na incapacidade de harmonizar ser e fazer, trabalho e oração, evangelização e educação, iniciativa individual e planejamento comunitário;

falta da força profética da nossa consagração salesiana, que lhe ofusca a visibilidade tornando as comunidades pouco significativas e atraentes do ponto de vista vocacional.


A estas causas correspondem os seguintes desafios:


ٱ Como reavivar continuamente e expressar o primado de Deus nas comunidades, e como partilhar nelas, com os leigos e os jovens, a experiência espiritual?


ٱ Como atuar hoje novos equilíbrios pessoais e comunitários entre os deferentes aspectos da nossa vida, a fim de vivê-los na graça de unidade de modo completo e harmonioso?


ٱ Como tornar radical, profético e atraente o nosso testemunho comunitário do seguimento de Cristo?



D. ORIENTAÇÕES OPERATIVAS


Aos desafios acima indicados queremos responder assumindo especialmente as seguintes orientações operativas.


15. Primado de Deus e partilha da experiência espiritual

A comunidade, a exemplo de Maria, empenha-se em pôr Deus como centro unificador do seu ser, e em desenvolver a dimensão comunitária da vida espiritual:

- favorecendo a centralidade da Palavra de Deus na vida comunitária e pessoal, por meio da lectio divina, a meditação cotidiana, a Liturgia das horas, as celebrações da Palavra, a preparação em comunidade da Eucaristia dominical;

- celebrando a Eucaristia cotidiana com alegria, criatividade e esntusiasmo, e favorecendo a celebração com todos os irmãos juntos ao menos uma vez por semana;

- cuidando da qualidade da oração comunitária, até que se torne de per si escola de oração para os jovens, para os membros da Família Salesiana e para os colaboradores leigos;

- promovendo revisões de vida a partir das Constituições e dos elementos essenciais da espiritualidade salesiana;

- cuidando do acompanhamento espiritual mediante a valorização das oportunidades tão caras à nossa tradição: o Sacramento da Reconciliação, a direção espiritual, o colóquio fraterno;

- criando entre os irmãos um clima que favoreça o intercâmbio das próprias experiências de fé;

- favorecendo a integração entre o projeto pessoal e o comunitário, cuidando de sua inter-relação e partilha.6


32. Zelo pela graça de unidade

A comunidade se compromete a assegurar condições suficientes para que cada irmão possa dar ao seu ser e agir um sentido de unidade profunda:

- praticando o discernimento evangélico como atitude de busca da vontade de Deus por meio do diálogo comunitário e de coerentes processos de decisão e de execução;7

- avaliando periodicamente o equilíbrio entre compromissos de trabalho, exigências de vida comunitária, tempos de oração, de estudo e de descanso.


33. Testemunho comunitário do seguimento radical de Cristo

A comunidade se empenha por garantir que os conselhos evangélicos tornem transparente a gratuidade, a entrega incondicional da vida, o amor sem medida nem poupança, sobretudo pelos mais pobres:

- explicitando o valor humanizante dos conselhos evangélicos, para vivê-los com alegria e coerência;8

- avaliando em comunidade a sua prática por meio de escrutínios periódicos. Para tal escopo, o Dicastério da formação preparará concretas linhas de orientação;

- educando os seus membros ao uso apropriado dos MCS, incluídos os mais recentes, como a Internet, DVD, etc., e avaliando o seu uso positivo e apostólico.



34. Centralidade da Obediência

A comunidade favorece uma profunda vida no Espírito, o sentido da missão e uma eficaz inserção de cada irmão no projeto pastoral e educativo comunitário:

. promovendo o diálogo entre os seus membros por meio da assembléia comunitária, o dia da comunidade, os encontros do Conselho local e servindo-se também, quando necessário, de oportunas assessorias;

. envolvendo mais eficazmente todos os irmãos no núcleo animador da CEP e na elaboração e aplicação do PEPS;

. orientando os irmãos, em sua escolha de qualificação profissional, a se conformarem com as necessidades da Inspetoria, em diálogo com o Inspetor;

. relançando a prática do colóquio fraterno com o diretor, centro de unidade e de orientação pastoral para todos os irmãos.



19. Pobreza concreta

A comunidade se empenha por testemunhar um estilo de convivência inspirado na pobreza de Cristo e no seu Evangelho:

. manifestando a austeridade profética por meio de um modo de viver simples, sóbrio e modesto, levando em consideração o ambiente em que se vive,9 com trabalho assíduo, sacrificado e disposto também a fazer trabalhos muito humildes;10

. vivendo o espírito de desprendimento e de confiança na Providência, sendo transparente no dispor e usar o dinheiro, e fazendo os orçamentos com critérios de austeridade;

- fazendo da solidariedade um princípio regulador de seu viver e agir, por uma autêntica partilha no contexto da comunidade local e inspetorial, indo ao encontro também das necessidades de outras inspetorias;

. abrindo-se às necessidades dos jovens, sobretudo dos mais pobres, aplicando vida, tempo e estruturas a seu serviço e colaborando com as pessoas e as organismos que se dedicam à promoção social e lutam pela justiça.


36. Esplendor da castidade

A comunidade irradia o seu testemunho de castidade e o oferece aos jovens de hoje como um sinal profético do Reino de Deus e proclamação da dignidade de cada pessoa:

. criando um ambiente de fraternidade, sereno e feliz, que estimula o crescimento da verdadeira amizade entre os irmãos e se torna sinal da felicidade da doação pelo Reino;11

. visando a um estilo de vida temperante e laborioso, alimentado pela ascese e a prontidão para o serviço, como expressão concreta do amor ilimitado a Deus e aos jovens;

. propondo aos jovens programas de educação ao amor e de valorização da castidade;12

. estabelecendo, tanto em nível de Congregação quanto no de Inspetoria, normas de comportamento às quais todos os irmãos se devem conformar, a fim de se obviar a escândalos por abusos sexuais, valendo-se também das oportunas assessorias legais e científicas;

. oferecendo aos irmãos, especialmente aos que estão em dificuldades, acompanhamento, compreensão, espaço para recuperação, e aquelas intervenções, também em nível inspetorial, que forem necessárias;

. comprometendo-se na proteção dos menores, colaborando também com pessoas e organismos que trabalham pelos direitos das crianças e dos jovens, vítimas de exploração sexual.



1 At 4,33

2 Mc 3,14

3 C 196

4 C 49

5

6 cf. Ratio 90, 277

7 C 66

8 cf. VC 88-92

9 cf. C 77

10 cf. C 78

11 cf. C 83

12 cf CG23,192-202